O cuidado emocional como pilar da vida de Francisco de Assis

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Fr. Kater Vinicius dos Santos

RESUMO

Francisco de Assis em diversos momentos demonstrou um equilíbrio afetivo. Sua vida não foi isenta de conflitos humanos e sofrimentos físicos, mas estes não bloquearam sua capacidade de amar e ser amado. O cântico do irmão Sol, escrito dentro dos terríveis tormentos físicos e sua quase cegueira, apontam uma liberdade interior de alguém que se deu por inteiro, sem reter nada, não anulando pelos instintos de vingança e raiva a totalidade do amor que podia oferecer. Contudo, Francisco não foi indiferente as emoções negativas, como o ódio, a raiva, o desejo de vingança, a inveja e outros, mas utilizou essas forças destrutivas para fins construtivos. Sem o contato com o mal que havia dentro de si, Francisco não atingiria a sua própria identidade. O salto no abismo das escuridões humanas é facilitado pela força da fé, que direcionou Francisco ao conhecimento de um amor misericordioso. Observando este amor, Francisco travou uma luta titânica para tentar retribuir todas as graças que recebeu das mãos liberais de Deus. Para a fundamentação teórica sobre o funcionamento emocional o artigo utilizará as obras de Damásio, Goleman e Steiner. A base da exposição sobre Francisco de Assis será dada pelas obras de Coreli, Celano e Koser.

Palavras-chave: Amor. Educação emocional. Espiritualidade. Francisco de Assis. Fé.

EL CUIDADO EMOCIONAL COMO PILAR DE LA VIDA DE FRANCISCO DE ASÍS

RESUMEN

Francisco de Assis en diferentes momentos demostró un equilibrio afectivo. Su vida no estuvo exenta de conflictos humanos y sufrimiento físico, pero estos no bloquearon su capacidad de amar y ser amado. La canción del hermano Sol, escrita dentro de los terribles tormentos físicos y su casi ceguera, apunta a una libertad interior de quien se entregó por completo, sin retener nada, sin anular por los instintos de venganza y rabia la totalidad del amor que podía ofrecer. Sin embargo, Francisco no fue indiferente a las emociones negativas, como el odio, la ira, el deseo de venganza, la envidia y otras, pero utilizó estas fuerzas destructivas con fines constructivos. Sin contacto con el mal que estaba dentro de él, Francisco no alcanzaría su propia identidad. El salto al abismo de las tinieblas humanas es facilitado por la fuerza de la fe, que dirigió a Francisco al conocimiento del amor misericordioso. Al observar este amor, Francisco estalló una lucha titánica para tratar de devolver todas las gracias que recibió de las manos liberales de Dios. Para la base teórica sobre el funcionamiento emocional, el artículo utilizará los trabajos de Damásio, Goleman y Steiner. La base de la exposición sobre Francisco de Assis estará dada por las obras de Coreli, Celano y Koser.

Palabras-clave: Amor. Educación emocional. Espiritualidad. Francisco de Asís. Fé

INTRODUÇÃO

A oração franciscana é intitulada como “afetiva”, que pulsa do coração. Antes de se preocupar com a lógica da fala, ou com as normas daquilo que deve ser pedido, ela se liga a disposições emocionais, como a oração de louvor pelo agradecimento, oração de suplica pela tristeza e necessidade. O detalhe é o ato vivencial do momento, isto se torna oração e abre espaço para um diálogo autêntico com Deus. É a vida do orante que é perpassada e acolhida pela presença Divina. Este modo de oração cria uma autêntica intimidade entre Deus e o orante.

As pulsões emocionais têm capacidades de anular as capacidades racionais. Tanto em uma crise de raiva como quando existe um enamoramento, as capacidades de compreensão total do problema são reduzidas. Contudo, também são as emoções que podem motivar ações que vão além dos limites do próprio ego. Neste sentido, a oração franciscana é afetiva, pois afeta o orante, transforma a sua própria vida emocional. Não há uma redução da fé à um aspecto emocional, pelo contrário. É pela fé que o coração centrado em si pode abrir-se a uma caridade apaixonada, saindo de sua prisão e amarras traumáticas. As emoções sustentadas pela fé conseguem direcionar o homem para ações que a própria razão não conseguiriam entender e nem sustentar por si.

