Trajetória Histórica e Missionária da Província Capuchinha da Bahia e Sergipe: 40 anos de Fraternidade e Missão

Trajetória Histórica e Missionária da Província Capuchinha da Bahia e Sergipe: 40 anos de Fraternidade e Missão

A missão dos frades capuchinhos é preservar com a premissa da Paz e do Bem, através de ações sociais e religiosas. Dando continuidade a uma trajetória espiritual cristã. Significa ser ungido pelo Senhor para acolher e respeitar todas as criaturas. Realizar os serviços simples, humildes com alegria e espirito de serviço, estando entre os que sofrem, entre os pobres e marginalizados; de um modo particular, os frades capuchinhos se desfizeram de tudo para viver na selva, a vida dos indígenas, no sertão a vida dos flagelados, nas vilas a vida de conselheiros e orientadores...

Em todos os recantos do Brasil, encontram-se relíquias de suas passagens, histórias milagrosas e cruzes sepulcrais daqueles que morreram pelo dever religioso.

A presença dos frades capuchinhos na Bahia, se deu a partir de 1670, sendo que, primeiramente chegaram os franceses da Província de Bretanha, trazidos pela corte portuguesa com a incumbência de catequizar os indígenas os Cariris no sertão baiano. Os frades capuchinhos italianos chegaram a Salvador ainda no século XVII, nos intervalos das missões da África, no Congo português.

Frei Martinho de Nantes foi o primeiro missionário indicado e depois nomeado como Superior das Missões Capuchinhas para além do Rio São Francisco e principal mentor da construção do Hospício da Piedade. Ele inicia a habitação "petite cellule" com a liberação do alvará, em 1679. Em 1687/88, o convento fora construído, mas muito modesto: um quadrilátero, com um dos lados formados pela parede da Igreja e os três restantes constituindo o convento simples terraço.

Como a Bahia era ponto de distribuição de missionários para as missões da África, foi proposta pelo Frei Francisco de Monteleone ao Prefeito das Missões do Congo e Angola a revitalização do Hospício da Piedade para acolher os frades nos intervalos das missões, onde pudessem recuperar as forças e a observância regular.

A decisão de entregar o Convento da Piedade aos frades italianos foi comunicada a Roma pelo Núncio Dom Michelangelo Conti (1698-1709), em carta de 21 de fevereiro de 1705 e os decretos régios assinados pela Regente Catarina da Grã-Bretanha, Infante de Portugal, outorgando o governador Dom  Rodrigo da Costa a entregar o convento aos italianos. Porém, o governo português ao mesmo tempo em que cedia o convento, estabelecia algumas medidas restritivas, como a declaração de que deveriam abrigar-se no hospício apenas os missionários vindos da África, sendo proibido aos capuchinhos o exercício de qualquer atividade missionária na Bahia, com o argumento de que já existia em terras brasileiras um número suficiente de religiosos para cuidar da evangelização dos gentios.

Em 1712, a Propaganda Fide reconheceu o interesse dos frades capuchinhos italianos e nomeou Frei Michelangelo de Nápoles como o 2º Prefeito Apostólico da missão na Bahia por sete anos. Esses religiosos através de suas pregações, conquistaram grande popularidade entre os fiéis baianos. Após a expulsão dos capuchinhos franceses, acusados de intermediários durante a ocupação holandesa no Nordeste, o Hospício da Piedade ficara vago. No entanto, a permanência dos frades italianos também não era do interesse do reino português. Apoiada no seu direito do Padroado, a Coroa portuguesa dificilmente aceitava a vinda de missionários para o Brasil ligados a Santa Sé. A presença da Ordem em Salvador e em outras áreas do Nordeste, só foi possível graças à intervenção de Garcia D’Ávila, patrocinador da volta dos capuchinhos para o Brasil.

