Homilia Dominical / Frei João Santiago XIX Domingo do Tempo Comum - Ano C
XIX Dom Comum
Lucas 18, 1-8
A oração e fé como armas de transformação e instauradoras do Reino
“Propôs-lhes Jesus uma parábola para mostrar que é necessário orar sempre sem jamais deixar de fazê-lo. 2.Havia em certa cidade um juiz que não temia a Deus... 3.Na mesma cidade vivia também uma viúva que vinha com freqüência à sua presença para dizer-lhe: Faze-me justiça contra o meu adversário. .... porque esta viúva me importuna, far-lhe-ei justiça, senão ela não cessará de me molestar.6.Prosseguiu o Senhor: Ouvis o que diz este juiz injusto? 7.Por acaso não fará Deus justiça aos seus escolhidos, que estão clamando por ele dia e noite? Porventura tardará em socorrê-los? 8.Digo-vos que em breve lhes fará justiça. Mas, quando vier o Filho do Homem, acaso achará fé sobre a terra?
Símbolo da pessoa sem amparo neste mundo e símbolo da pessoa desprovida, indefesa, frágil, pobre, maltratada, a viúva representa os pobres e oprimidos que em geral pedem justiça, e ao mesmo tempo são tratados como malfeitores.
A viúva deste Evangelho aparece como uma mulher marcadamente cheia de um forte desejo de justiça. Obstinada nos seus propósitos, sabendo muito bem o que quer e focada no objetivo. Mulher centrada e concentrada no seu alvo, não permite que abafem sua voz, mas, não se abatendo, reivindica seus direitos, mostra-se presente, atuante. Faz valer sua voz e quer ter vez.
Por quê ela não esmorecia? Certamente porque tinha fé Naquele: “É o pai dos órfãos e o protetor das viúvas, esse Deus que habita num templo santo” (Sl 68,6).
O cínico juiz. A parábola fala de um juiz injusto e de injustiças. Jesus falou dos escândalos e das consequências dos escândalos. De fato, quando o injusto se dá bem, a tentação é perder toda a esperança no triunfo do bem, e aí nasce um perigo: acreditar que não vale a pena ser bom, justo e fazer o bem. Quantos casos, por exemplo, de pessoas que traem o cônjuge depois de saber que foram traídas. Diante da aparente vitória da injustiça e do mal, a tentação é grande, isto é, a tentação de não mais acreditar no ser humano e nem na bondade e nem em Deus. Daí que énecessário orar sempre sem jamais deixar de fazê-lo.
O Evangelho também nos assegura que certamente Deus fará justiça, fará valer sua vontade, seu desejo. Ele é o Senhor da história. Este é o sentido da frase: “...em breve lhes fará justiça”. Não é agendamento, não se trata de marcar o dia da justiça, mas certeza de que mais cedo ou mais tarde a necessidade será satisfeita. Ainda mais quando, como no caso da viúva, e não se trata de um pedido qualquer, mas de um pedido válido, evangélico e importante: “Faze-me justiça contra o meu adversário”. O Evangelho nos mostra que a batalha da fé envolve completamente o ser humano. Não se trata de fazer de Deus uma vareta mágica. Não se trata de convencer a Deus, mas o juiz injusto. A batalha não é pequena perante os desmandos do nosso mundo, a maldade de tantos corações, os sofrimentos existentes, etc. Uma menina procurava mudar de lugar o seu armário. Foi até ao pai e disse: “papai, já tentei de todas as maneiras e não consigo”. O pai respondeu: “você não pode desistir”. “Mas, papai, já tentei de todas as formas”, disse ela. E o pai: “já pediu ajuda para alguém?” A melhoria do ser humano, a paz diante de adversidades, o advento de uma família e cidades melhores, será sempre um trabalho conjunto de Deus e o homem. Um dia, diante de tantas cenas brutais vistas na televisão, um homem meio revoltado elevou esta oração a Deus: “Não fazes nada, ó Deus?”. Deus respondeu: “Sim, fiz você!”.
A parábola que a Igreja lê para nós hoje quer responder ao mal-estar dos bons que, por vezes, tem a impressão que Deus demora em fazer justiça. E afronta o problema acenando ao verdadeiro problema: a falta de adesão, por parte da humanidade: “...quando vier o Filho do Homem, acaso achará fé sobre a terra?” Jesus recrimina nossa preguiça espiritual. Como é difícil mudar! Ter fé nas palavras de Jesus exige mudança. Uma mulher rezava todos os dias para que Deus lhe fizesse justiça e o marido parasse de espancá-la. Deus respondeu, no caso dela: “vai-te embora desta casa”. Será que ela terá fé e irá embora ou vai ficar rezando para que Deus mude o homem?
A viúva tinha fé na justiça apesar de jamais ter ouvido que um cínico juiz tenha escutado uma pobre viúva. O verdadeiro milagre já tinha acontecido: dentro dela havia uma fome de justiça que não se esmorecia diante dos adversários e dificuldades. Rezar aqui é lutar sem baixar as armas. Que não sejamos desertores. Essa viúva nos chama a atenção pela sua beleza, força e dignidade. Nenhuma derrota parece abatê-la. Sem amparo de ninguém e indômita, mestra de oração, todo dia bate aquela porta fechada.
Bonhoeffer tem uma interessante interpretação sobre esta passagem quando diz: “Deus sempre cumpre suas promessas (e nem sempre nossos pedidos)”. Promessas tais como: “Eu vim para que tenhais vida em abundância. Não vos deixarei órfãos. Estarei convosco todos os dias até o final dos tempos. O Pai sabe do que precisais”. Deus está presente na nossa história, não estamos abandonados.
“Buscai em primeiro lugar o Reino e tudo será consequência”. A oração é não se conformar de como estão as coisas. É o primeiro balbuciar de uma nova história que Deus gera em nós.
A oração alimenta a fé, a esperança e a caridade. A oração escava o meu interior e dá acesso à uma fonte desconhecida, se torna prazerosa e é navegando nessa fonte que nasce a certeza que se cumprirá o sonhado e o prometido.