A vida de Francisco é permeada de encontros e fatos significativos e transformantes. Há o encontro com o leproso, a vinda dos primeiros irmãos, a companhia de Clara e o pedido de Santo Antônio para o estudo da teologia. Contudo é inegável a presença de Jesus, que gera em Francisco mudanças radicais em seu modo de vida. O testamento de Francisco é um sinal evidente de sua relação com Jesus. Palavras como “o Senhor me conduziu”, ou “o Senhor me disse o que deveria fazer”, são estas provas (FONTES FRANCISCANAS E CLARIANAS, 2004, p. 188). O encontro com o texto bíblico da missão que definiu seu modo de vida e apostolado demostra a participação ativa de Francisco e a sua sensibilidade, que permitia que a própria liturgia transformasse a sua interioridade e exterioridade.

O presente trabalho não buscará analisar fatos e suas dimensões afetivas na vida de Francisco, nem tão pouco se fixará em propor um esquema de oração afetiva. Antes procurará apresentar as relações entre a razão e as emoções, apresentará dados relevantes sobre educação emocional e a partir dessas informações se voltará para Francisco e a sua experiência com a Cruz de São Damião, que na perspectiva de Celano deixou marcas profundas em sua vida.

1 A VIDA EMOCIONAL, ENTRE A RAZÃO E A EMOÇÃO

A vida mental humana é composta por duas dimensões. A origem dessas duas disposições está vinculada ao processo evolutivo. No início, as emoções se apresentavam primeiro, por motivos de sobrevivência e só depois o homem adquiriu a razão. Pensar a natureza humana somente a partir da razão é ter uma visão míope e anacrônica a luz da ciência de hoje. A teoria de uma razão fria, capaz de tomar decisões completamente isentas de emoções é impossível. Mesmo com muitos juízos racionais, quando as pulsões humanas dominam ou apresentam-se, elas tem tanto peso ou até mais que a própria razão na tomada de decisões (GOLEMAN, 1995, p. 18).

As emoções postulam o domínio sobre a razão pelo fato da própria evolução do cérebro. A parte primitiva do cérebro que é comum a todas as espécies que têm mais de um sistema nervoso mínimo, é o tronco cerebral, que se localiza no topo da medula espinhal. Este cérebro raiz regula as funções vitais básicas como a respiração e o metabolismo. Ele contudo, é um regulador e não tem aptidões para aprender ou pensar. Dele surge os centros emocionais que com o passar dos anos, destes centros se desenvolve o cérebro pensante, ou o neocórtex. Ele é a sede do pensamento; contém núcleos que compreendem e reúnem os dados que são percebidas pelos sentidos, e que permite associar sentimentos a ideias. Com o advento dos mamíferos surgem novas camadas cerebrais em torno do tronco cerebral que se denomina sistema límbico. É este sistema que acrescentou emoções propriamente ditas aos dados do cérebro e que também aperfeiçoou duas ferramentas mentais; a aprendizagem e a memória. Goleman (1995, p. 25) ressalta “O fato de o cérebro pensante ter se desenvolvido a partir das emoções muito revela acerca da relação entre razão e sentimentos; existiu um cérebro emocional antes do surgimento do cérebro racional”.

O crescimento do cérebro no embrião humano segue os mesmos passos do processo evolutivo. Em primeiro lugar o cérebro raiz deve preparar a casa e assegurar a sobrevivência do organismo. Em seguida surge os centros emocionais que ligam afetivamente o bebê a sua mãe. A razão propriamente dita continua em formação depois do nascimento. O homem tem suas três dimensões interligadas, aquelas que regulam o corpo deixando vivo, as que preparam o corpo para uma ação imediata e a dimensão que consegue compreender o motivo da ação.

Com efeito, os sentimentos parecem depender de um delicado sistema com múltiplos componentes que é indissociável da regulação biológica; e a razão parece, na verdade, depender de sistemas cerebrais específicos, alguns dos quais processam sentimentos. Assim, pode existir um elo de ligação em termos anatômicos e funcionais, entre razão e sentimentos e entre esses e o corpo (DAMÁSIO, 1996, p. 276).

As emoções têm a capacidade de preparar o corpo para a execução de algum movimento. Elas afetam o cérebro raiz fazendo que ele prepare imediatamente o corpo para a ação, ainda que não considere todos os motivos e que estes não sejam conhecidos pela consciência racional. Segundo Descartes (2012, p. 54) estas pulsões “incitam e dispõem a alma a querer as coisas para as quais elas preparam seu corpo, de modo que o sentimento do medo a incita a fugir [...]”. No entanto, as emoções não são ponderadas, por isso em alguns momentos uma ação derivada de uma pulsão emocional é desproporcional a necessidade real. Fatos como um rato que aparece no meio do corredor e provoca em muitos uma crise de gritos de horror, mostram essa disparidade entre emoções e a razão.