No período, como Superior Regular das Missões na Bahia, Frei Ambrósio de Arcévia (1802-1839), a Igreja da Piedade foi reformada pelos próprios missionários. A intenção era tornar o templo mais espaçoso para abrigar um maior número de fiéis. A construção, inspirada no estilo neoclássico, recebeu elogios de viajantes europeus, como o missionário metodista norte-americano Daniel Parish Kidder, que destacou sua preferência por aquela igreja entre tantas outras na Bahia. Esta preferência era justificada pelo projeto ter obedecido, com maior rigor, as regras arquitetônicas e as normas do gosto europeu. Para o naturalista alemão Carl Friedrich Philipp von Martius, dentre as muitas igrejas que havia visitado na capital, se destacava o novo e agradável zimbório da Igreja da Piedade dos capuchinhos italianos. O historiador José da Silva Lisboa entendia que era a melhor igreja que o povo baiano tinha naquela época, construída com perfeição e gosto segundo o modelo da Basílica de Santa Maria Maior, em Roma.

Em 1840, inicia uma nova fase que se estende até os dias atuais, sem quebra de continuidade. No 2º Império, após entendimentos com a Santa Sé, instituiu-se a Missão Oficial ou Missão Italiana. Foram reorganizadas as Prefeituras Apostólicas da Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro, coordenadas por um Comissário Geral com residência no Rio de Janeiro, no Convento do Castelo. As diversas regiões do Brasil foram entregues a cada uma das províncias religiosas da Itália. Todos os serviços prestados às pessoas deviriam basear-se numa vida formada no Evangelho.

Os principais acontecimentos deste período foram as grandes e sucessivas “missões ambulantes” que tornaram os Capuchinhos da Piedade missionários oficiais da Bahia e de outros estados do Norte e Nordeste. Havia entre os missionários, o entendimento de que o meio certamente influenciara o desconhecimento das verdades da fé católica. Por ter uma vida distante dos centros onde se instalavam as ordens religiosas e longe dos seminários de onde saíam os representantes do nosso Clero Secular e esquecido pela própria Igreja, o sertão negava a sua gente condições para que se inteirasse de forma consistente do mínimo desejável sobre as práticas do catolicismo.

Uma das missões históricas foi a de Canudos (1896-1897), que teve como missionários o Frei João Evangelista Monte Marciano e Frei Caetano de San Leo, com o objetivo de evitar a violência das armas e tentar a conversão de Antônio Conselheiro e seu bando, através da Santa Missão.

Os missionários capuchinhos no sertão pregavam a fazendeiros, lavradores, pequenos comerciantes e trabalhadores dos engenhos. As missões tinham boa aceitação entre esse público como um grande evento espiritual em um lugar onde nada de novo acontecia. O entusiasmo dos fiéis com a chegada dos “freis barbadinhos”, como eram chamados, demonstrava que os fiéis do sertão baiano tinham um comportamento mais religioso do que aqueles que moravam nas cidades do litoral.

As diferenças se tornam maiores quando confrontamos a religiosidade dos sertanejos com a maneira de encarar a religião dos habitantes de Salvador. A capital baiana, entre o final do século XIX e início do século XX, vivia um período de transformações sociais muito significativas, que se refletiam também na forma de conceber os preceitos religiosos ditados pela Igreja. A elite de Salvador estava em contato permanente com as inovações da cultura moderna europeia. Os deleites da vida mundana entusiasmavam os baianos. Era costume entre as classes mais abastadas frequentar teatros, onde assistiam as companhias francesas que estavam em cartaz pela cidade. A literatura e o desenvolvimento científico explicavam de modos diferentes os fenômenos sociais, fazendo com que muitos não aceitassem a religião como o único meio pelo qual seria possível atingir o conhecimento.

