Franciscanamente, Peregrinos da Esperança

Franciscanamente, Peregrinos da Esperança

À margem de um lugar-comum:

“Peregrinos da Esperança” tornou-se um clichê, um chavão, um lugar-comum que de tanto repetir-se talvez já não consiga re-petir ou re-pedir o seu saboroso e primordial sentido.

Na sua obra Exegese dos Lugares-Comuns, Leon Bloy desmascarou a pusilanimidade que se esconde por trás de tais lugares-comuns.

Perguntemos, pois, sem pusilanimidade:

O que queremos realmente dizer quando usamos o termo “peregrino”? E se lhe acrescentamos “da esperança”, o que na verdade estamos acrescentando?

Para iniciar, lembremos que peregrino não é o ambulante (o que anda de um lugar para outro), o errante (o que anda de um lugar para outro apenas para não ficar parado), o nômade (o que por necessidade de pastoreio vive mudando de pouso), o passeante (o que anda para espairecer), o vadio (o que vagueia por não querer trabalhar), o vagabundo (o vadio sem domicílio).

Peregrino, tal como sugere sua etimologia (per ager), é aquele que atravessa campos, sem de antemão projetar um objetivo a ser alcançado, um alvo a ser atingido. Sua meta não é chegar a Santiago, a Roma, à Terra Santa. Seu interesse é dirigir-se a ou para, sem, no entanto, estabelecer de antemão um “aonde” nem um “para onde”. E por isso pode, de repente, encontrar-se com o outro de si. Com o inesperado. Com o estranho. Com o estrangeiro. Um bom peregrino será sempre um samaritano bom.  

Desse ponto de vista, peregrino é o pároco que se aproxima de um lugar (par’oikos), aí se detém por algum tempo, dele cuida com desvelo e zelo, e prossegue sua viagem, desprendido de si e do lugar.

De que esperança se trata quando dizemos “peregrinos da esperança”? A dinastia etimológica da esperança, com sua raiz indo-europeia *spe, aponta para prósperas possibilidades, em todas elas presente a ideia de espaço e expansão.

Em regra, associamos a esperança a um amanhã, a um ainda não, a um por vir. Entretanto, mais do que a um amanhã tem a esperança a ver com uma manhã. A manhã é a alvorada, o nascer do dia, a aurora, a hora de ouro.

- Para onde vais, andarilho, nesse andar assim cambaio?

- Vou ao encontro da manhã (Thiago de Mello).

Desse ponto de vista, a esperança não deixa para resolver amanhã o que pode ser resolvido hoje. Não procrastina.

Na oração que a Província elaborou para a preparação e realização do nosso XV Capítulo Eletivo Provincial, há uma expressão que diz “peregrinantes deste mundo”. Feliz expressão! Faz uso de um particípio presente. Somos peregrinantes não só neste mundo, mas deste mundo para o mundo do outro e para outros mundos. Nessa expressão está ínsita a ideia de êxodo e de sínodo.  

Peregrinemos, pois, sentindo que sob nossos pés, ainda que cansados e talvez machucados, já está a terra prometida de cujo seio mana leite e mel.  

Franciscanamente, ser peregrino, viver como peregrino com outros peregrinos, torna-se a mais leve e peregrina das viagens: “Lá vai São Francisco / de pés no chão / levando nada / no seu surrão”.

Autor:
Frei José Edilson Bezerra, OFMCap
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