Encontro Nacional Contra a Fome: Capuchinhos também provocados pela realidade da miséria e da fome

Encontro Nacional Contra a Fome: Capuchinhos também provocados pela realidade da miséria e da fome

O Evangelho nos conclama, diversas vezes, para a superação da fome e da miséria: “Quem tiver alimentos, reparta com quem não tem” (Lc 3,11), “tive fome e me destes de comer” (Mt 25,35) e “dai-lhes vós mesmos de comer” (Mc 6,37), dentre muitas outras. Na sociedade, temos frases alertando no mesmo sentido, como “quem tem fome tem pressa” (Betinho) e a “única guerra legítima é aquela contra a fome” (Dom Hélder). Esses alertas têm ressoado cada vez mais forte nos últimos tempos em nosso país, que, escandalosamente, volta ao “mapa da fome”, após ter saído em 2014, e volta hoje com patamares de famintos de 30 anos atrás. O que está acontecendo?

No país da abundância, temos a abundância da fome! No Brasil, “tudo que planta dá”... como podemos ter 33 milhões de pessoas passando fome atualmente, conforme a última pesquisa da Rede Penssan... Diante dessa grande aflição, diversas organizações se reuniram, na cidade do Rio de Janeiro, nos dias 20 a 23 de junho, em vista de aprofundar este terrível diagnóstico e buscar soluções conjuntas neste cenário. Muito importante ressaltar que essa realidade não é decorrente meramente da pandemia. Antes da pandemia, a miséria e o desemprego se alastravam pelo país. Antes é decorrente também de uma péssima condução do país durante a pandemia, bem como nos últimos anos, com o desmonte deliberado das políticas sociais e de combate à fome e a miséria. Já no primeiro dia de 2019, por exemplo, se extinguia o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e o valor destinado atualmente ao Programa Nacional de Alimentação Escolar é o mesmo de dez anos atrás.

Importante salientar que o país saiu, em 2014, do “mapa da fome” (ao ter menos de 5% da sua população passando fome) por desenvolver uma série de programas sociais articulados, e não somente por um único programa de transferência de renda. Dentre as principais políticas que ocasionaram esta superação, mundialmente reconhecida, está a de geração de empregos no país nos anos anteriores de 2014, elevando a renda e o valor de compra do salário mínimo. Assim, quanto menor a renda, maior é a insegurança alimentar e também hídrica (de acesso à água potável).

É importante destacar também que, no Brasil, nos últimos anos, temos carecido de dados oficiais e, frequentemente, são apagados os dados para serem referência às políticas públicas. É evidente que a fome, em uma país com tantos recursos, é um projeto político, que mantém grande parcela da população ocupada somente em sobreviver e tendo de se sujeitar a baixos salários, com menos forças para lutar pela justiça social, bem como organizando o país somente em vista do latifúndio e da produção extrativista.

Por isso, a grande relevância deste inquérito da Rede Penssan, publicizado em meados de 2022: Hoje, 33 milhões de brasileiros passam fome e mais da metade dos brasileiros passam por alguma grau de insegurança alimentar! São 14 milhões de famintos a mais que em um ano antes! E atenção que esse levantamento foi realizado no final de 2021 e início de 2022, de modo que ao longo dos meses de 2022 a situação só vem se agravando, com aumento drástico dos preços dos alimentos básicos.

Sabemos, pois, que a fome marca a longo prazo a vida das famílias, e uma criança sem alimentação adequada vai sofrer um déficit no desenvolvimento por toda a vida. Também é muito importante dizer que a última coisa que uma família corta é a alimentação. Se somos mais de 33 milhões passando fome, muitas outras necessidades dessas inúmeras famílias já foram eliminadas, como remédios, gastos com educação, vestuário, lazer... reforçando outra frase atual: “se paga aluguel, não come, e se come, não paga aluguel”, assim, vem junto o crescimento avassalador de famílias cada vez mais vivendo precariamente, em favelas e nas ruas do país.

Importante dizer também:

A fome tem gênero: 6 de cada 10 lares comandados por mulheres convivem com a insegurança alimentar!

A fome tem cor: 65% dos lares comandados por pessoas negras e pardas convivem com a fome!

A fome tem CEP: Norte e Nordeste são as regiões mais afetadas pela insegurança alimentar! 25% das famílias do Norte convivem com a fome e 20% das famílias do Nordeste também! Embora, na região sudeste, por exemplo, cresceu muito também as famílias que passam fome.

A fome dobrou nas famílias com crianças menores de 10 anos!

A fome está no campo também: 60% dos lares nas áreas rurais convivem com a insegurança alimentar!

A superação da fome passa pela solidariedade e por políticas públicas articuladas, mas também por um processo educativo. Por exemplo, um terço dos alimentos produzidos são desperdiçados, grande parte perdida nas estradas, e muito também estragando em meio aos consumidores. 

Assim, o nosso enfrentamento da fome precisa ser emergencial e também estrutural: “Quem tem fome, tem pressa” e no país da abundância é inadmissível manter milhões de pessoas cativas na fome e sede, em vista de um projeto político de morte, que enriquece a alguns bilionários e leva a miséria cada vez mais pessoas!

 

Leia a Carta Final do Encontro Nacional contra a Fome:

https://drive.google.com/file/d/1CX9Rii5lfEWgqezcf1nWN9b1zxLQRgS2/view

 

Frei Marcelo Toyansk, animador nacional da Comissão Justiça, Paz e Integridade da Criação dos Frades Capuchinhos, participou do Encontro Nacional contra a Fome, no Rio de Janeiro, de 20 a 23 de junho de 2022.

Autor:
Frei Marcelo Toyansk, OFMCap
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