Dicas para uma Espiritualidade Pascal

Dicas para uma Espiritualidade Pascal

Introdução:

A reflexão, que se segue, não logra ser uma reflexão e por isso malogra. Na balança da vida, lograr (lucrar) contrabalança com malograr, isto é, mal lograr.

Diante de qualquer malogro é possível dizer “tentei, mas não consegui” ou “não consegui, mas tentei”. Essa tentativa, sempre renovada, pode surpreender-nos com o “atirou no que viu e abateu o que não viu”. E talvez o que eu não via seja mais interessante do que o que eu via...

Faz tempo, li uma crônica de Hélio Pólvora em que ele dizia que “driblar é a maneira mais elegante de pedir licença”. Era justamente o tempo da Semana Santa. Foi dessa leitura que surgiu a suspeita de que uma Espiritualidade da Páscoa consiste em driblar o adversário ou o obstáculo, deixando-o para trás. Se ao obstáculo (em hebraico, satan) você disser vade retro, você o dribla, você o põe atrás, você prossegue e talvez consiga chegar ao gol. Convenhamos em que botar a bola dentro da trave gera uma explosão erótica nada desprezível.

Assim, embora sabendo que não saberei dizer em que consiste a genuína Espiritualidade da Páscoa, indicarei alguns passos, que mais se parecem com passos de um inexperiente dançarino.

1 – Drible provém, curiosamente, do inglês to dribble, que significa gotejar e negacear (não confunda, please, com negociar). O bom jogador é aquele que negaceia, isto é, engana, ludicamente, o adversário. Mas ad-versário, aqui, longe de ser um inimigo, é um amigo que está no lado oposto.

2 – Foi Nietzsche, o místico sem religião, quem confessou que só acreditaria num “Deus que soubesse dançar”. Os cristãos de seu tempo, na sua terra, lhe davam a impressão penosa de pré-cadáveres. E as igrejas lhe pareciam “túmulos de Deus”, tal o ar lúgubre que os cristãos respiravam. Deus não era o Deus dos mortais, mas dos mortos, Ele também morto e empalhado.

Entretanto, o itinerário da Páscoa nos conduz à suma alegria. Não por acaso, depois da queda de Adão e Eva, Deus passeia no jardim, sentindo a aragem da tarde, à procura dos envergonhados que de seu Rosto se escondiam.  E depois do deicídio no Calvário, o Filho de Deus aparece no jardim, à procura de seus amigos, para desejar-lhes a paz e livrá-los do mórbido senso de culpa.

3 – No contexto da Última Ceia, segundo a narrativa de Lucas, os apóstolos, após ouvirem o Senhor dizer que “a mão de quem o haveria de trair estava à mesa com ele” (Lc 22, 21), dão início a duas discussões: primeiro, discutem quem dentre eles seria o traidor; e, logo a seguir, discutem quem dentre eles é o maior (Lc 22, 24). E não percebem que, assim, estão todos se traindo a si mesmos...

E como Jesus ensina esses traidores de si mesmos a driblar a tradicional tentação de megalomania? Indicando-lhes a via da minoridade e do serviço. Mas como serve o “inútil menor”? Não como servo, senão como amigo do Dom que ele não tem, mas que o elegeu (eleger e elegância têm a mesma etimologia) como o último dos lugares para aí se doar, gratuitamente...

Inconclusão:

Pulsa em nós a questão: como sermos capuchinhos pascais?

Sendo radicalmente capuchinhos!

Fora de quaisquer túmulos...

Longe de qualquer megalomania...

Vivendo, já agora e já aqui, como filhos do Pai que veste de beleza os lírios do campo e solta nos céus as aves que desejarem voar...

Autor:
Frei José Edilson Bezerra, OFMCap
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