1º de maio: diálogo da JPIC dos Capuchinhos com a Pastoral Operária Nacional

1º de maio: diálogo da JPIC dos Capuchinhos com a Pastoral Operária Nacional

Luta pelo direito ao trabalho e por vida digna: Diálogo da JPIC dos Capuchinhos com a Pastoral Operária Nacional

 

Frei Marcelo Toyansk, da Comissão Justiça, Paz e Integridade da Criação dos Frades Capuchinhos, dialoga com Jardel Lopes, da Pastoral Operária nacional.

 

Jardel introduz sobre o Dia dos Trabalhadores e das Trabalhadoras como data de luta. O trabalho é uma parte mística para nós cristãos. O próprio Deus “trabalhou” para construir esse universo e Jesus vem em uma família trabalhadora, experimenta o trabalho na oficina com seu pai e também na vida comunitária onde viveu, com todas as consequências que uma família pobre vive, com perseguição, exploração, muitas vezes tendo de migrar e viver desempregado...

É Dia de luta, porque tem sua raiz histórica na luta por direitos, enfatiza ele. E dizemos que o trabalho gera vida, pois toda a atividade em prol da vida é trabalho para nós. Momento importante de encorajar a luta para transformar a sociedade no Reino sobre o qual nós sempre falamos.

 

Frei Marcelo: Como capuchinhos convidamos a falar um pouco da realidade atual, em nosso país, que passa por um momento muito crítico nos últimos anos, um país marcado pela escravidão e depois pela ditadura, e vem tendo as políticas públicas desmontadas...

 

Jardel: No Brasil temos conquistas e retrocessos no mundo do trabalho. Muitas vezes por movimentos corroborados pela Igreja e abraçados pelas políticas públicas, que transformaram em um conjunto de leis trabalhistas, nossa CLT, um modo de colocar limites ao “capital”, na sua exploração. Em um momento foi “obedecido”. Mas o “capital” é muito traiçoeiro e se apropriou da política – que pode regularizá-lo – e transformou as leis trabalhistas novamente em processo de degradação, para explorar os trabalhadores. Nesses últimos dez anos, vivemos, no Brasil, um desmonte de leis trabalhistas, de direitos e de condições básicas de trabalho. Em 2021, tivemos 30% de aumento de acidentes de trabalho em relação a 2020, isso somente referente aos que estão com carteira assinada: além de voltarem para casa, voltaram mortos! Também há um aumento absurdo de pessoas em condições de trabalho escravo! Condições antigas que a fragilização da legislação permitiu retornarem, como através do fim do Ministério do Trabalho no atual governo.

Hoje com 13 milhões de desempregados, no entanto, temos 4 a cada 10 pessoas procurando emprego no Brasil. Os dados do IBGE contam, todavia, “empregado” os que estão também fazendo um “bico” temporário. Das pessoas em idade de trabalho, no trabalho informal estão cerca de 40%, e 6% estão desalentados – os que não procuram mais trabalho – além dos subutilizados nos trabalhos, o que, ao todo, eleva a 60% da classe trabalhadora ou em idade ativa em condições desprotegidas e vulneráveis. Os dados assustam, mas por trás desses dados são pessoas, são famílias. E essas condições fragilizam as pessoas, que muitas vezes estão isoladas, sozinhas – um desafio de nosso tempo, não conseguimos ajuntar e organizar essas pessoas para enfrentarem esses problemas – ao que aceitam qualquer condição de trabalho para sustento de sua família. São nessas condições que a gente vê ampliar as condições análogas à escravidão, os números de acidentes de trabalhos, as jornadas exaustivas com salários reduzidos, com as pessoas se “matando” em dois, três trabalhos para o sustento. Paralelo a isso, temos o preço dos alimentos, da gasolina... subindo absurdamente, com mais da metade dos brasileiros sobrevivendo com alguma insegurança alimentar (sem acesso aos alimentos básicos), além de milhões passando literalmente fome!

O impacto dessa ausência de trabalho, de qualidade de trabalho e de remuneração digna traz uma má qualidade de vida, com doenças, aumento da criminalidade... e a degradação da vida de um modo geral.  Por outro lado, temos o aumento do número de bilionários no Brasil.

