Capuchinhos tinham papel fundamental em tempos de epidemia

Capuchinhos tinham papel fundamental em tempos de epidemia

O texto é de Danilo Brás, colaborador dos frades capuchinhos em Santos - SP:

O ano de 2020 está marcado para sempre na história da humanidade pela pandemia do Covid 19, e não é para menos, afinal eventos com escalas globais, como esse, são poucos, mas não são inéditos. Então, através da história, podemos tirar os melhores exemplos e lições.

O aprendizado que podemos tirar da pandemia de gripe Espanhola, do ano 1918, são os melhores paralelos que poderíamos fazer para entender a pandemia de 2020, mas outros surtos de doenças são tão dramáticos e didáticos como esses.

Desde que eu comecei a trabalhar com os frades no Embaré, tomei apreço por estudar a história da Província, aprender sobre seus feitos, e a identificar seu jeito de fazer as coisas, buscava nisso uma correlação entre o modo de vida e a arte, a estética de suas casas e peças, assim me auxiliando, da melhor maneira, a executar os serviços sob minha responsabilidade, e, dessa forma, se tornou rotineiro eu ler os textos e periódicos antigos da província, estabelecendo essas conexões.

Nesses estudos, um exemplar se tornou emblemático, os Annaes Franciscanos, de dezembro de 1939, que foi uma edição comemorativa do 50 anos da Missão dos Capuchinhos trentinos; todo exemplar é muito rico em informações, mas uma sempre se destacou para mim: a página 50 traz a reprodução de um quadro pintado pelo “Servi”, sobre a epidemia de febre amarela, em Sorocaba, no ano de 1899, retratando D. Antônio de Alvarenga, Bispo de São Paulo, Mons. José Soares, vigário de Sorocaba, e Frei Daniel de Santa Maria OFMCap., todos dando assistência às vítimas da epidemia.

Por anos procurei por essa pintura, ela é um documento muito fiel ao melhor espírito de entrega aos pobres e doentes, que representa o franciscanismo puro, e  não saber o paradeiro desta obra que retrata esse santo trabalho, imortalizado em pinceladas magistrais, me angustiou por anos, e só a precária reprodução de 1939 não me satisfazia. Preenchia essa ausência com as informações, dos acontecimentos e dos envolvidos, e isso, para mim, só fortaleceu a grandeza dos protagonistas.

No ano de 1897, a cidade de Sorocaba vivia uma eflorescência de seu crescimento, econômico e demográfico, com uma população aproximada de 17 mil almas, contudo, no final do século XIX, dois surtos violentos de febre amarela atingiram a região, sendo o segundo no natal de 1899, terminado em junho de 1900, matando 5% da população; um quadro terrível e inimaginável, onde a providência divina viu o terreno fértil para fortalecer os corações mais doces.

Neste funesto contexto temos a luz do Monsenhor José Soares do Amaral (1844-1900), um homem a altura de sua “fama”, e que os corações sorocabanos não deixaram esquecer; lembrado pela sua paixão, coragem e trabalho, era visto, nos momentos mais difíceis, carregando, diariamente, ao final da tarde, os corpos de vítimas, em uma carroça, tocando uma sineta fúnebre pelas ruas da cidade, e nunca negando auxílio aos mais necessitados. Deu tudo que possuía, e abraçou a morte, vitimado, em fevereiro de 1900, pela doença que ajudou a combater por muitos anos.

Quadro que inspirou este artigo - reprodução do Museu de Arte Sacra de SP


Nesse contexto, a figura de Frei Daniel de Santa Maria de Gardena (1861-1940) se sobressaiu, tal o espírito de entrega que também lhe impulsionava. Desde 1892, nosso gentil frade exercia seu apostolado em terras brasileiras, e fez da assistência aos doentes do interior de São Paulo sua obrigação; marcou presença na cidade de Descalvado, assolada por essa terrível doença, contudo andava com seu cavalo, percorrendo onde a febre amarela estivesse, e oferecia conforto, ministrando os sacramentos, nos momentos finais dos doentes.

Frei Daniel era o superior do Largo São Francisco, no ano de 1900, e foi a Sorocaba, acompanhando o Bispo de São Paulo Dom Antônio Cândido de Alvarenga (1836-1903), onde praticou o que sempre fez em vida, seu ministério de amor ao próximo; mas não era o único frade da Missão nessa frente fraterna, Frei Silvério de Rábbi (1847-1918) atendia Rio Claro, e outros frades marcaram presença em outras cidades atacadas por pela mortal febre amarela.

A cidade de Sorocaba, graças às forças somadas de muitos heróis, a maioria anônimos, e pela força de sua população, conseguiu vencer a batalha, se tornando a primeira cidade a erradicar a doença na América Latina, em 1900; uma vacina contra o vírus só viria a surgir em 1913.

Essa façanha empreendida pelos estimados frades e sacerdotes não poderia passar despercebida, embora seja de se imaginar que os pequeninos frades não procuravam os holofotes do reconhecimento. Seus atos, de absoluta entrega, são dignos de nota, tanto que, de algum modo, uma tela foi encomendada, em 1903, ao pintor, retratista e paisagista Carlo de Servi (1871-1947), um grande artista nascido em Lucca, Itália, de uma sólida formação acadêmica, e dono de um estilo magistral. Possuía em seu currículo uma série de obras sacras, em igrejas paulistas, e essa proximidade o levou a ser o retratista desse triste, mas heróico momento.

Servi produziu uma obra magistral, que em muito capta a essência dos acontecimentos vividos, e, recentemente, as maravilhas da internet trouxeram à luz essa obra que a tanto eu procurava, em uma exposição virtual de peças do museu de arte Sacra de São Paulo, eu, que “garimpava”, acabei encontrando tão perto e de forma tão corriqueira, esse registro histórico.

Paz e Bem!

Autor:
Paulo Henrique da Silva, Assessoria de Comunicação dos Frades Capuchinhos em SP
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