40 Anos da Província Nossa Senhora da Piedade: Frei Martinho de Nantes, "O Apóstolo dos Cariris"

40 Anos da Província Nossa Senhora da Piedade: Frei Martinho de Nantes, "O Apóstolo dos Cariris"

Dentre os Frades Capuchinhos Franceses que se dedicaram a evangelização dos indígenas no Brasil, o Frei Martinho de Nantes emerge como uma daquelas figuras que René Grousset teria chamado de “homem de proa”, aquele que estava além de seu tempo.

O Livro manuscrito “A Relação sucinta e sincera” é composto de duas relações do Padre Martinho de Nantes, religioso capuchinho, é dos poucos depoimentos valiosos deixados por um estrangeiro que realmente conviveu com nossos “silvícolas”. Sua própria ingenuidade que transparece, quer no contato com os indígenas, quer no sério combate que teve de travar como um dos mais gananciosos e inescrupulosos latifundiários do Brasil, que foi Francisco Dias d'Avila, fazem do seu relato um dos mais autênticos acerca da luta pela conquista do solo do Brasil. (A.J.L.)

O padre Frei Martinho de Nantes, segundo o livro “Capuchinhos em terras de Santa Cruz”, do padre capuchinho, Frei Fidélis Motta de Primério, São Paulo, 1942, ingressou na ordem em 1659. Foi um exímio missionário apostólico, enviado pela Propaganda Fide para a  região do Rio de São Francisco, exercendo a função de missionário, nas aldeias de Aracapá e Cavalo, entre os indígenas Cariris. Foi Superior do Hospício de Nossa Senhora da Penha, em Pernambuco e em 1682 na Bahia, onde iniciou o Convento da Piedade, que mais tarde passou para capuchinhos italianos.

O padre Martinho de Nantes ainda vivia em 1706 em Quimper-França. Além da Relação aqui divulgada, o padre Frei Martinho de Nantes terá escrito um dicionário da língua Cariri, um exame de consciência, um método para confessar e algumas vidas de santos em edição bilíngue, cariri e português.

Frei Martinho de Nantes chegou à Bahia em 3 de agosto de 1671, juntamente com Frei Anastácio de Audierne – França, descansaram por 12 dias e seguiram para as missões no Nordeste, especialmente no Estado de Pernambuco, quando Frei Martinho de Nantes e o seu companheiro Frei Anastácio de Audierne, chegaram em 1671   no hospício da Piedade e lá encontraram três frades. Na época os frades capuchinhos também dirigiam duas missões: a dos Indígenas Cariris na Paraíba, fundada por Frei Teodoro de Lucé e outra entre os indígenas de Rodela-Bahia, administrada por Frei Francisco Donfront. A vice Prefeitura brasileira dos capuchinhos bretões contava com sete membros no começo da década de setenta do século XVII

Resolvido a dedicar-se à conversão dos indígenas, Frei Martinho de Nantes transferiu à Missão Cariri para Frei Teodoro de Lucé, em novembro de 1671. Porém, aquela região era assolada periodicamente por terrível e longa seca, e isso dificultava a catequese, já que os indígenas dispersavam-se adentrando nas matas a procura por meios de subsistência. Ao ser informado de que nas margens do Rio São Francisco também viviam os Cariris, resolveu transferir-se para aquelas bandas menos difíceis, a fim de continuar seu trabalho de evangelização, isso aconteceu em meados de 1672. Lá encontrou-se com os capuchinhos, Frei Anastácio de Audierne e Frei José de Chateau-Gontier, que já haviam iniciado os trabalhos ali. Se fixou na ilha de Aracapá, lugarejo indígena bastante desenvolvido.

Cerca de dez anos dedicaria o Frei Martinho aos seus Indígenas Cariris do São Francisco. Aprendeu a língua e adaptou-a ao ensino religioso. A prova de que deu conta dessa tarefa está na entrega a Frei Bernardo de Nantes, apontamentos – gramatica  manuscrita de um  estilo rudimentar, mas em forma de  catecismo com o dialeto local do cariri, que diverge de um outro das tribos cariris convertidas em território baiano pelos jesuítas e fixado pelo Padre Luigi  Vincenzo  Mamiani.

Como fundamento da sua atividade missionária, Frei Martinho impôs uma regra de ouro, de garantia assegurada para o sucesso do ministério apostólico: a caridade. Ele amava os seus indígenas e era por eles amado. Sempre procurou demonstrar que a sua vida e obra estavam exclusivamente entregues ao bem deles.

Frei Martinho dedicava o especial cuidado em preparar os catecúmenos para a recepção do batismo e de outros sacramentos, pois estava convencido de que era dever do missionário tormar “chrêtiens d’euvres avant de l’être de caractere”, ou seja, cristãos que se distinguem mais pelo testemunho de vida do que pelo simples caráter batismal. Fiel a este princípio, fora as crianças e os moribundos, não admitia que fosse concedido o batismo sem a devida preparação.

Na Congregação da Propagação da fé, Frei Martinho respondia pelo cargo de Prefeito Geral das Missões do Brasil entre os selvagens – selvícolas, que hoje chamamos, de povos originários. É o religioso Capuchinho mais conhecido entre nós, seja pela documentação abundante acerca de sua personalidade, seja pelo interessante relatório que nos deixou sobre os acontecimentos alusivos de sua atividade missionária.

Na Bahia, para onde veio definitivamente em agosto de 1682, Frei Martinho enfrentou intensa atividade diplomática visando  vencer as últimas resistências e os preconceitos vigentes acerca dos franceses. Ali deu início à construção do hospício da Piedade. Na hora do seu retorno à Pátria, por motivo de saúde, (fim de agosto de 1686), podia dizer com satisfação que havia concluído a construção do “belíssimo convento ou hospício”: faltava ainda construir a Igreja. Sonhava retornar para junto dos seus índios, tão logo recuperasse a saúde, mas foi impedido pelo agravamento da política anti-francesa que voltou a prevalecer na Corte de Lisboa depois da morte da rainha Maria Francisca de Saboia em setembro de1683, e que mais tarde, nos inícios de 1687, chegou a impedir os missionários de nacionalidade francesa de ingressar nas colônias dependentes de Portugal. Depois de um ano de permanência em Lisboa, o Padre regressou a Sain Malo. Em 1706, ocupava o cargo de Guardião do Convento de Quimper, na Bretanha. Da metade de 1712 até meados de 1714 exercia a função de Superior do Hospício de Lisboa.

Pedra Fundamental do Hospício da Piedade. Fonte: Acervo Histórico da Província N. Sra. da Piedade

Esforçou-se, mas em vão, para a fundação de uma casa para os Capuchinhos Franceses na Paróquia de S. Sebastião, situada na propriedade de Antonio Gonçalves Prego. Na igreja do hospício festejou a canonização de São Félix de Cantalice (26 de julho de 1713) tendo tido antes de morrer, a consolação de saber que se revalorizava a obra desenvolvida pelos Capuchinhos Franceses no Brasil, dos quais todos sentiam muita falta na Bahia almejando-lhes o retorno. A morte dele ocorreu no Hospício de Lisboa em data desconhecida.

Autor:
Frei Ulisses Pinto Bandeira Sobrinho, OFMCap
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