 

Frei Marcelo: A população em idade de trabalho são cerca de 150 milhões, então 60% dessa população em trabalhos com condições desprotegidas, ou seja, por volta de 100 milhões, metade da população...

 

Jardel: Completa que também o “jovem aprendiz” também não acontece, por falta de interesses do mercado... Em 2020, por exemplo, mais de 65% dessa população desempregada ou em trabalhos precarizados sobreviveu com o auxílio emergencial... Temos nessa realidade, pois, três grandes grupos de pessoas. O das mulheres, a maioria dos desempregados, e as menos remuneradas; os afrodescendentes, para os quais o desemprego é muito maior (entre os desempregados, 70% são afrodescendentes), com uma agressão maior do desemprego em algumas regiões do país, como no Nordeste; e o terceiro grupo dos mais afetados são os jovens, com 40% de desemprego, além da evasão escolar, muitos não voltando à escola, à faculdade... esse drama chega a ser muito grande aos jovens, afetados de diversas formas... com um enorme impacto na construção do projeto de vida deles, além de que não encontrarão apoio previdenciário...

Por outro lado, encontramos o discurso do empreendedorismo, com um grupinho de jovens conseguindo ganhar bem, mas a maioria não tendo condições básicas de trabalho, de sustento, de estudo... esse drama impacta muito a juventude, um tempo de sonhos, da construção de perspectivas.

Aliás, temos empresas no Brasil que pagam multas ao invés de inserir um jovem no processo de aprendizagem profissional, conforme a lei requer.

 

Frei Marcelo: Tomar consciência da realidade é fundamental, em tempo de tantas fake news e distorções da realidade. Diante de um cenário tão difícil, quais caminhos podemos ter no horizonte... sabendo que muita gente luta por melhoria e transformação dessa realidade.

 

Jardel: Primeiro, necessitamos retomar a valorização do trabalho e dos trabalhadores, enquanto Igreja. Tivemos diversos documentos sociais quanto ao trabalho e diversas posições da Igreja que muito contribuíram para a construção de políticas públicas em relação ao trabalho. Precisamos retomar essa reflexão, que em outros tempos “entraram em cheio” no caminhar da Igreja. Tivemos Campanhas da Fraternidade sobre o “trabalho” e três Semanas Sociais Brasileiras quanto ao “trabalho”, agora retomamos na 6ª Semana Social Brasileira (2020-23), com os 3 T: “Terra, Teto, Trabalho para todos”. É necessária essa retomada, uma vez que toda a atividade em prol da vida é trabalho, mas se as pessoas não têm trabalho, consequentemente a vida está fragilizada e os dados estão nos mostrando isso (fome, acidentes, escravidão...), precisamos retomar esta reflexão, que gera ação. Retomar também em nossas comunidades atividades que geram fontes de renda para as pessoas. Como a economia popular solidária, a Economia de Francisco e Clara... abrindo nossas comunidades a essas iniciativas, que vão na contramão do sistema.

A questão estrutural do trabalho passa igualmente pela política. Foram políticos que desmontaram a legislação trabalhista. A defesa do trabalho vai passar necessariamente pelas eleições. Escolher pessoas que discutam saídas para a falta de trabalho. Nem o atual governo, nem o Congresso tem feito praticamente nada. A primeira coisa que o atual governo fez foi desmontar o Ministério do Trabalho.

E um terceiro caminho é a organização dos trabalhadores. Isolados são mais suscetíveis a serem explorados. Importante estarem organizados, seja nos sindicatos, seja nas ações de massa de rua.

 

Frei Marcelo: Papa Bento XVI já dizia que “comprar é um ato moral”, temos muita riqueza e recursos, mas concentrada em grandes empresas, então podemos comprar dos pequenos produtores e vendedores, valorizando e circulando os recursos nas comunidades... além disso, é uma questão estrutural, e a Igreja ajudou muito a fortalecer as organizações e os movimentos sociais, assim temos esta tarefa hoje também.

Esse diálogo nos ajuda muito como frades capuchinhos e a todos conosco conectados a construirmos um mundo mais justo e fraterno!

 

Veja a gravação completa da entrevista em:

https://www.youtube.com/watch?v=W_GBHrOCMDo

Autor:
Frei Marcelo Toyansk, OFMCap
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