Francisco e Leão

Francisco e Leão

O que há de comum e o que há de próprio  entre  Papa Francisco - Papa Leão XIV e São Francisco - Frei Leão? Os nomes, apenas?

Em deixando nosso pensamento suspeitar, isto é, ver mais embaixo (sub-spicere), talvez descubramos algumas similitudes. Não se trata, porém, de comparar. Cada um deles é incomparável.

Recordemos o que dizem o capítulo VII de Actus e o capítulo VIII de I Fioretti: em Actus lemos “Da orientação de São Francisco a Frei Leão que só na cruz seja a perfeita alegria”; em I Fioretti lemos “Como a caminhar expôs São Francisco a Frei Leão as coisas que constituem a perfeita alegria”.

São Francisco e Frei Leão vão de Perúgia a Assis, a Santa Maria dos Anjos, à Porciúncula. É inverno. É a última estação do ano segundo o tempo cíclico da natureza. Frio intensíssimo. Tudo está congelado. A natureza como que se recolhe ao seu núcleo vital para hibernar. Se a primavera é o nascer, o verão o crescer, o outono o sazonar, o inverno é o consumar-se.

Santa Maria dos Anjos é a origem, o berço da Ordem. É o lar, a lareira, o em-casa, o aconchego, o desabrolhar da vocação de Francisco da cruz e para a cruz através da cruz. Tudo então é cruz: partida, travessia, chegada são, inescapavelmente, cruciais e cruciantes.

São Francisco e Frei Leão, seu secretário (aquele que guarda segredos invioláveis), movidos por uma pungente saudade, voltam ao próprio lar.

Só que os habitantes desse lar não os reconhecem! Francisco e Leão lhes aparecem tão vis, tão vilões, tão estranhos, tão ninguém como diria Chuang-Tzu, que mais se parecem com intrusos e invasores!

Francisco e Leão são expulsos do próprio lar e enxotados para aquele lugar onde tudo começou, justamente para o lugar onde o amargo se tornou doce e o acerbo se tornou suave.

Francisco e Leão acolhem benignamente as agressões dos irmãos como exercícios  para crescerem nas habilidades discipulares de trovadores e samurais de sua majestade, a Senhora Pobreza.

Francisco e Leão vivem tão austeramente a pobreza que se tornam, em carne e osso, o corpo vivo de uma ab-negação radical. O mordente dessa austeridade ameaça a segurança dos habituados ao meio-termo.

Francisco e Leão devem ter pensado que os irmãos eram instrumentos na mão de Deus para submetê-los a um teste de qualidade, para averiguar o quilate diamantino de sua existência sem nada de próprio.

Mas não! A abnegação da cruz consiste na rejeição dessa abnegação por Deus: “Deus meu, Deus meu, para que me desamparaste, por que és absoluto abandono?!”

E assim é retirada de Francisco e Leão a última chance de gloriar-se de si mesmos por serem tão “heroicos” em suportar tamanho martírio. Sua ab-negação, já agora, é sem porquê e sem para quê. É como a rosa que não olha para si mesma nem pergunta se alguém a vê. É o abandonado que se abandona a quem o abandonou. Nesse abandono do abandono, diz São Francisco a Frei Leão, é que está, ou melhor, que “seja” a consumação da verdadeira alegria.

Mas onde estão as semelhanças que alguns observadores estão revelando e relevando?

Lembrando que descobrir semelhanças não é igualar nem comparar, podemos entrever, por exemplo, esta: O Papa Leão XIV, com seu sorriso tímido, com seu apreço pela modéstia, com sua evidente sobriedade, deixa transparecer que dará continuidade ao magistério petrino, como o deu Papa Francisco, o qual soube, como diria Cecília Meireles, “ensinar primavera às areias e aos gelos”.

Para além de semelhanças reais, e equivocadas comparações, Leão XIV manterá a inteligência do seu coração imersa nas raízes do Evangelho da Graça.

Autor:
Frei José Edilson Bezerra, OFMCap
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