A razão funda-se sobre os centros emocionais, porém, as duas mentes, a racional e a emocional, são semi-independentes e trabalham normalmente em harmonia. A mente emocional alimenta e informa as operações da mente racional, e a mente racional refina e vela a entrada das emoções. Como estas duas dimensões estão em conexão, tanto um juízo pode gerar uma emoção, quanto uma emoção pode gear um modo de pensar. Os sentidos corporais são os primeiros a detectar o mundo e as mudanças que nele ocorrem e logo em seguida são as emoções que tomam a dianteira da razão. Isto se dá, porque o estímulo chega primeiro a mente emocional.

O sistema límbico é composto por duas estruturas que são responsáveis pela aprendizagem e a memória, que são o hipocampo e a amigdala. Há duas amigdalas, uma em cada lado do cérebro, são relativamente grandes nos humanos em comparação a outros primatas. Elas são especialistas em questões emocionais. O hipocampo fornece uma memória de contexto que é vital para o significado emocional; é ele que distingue a diferença entre um incêndio em um filme, e outro na vida real. A compreensão dessa diferença ocorre de modo emocional em primeiro lugar, devido a posição privilegiada das amigdalas em ralação a razão:

[Os] sinais sensoriais do olho ou ouvido viajam no cérebro primeiro para o tálamo, e depois — por uma única sinapse — para a amigdala; um segundo sinal do tálamo é encaminhado para o neocórtex — o cérebro pensante. Essa ramificação permite que a amigdala comece a responder antes que o neocórtex o faça, pois ele elabora a informação em vários níveis dos circuitos cerebrais, antes de percebê-la plenamente e por fim dar início a uma resposta, mais cuidadosamente talhada (GOLEMAN, 1995, p. 31).

A resposta dadas a partir dos dados sensoriais atingem primeiro as amigdalas que começam a preparar o corpo para uma resposta adequada de acordo com a necessidade de sobrevivência. Contudo o neocórtex é mais lento para sugerir uma resposta e quando ele inicia seu processo, ele já se encontra com um corpo tenso e uma consciência conturbada. Todavia a resposta do cérebro racional é mais completa, por ser mais criteriosa e ponderada. Pesquisas apontadas por Goleman (1995, p. 33), apresentam que nos primeiros milésimos de segundo em que temos a percepção de algo, não só se tem a compreensão do que se é — a identidade da coisa — como também é anexado um juízo de valor sobre ela. Isto é denominado inconsciente cognitivo, pois ele apresenta a consciência a identidade da coisa juntamente com uma opinião sobre ela. A velocidade da resposta emocional está estritamente ligada a sua necessidade no processo evolutivo da humanidade. Como um animal, o homem da caverna necessitava distinguir rapidamente se uma situação era favorável a sua vida ou não. A razão mais lenta em sua resposta poderia provocar a morte do indivíduo, morte que a emoção poderia evitar , respondendo mais rapidamente. Porém, mesmo com tanto tempo no processo evolutivo, o homem continua respondendo emocionalmente como um homem das cavernas .  

2 A TOMADA DE DECISÃO, UM IMPULSO EMOCIONAL

A educação emocional não está voltada para um estudo particular de cada emoção ou as suas variações. Antes, ela busca apresentar a ligação e semi-independência entre a razão e a emoção para mostrar que todo agir é passional. Não existe uma atitude neutra, ou indiferente, frente a algo ou a uma situação. Todavia, qualquer resposta está ligada a alguma emoção que pode até ser inconsciente. As emoções tendem a se externalizar, mesmo que sejam inconscientes, elas quando não apreciadas provocam dores de cabeça, no corpo, no estomago e outras. A inépcia emocional, a falta de conhecimento das próprias emoções estaria ligada segundo Goleman (1995, p. 12) a tipos de posturas éticas:

Há crescentes indícios de que posturas éticas fundamentais na vida vêm de aptidões emocionais subjacentes. Por exemplo, o impulso é o vínculo da emoção; a semente de todo impulso explodindo para expressar-se em ação. Os que estão a mercê dos impulsos — os que não tem autocontrole — sofrem de uma deficiência moral. A capacidade de controlar os impulsos é a base da força de vontade e do caráter. Justamente por isso, a raiz do altruísmo está na empatia, a capacidade de interpretar as emoções nos outros; sem a noção do que o outro necessita ou de seu desespero, o envolvimento pessoal é impossível.

