A representatividade da estigmatização de São Francisco de Assis

A representatividade da estigmatização de São Francisco de Assis

Mencionar o fato histórico da impressão dos estigmas em São Francisco de Assis, nos provoca uma reflexão íntima e profunda sobre a experiência que se oculta nesse acontecimento. Na Legenda Maior de São Boaventura, capitulo XIII, n° 05, expressa: “Francisco, o homem angélico desceu do monte, trazendo consigo à imagem do crucificado, não escupida em tábuas de pedra ou de madeira pela mão de um artífice, mas desenhada nos membros do corpo pelo dedo de Deus vivo”.

O historiador São Boaventura, relata os estigmas em veracidade estrutural que a experiência de Francisco é uma resposta do amor sagrado ao amor humano por intermédio de Cristo-serafim que transfigurou o amigo de Cristo à própria imagem daquele que ele amava. Como grande desejo de sentir os sofrimentos de Jesus, esse Cristo que é Justiça, exprime na carne do estigmatizado a relação esponsal-mística entre a pessoa humana e Deus, prova de que Deus ama a cima de tudo sua criação.

Em Gálatas 6: 17, observamos esta marca dos estigmas em nossa vida quando a comunidade escreve: “trago no meu corpo as marcas do Senhor Jesus”, somos a mais bela e pura elevação de um amor que Francisco expressa em sua vida, transformado pela doce compaixão de Cristo que morreu por nossos pecados. No entanto, todos nós, podemos e devemos aprender a experimentar e amar o fardo da Cruz em nosso dia a dia, sendo o sinal estigmatizado do próprio Salvador.

Na admoestação 19, percebemos a elevação da nossa existência: “E bem aventurado o servo que não é colocado no alto por sua própria vontade e que sempre deseja estar sob os pés dos outros”. Com isso, o Papa Francisco nos convida a focar nosso olhar para o ressuscitado, o Cristo que suportou as chagas do egoísmo. Que possamos compreender o verdadeiro sentido das chagas da humanidade que vive diante do individualismo. Assim, o mundo vê, sente e percebe que o Cristo caminha conosco, sofre conosco e luta perante os desafios da atualidade.

As marcas dos estigmas não são somente um encontro místico, mas a impressão do amor misericordioso de Deus por nós. A experiência dos estigmas de Francisco, demonstra uma íntima união de amor com o mistério divino, transmitindo dessa forma a presença atuante do Cristo Pobre e Crucificado em nossas vidas.

A busca de entender sua existência configurasse na personalidade do pobrezinho de Assis uma construção intrigante, pautada na fundamentação de viver o Santo Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo, assim Francisco torna-se um divisor de águas na historicidade humana. Nesse reconhecimento, compreendemos a pessoa que se saciou do Sagrado para se tornar mais humano, e acreditando no humano, tornar-se mais divino, como aponta o capitulo XII, n° 175, das nossas constituições: “São Francisco, no seu tempo, por divina inspiração, renovou o espírito missionário com o exemplo de sua vida”.

As Fontes Franciscanas narram e meditam a figura de Francisco como uma representação terrestre do Salvador por receber as Santas Chagas em 1224 no encontro íntimo e pessoal no Monte Alverne. Esse símbolo estigmatizado mostrou aos cristãos desvirtuados da sua época, principalmente o pensamento eclesiológico, que ambos estavam em crise com divergências dentro e fora da Igreja Católica. É nessa perspectiva que percebemos o quanto Francisco foi inspirado por Deus para a restauração da Igreja e da humanidade.

Ser franciscano hoje significa abraçar à marca do compromisso de ser instrumento da paz de Deus no mundo e que pode traduzir-se em múltiplas formas de caridade ativa. É nesse encontro de esperança entre o humano e o Sagrado que percebesse atualmente às lutas dos direitos humanos; o respeito pelas culturas; o sinal de esperança no combate a covid-19, e principalmente ir contra as atitudes moralistas que vivenciamos na Igreja e no mundo.

Essa atitude que Francisco escolheu para sua vida de seguir os passos do Mestre, não somente perpassou durante a sua existência nesse mundo, mas também, na pós-morte. Os milagres foram grandes sinais de esperança dessa relação recíproca do amor de Deus na vida humana através do desejo que Francisco carregou no seu coração de sentir a perene memória da paixão de Jesus, como nos descreve a Legenda dos Três Companheiros:

A irrefragável verdade destes estigmas não só apareceu com extrema clareza na sua vida e morte, porque foram vistos e tocados, mas também, depois de sua morte, o Senhor revelou mais claramente a mesma verdade através de muitos milagres que se tornaram conhecidos em diversas partes do mundo. Por estes milagres, os corações de muitos que haviam tido sentimentos retos sobre o homem de Deus e haviam duvidado de seus estigmas foram mudados para tão grande certeza que os que antes haviam sido detratores, por obra da graça de Deus e por força da própria verdade, sobressaíam como os que mais fielmente o louvavam e proclamavam (LTC, 70.4, - 2014).