Para reformar o modo de praticar a religião, o episcopado nacional esteve empenhado em aplicar a risca as determinações das normas tridentinas, ansiando livrar a religião católica de quaisquer atos supersticiosos e fora dos dogmas que fossem capazes de alimentar as críticas ferrenhas de seus adversários de tendência liberal. Nesta campanha reformadora, os frades capuchinhos colaboraram de modo efetivo com o Arcebispado da Bahia por meio de sua intensa atividade missionária. Falamos da atuação de missionários protestantes na capital, mas a presença de missionários batistas já era uma realidade também no sertão baiano. A expansão do protestantismo seria um entrave aos anseios católicos de mobilizar toda a população brasileira para pedir o restabelecimento da fé no Brasil.

Para coordenar o trabalho apostólico e administrativo da Ordem Capuchinha como Superior do Hospício da Piedade, alguns meses antes da Proclamação da República, coube ao Frei Venâncio Maria de Ferrara a Prefeitura Apostólica, que foi marcada pelo início da autonomia na ação missionária e pela colaboração com o Arcebispado da Bahia no processo de Reforma Católica. Nas primeiras décadas republicanas, estando Dom Jerônimo Thomé da Silva à frente do Arcebispado, os capuchinhos receberam a autorização do mesmo para administrar os sacramentos a todos os fiéis inscritos em toda a arquidiocese. A atitude da Arquidiocese, ao incentivar a atividade missionária dos frades, estava relacionada à necessidade da Igreja, em reunir em torno de suas práticas os fiéis e  católicos afastados, para que, na que na luta  com o Estado a sua condição como controladora da população, forçasse o governo a dependência do poder que a religião exercia sobre a maioria dos brasileiros. Assim, foi delegado aos missionários capuchinhos italianos plenos poderes para Dispensas Matrimoniais, para absolver todos aqueles que desejassem o sacramento da confissão, inclusive os maçons, adversários liberais da Igreja, para pregar em todas as igrejas e capelas. E naquelas cidades onde não houvesse o edifício sagrado, os capuchinhos foram autorizados a improvisar altares portáteis; podiam ainda, convocar sacerdotes da arquidiocese para que também recebessem confissões onde se fizessem necessários mais servidores para a messe. Em todos os recantos do Brasil, encontram-se recordações e relíquias de suas passagens, histórias milagrosas e cruzes sepulcrais daqueles que morreram pelo dever religioso. Para substituir as escolas jesuíticas fechadas pela Reforma Pombalina, o governo foi recrutando, como podia, frades e monges de diversas ordens religiosas, entre elas os franciscanos, carmelitas, beneditinos e capuchinhos. Identificando, pois a presença destes em algumas cidades sergipanas e avaliar a atuação dos religiosos, as condições sociais das comunidades aos quais os acolheram e o motivo da sua vinda. As missões não pararam por aí, existem vestígios das pegadas capuchinhas em 1841 na cidade de São Cristóvão, onde houve a construção de um hospício e de uma capela.

Em 1844, o Governador da Província autorizava a construção do seu hospício, nome dado ao convento naquela época. A sua construção foi confiada ao Frei Cândido de Taggia, que ao mesmo tempo da construção passou a residir em São Cristóvão, também junto com o hospício foi erguida uma capela que foi intitulada como templo principal do Senhor das Misericórdias ou São Gonçalo sob a subordinação administrativa de um Vice-Prefeito Apostólico, que estaria subordinado ao Prefeito Apostólico da Bahia.

Outro fator importante é o aspecto singular de terem sido os capuchinhos os pioneiros das chamadas “missões ambulantes”. Este fato permitia que os religiosos, ensinassem a doutrina e dessem assistência espiritual a todo o povo. Outro ponto que deve ser destacado encontra-se nas missões capuchinhas no desenvolvimento da história dos municípios de Sergipe, já que cooperaram no processo de catequização dos indígenas no desenvolvimento e fundação de cidades como Frei Paulo de Casanova.

As obras sociais desenvolvidas pelos capuchinhos fazem parte do empenho da Igreja em mostrar ao Estado e a sociedade civil que sua atuação, através das atividades de assistência social dada pelas ordens, pode ir além do âmbito religioso. No dia 02 de julho 1983, depois de uma longa caminhada, foi elevada à Província Nossa Senhora da Piedade de Bahia e Sergipe, independente da Província das Marcas, sob a tutela do 1º Ministro Provincial, Frei Urbano Grigório de Souza.

A Província Nossa Senhora da Piedade de Bahia e Sergipe cresceu não apenas geograficamente, mas, sobretudo na capacidade de tecer novas relações de fraternidade.

Sob a salvaguarda da Província temos um rico patrimônio religioso, entre eles encontram-se as Igrejas, Conventos, Instituições Educativas, Centros de promoção à vida e comunicação: paróquias, rádios, escolas, conjuntos arquitetônicos reconhecidos e valorizados como relíquias históricas, artísticas e principalmente, como patrimônios vivos e sagrados da Bahia e Sergipe. Trabalhamos muito tempo com missões populares, juntamente com equipes de comunidades eclesiais de base, sacerdotes diocesanos, religiosas, religiosos, colaboramos com a pastoral da saúde, apoiando crianças e adolescentes, ministramos sacramentos a hospitais, e benzendo através de visitas a casas de famílias, dando-lhes consolo, quando necessitados. Trabalhamos na criação de fraternidades franciscanas: Ordem Franciscana Secular – OFS e Juventude Franciscana – JUFRA, dando-lhes assistência espiritual e acompanhamentos a eventos por eles ou elas organizados. Possuíamos diversas escolas filantrópicas e particulares; escola agrícola e escola gráfica; creches, leprosários. Essa estatística foi produzida a partir de 1983 a 2023.  

Entre os anos de 1999 a 2000 foi realizado o Acordo de Supressão da Vice Província de Caravelas, oriunda da Província de Nápoles, e da união a Província da Bahia e Sergipe, união esta, amigável e acertada.

Traçamos um esboço da caminhada de Caravelas – Bahia, que segundo historiadores, no início foi da estaca zero, com muito sacrifício e falta de tudo. A história começou com o projeto de se criar no Extremo Sul da Bahia, entre Minas Gerais, Espírito Santo e o mar, uma Circunscrição Eclesiástica, que poderia se tornar uma Prelazia ou Diocese.

Passou-se a respirar com mais tranquilidade... no Extremo sul baiano havia uma Diocese e uma Missão. Eram duas entidades sem a incumbência de se prepararem e se aglutinarem, no caso de prelazia. As Casas Religiosas passaram a formar um "campus avançado" das Casas e Fraternidades da Província- Mãe de Nápoles: “os frades de lá eram frades  dos de cá”, procurando juntos se entenderem como num dialeto de infância e assumindo novas expressões para compor uma missão,  a fim crescer e enriquecer-se no serviço e comunhão da Igreja local.

Grande mudança operava quando Frei Calixto percebeu o avião "do bispo", partir e deixando-o sozinho. Desde que Frei Lindolfo e Frei Sabatino se sentiam numa Fraternidade em embrião, separados entre si pelas viagens de um lado e outro, e seccionados da Província pelo Atlântico. Mais frades haviam chegado para o grupo criar personalidade como uma Missão definida. Contudo, é supressa a Vice Província de Caravelas. Agora é Província Nossa Senhora da Piedade da Bahia e Sergipe, que cresce com suas fraternidades e também, com seus bens materiais e espirituais.

Mantendo a tradição de frades que sempre tiveram grande proximidade com o povo, as portas dos Convento e Paróquias estão sempre abertas para a caridade concreta e prontidão em servir todo e qualquer irmão necessitado. O legado cultural também está acessível mediante um compromisso social de valorização da cultura e da identidade, colocando a comunidade em contato com a sua história e sua tradição de frades menores capuchinhos, com seus 40 anos de elevação à Província.

Seremos gratos aos frades arquejamos e napolitanos por terem gerado e nos ter dado forças e coragem para assumirmos como baianos e sergipanos a Província Nossa Senhora da Piedade.

Autor:
Frei Ulisses Pinto Bandeira Sobrinho, OFMCap
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