Francisco transmite a grandeza de Cristo no mundo de maneira provocadora no sentindo de que, mesmo diante dos seus sofrimentos antes da morte, Deus se fez presente na sua vida, assim como Deus se faz presente nos sofrimentos da humanidade, Como nos esclarece Tomás, “os estigmas dele contraiu gravíssima enfermidade dos olhos, da maneira como Deus quis multiplicar nele a sua misericórdia” (1Cel, 2014, p. 265).

São Francisco foi e sempre será um carimbo de Deus ao receber os santos estigmas do próprio Cristo Pobre e Crucificado, tornando-se assim, o primeiro estigmatizado na história do cristianismo oficialmente reconhecido pela Igreja. Deus no seu amor irredutível mostra para o mundo inteiro, através de São Francisco de Assis a sua exuberância no privilégio das santas Chagas reafirmando que no mistério da cruz, somos libertados da escravidão do pecado e chamados a uma vida em santidade, como Francisco viveu. Esclarece Tomás de Celano:

Por singular privilégio, jamais concedido nos séculos anteriores, apareceu assinalado, ou ornado, com os sagrados estigmas, configurado em seu corpo mortal ao corpo do Crucificado. Tudo o que a humana língua possa dele falar sempre estará aquém do louvor de que é digno. Inútil procurar razão, porque é maravilhoso, nem se trata de buscar um exemplo, pois é único. Todo o empenho do homem de Deus, quer em público quer em particular, dirigia-se para a cruz do Senhor. Desde o primeiro instante que começara a servir sob o Crucificado, diversos mistérios da cruz resplandeceram em torno dele (3Cel, 2).

A estigmatização de São Francisco é o ápice da graça de Deus em sua vida na personificação à Cristo. É nessa visão transcendental que o santo em sua condição humana concretiza sua chegada a morada eterna, Francisco é a imagem, hoje admirada do Cristo crucificado. “Isto faz de Francisco cópia de Cristo, tornando-se alter Christus” (ESTEF, 2004, p. 19). Afirma alguns historiadores.

Em virtude do que foi mencionado, percebemos que Francisco é verdadeiramente um ícone vivo de Cristo. Ele também foi chamado de "irmão de Jesus". Na verdade, esse era o seu ideal: ser como Jesus, contemplar o Cristo do Evangelho; amá-lo intensamente; imitar suas virtudes. Que possamos diante dos desafios, imprimir os estigmas do Senhor em nossas vidas, buscar sempre ser o sinal misericordioso do Pai na revelação da Cruz, como elucida Frei Luiz Sampaio na sua obra Horizontes Franciscanos, p. 43 “a caminhada franciscana, enquanto serviço, deve ser pautada pelo Evangelho nas dimensões concretas da vida. Deve haver uma estreita relação entre as realidades da palavra e do cotidiano”.

O espírito franciscano ressoa incondicionalmente em todo mundo e visto como um grande exemplo de santidade que soube contemplar os mistérios de Deus em sua caminhada,” Francisco não concluiu suas andanças pelo mundo, continua rondando a terra e pode até estar abrigado em alguma gruta de nosso coração” (PILONETTO, p. 15). Temos uma grande graça que o pobre de Assis nos deixou, não podemos buscar fora o que temos dentro da vivência franciscana, somos a continuação do sinal de Cristo-estigmatizado, seguindo os passos de Francisco na simplicidade e minoridade.

Tenhamos muito cuidado com o individualismo que impulsiona o homem a não ter o pensamento e o coração voltados para o Cristo. As forças do mal estão por aí procurando apoderar-se do coração do homem e, sob o pretexto de alguma recompensa ou ajuda, afogar em sua memória a palavra e os preceitos do Senhor, e tenta cegar o coração do homem por meio de atividades mundanas e preocupações. A ratio formationes na pág, 43, nos alerta dizendo:

Somente com amor podemos tratar os desentendimentos e as feridas do mundo, favorecendo uma cultura do encontro, que rompa a lógica da posse e do domínio e nos forme na lógica da gratuidade. Trata-se de passar do direito a ser ao dom de ser, superando assim a contradição amigo/inimigo, incompatível com a espiritualidade franciscana que reconhece no outro um irmão, jamais uma ameaça.

Sejamos esse sinal de amor no mundo, pois escolhemos abraçar esse carisma que hoje se encontra tão vivo como antes, imprimindo todos os dias os estigmas da irredutibilidade que é certamente o amor que não se pode reduzir ou dividir, ser um sinal recíproco da graça de Deus no mundo, principalmente em nossas fraternidades.

Autor:
Frei Carlos André Ribeiro da Costa, OFMCap
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