A raiz da palavra emoção é latina, e é composta por mover e que significa mover, juntamente com o prefixo “e” que denota o ato de se afastar, o que indica uma ação imediata. A capacidade de ter emoções como também de percebe-las levam os homens a interagirem. A ralações são temperadas pelas pulsões emocionais, elas contribuem para que os contatos interpessoais aconteçam. Os sentimentos de afeição provocam o relaxamento do corpo, e dão um estado de calma e satisfação que facilita a cooperação. Já a tristeza tem as funções de proporcionar um ajustamento ligado a uma grande perda ou decepção, ela diminui a energia e o entusiasmo pelas atividades prazerosas e divertidas. Tudo isso para que este evento seja melhor captado e para que haja tempo para o planejamento de um recomeço (GOLEMAN, 1995, p. 21). Pelos sentimentos de amor, o homem se dispõe para o encontro com o outro, e pela tristeza ele se volta para si.

Uma emoção forte faz com que todos os juízos se estabeleçam a partir dela. Do mesmo modo que um homem apaixonado consegue ter inspirações poéticas por causa da amada, uma pessoa que sente raiva por uma possível calúnia, também está preso em pensamentos violentos. Por isso a necessidade de entender a relação emoção e razão, para entender as possibilidade benéficas e usá-las de modo positivo, como também encontrar as emoções destrutivas e reduzir seus efeitos negativos. Com isso é possível proteger a razão da fraqueza da manipulação das emoções sobre os processos de planejamento e decisão (DAMÁSIO, 1996, p. 277). A faculdade emocional trabalha de mãos dadas a mente racional, capacitando ou incapacitando o próprio pensamento. Igualmente o cérebro racional desempenha o papel de administrador das emoções, menos em alguns momentos que elas escapam e fogem do controle.

Conhecer as emoções e as suas manifestações na vida é ao mesmo tempo, um exercício de autoconhecimento, pois desse modo é possível julgar com consciência as atitudes e respostas obsoletas e assim modifica-las. Ainda que durante um sequestro emocional, período onde as emoções correm soltas sem a administração da razão, pode-se fazer coisas que em um outro momento não faria, o próprio conhecimento desse rapto, seu contexto e motivo pode ajudar para que ele seja posteriormente evitado.

O sequestro ocorre num instante disparando essa reação crucial momentos antes de o neocórtex, o cérebro pensante ter a oportunidade de ver tudo que está acontecendo, e sem ter o tempo necessário para decidir se essa é uma boa ideia. A marca característica desse sequestro é que, assim que passa o momento, o cérebro “possuído” não tem a menor noção do que deu nele (GOLEMAN, 1995, p. 28).  

Os sequestros emocionais não estão associados a crimes brutais e horrendos somente, eles ocorrem com muita frequência e são justificados com expressões “ele saiu do sério”. Como a amigdala começa agir por primeiro, a emoção bruta é disparada antes do pensamento. Deste modo, tem-se raiva sem saber o motivo e sua origem. Nestes momentos de rapto emocional é impossível buscar a compreensão racional da reação, pois a emoção mantém o indivíduo como seu escravo. Porém, após o incidente e com a chegada do arrependimento, pode-se buscar averiguar a emoção que originou o fato, como também a sua causa. Se for um fato frequente, antes de buscar sufocar a possibilidade de reincidência por uma disposição da vontade, deve-se buscar suscitar uma outra emoção positiva para que ela anule a força sequestradora. “Assim para excitar em si a ousadia e eliminar o medo, não basta ter vontade de fazê-lo, mas é necessário aplicar-se a considerar as razões, os objetos ou os exemplos que persuadem de que o perigo não é grande [...]” (DESCARTES, 2012, p. 57).

O alarme emocional tem por método de comparação a associação de fatos. Um sequestro emocional só ocorre quando um elemento chave do presente é semelhante a algo do passado. Essa semelhança dispara o alarme emocional. Entretanto, como a amigdala é a primeira a responder, antes que o cérebro racional tome consciência do ocorrido, ela age sem a confirmação total da semelhança, gerando respostas obsoletas, principalmente se os fatos respondidos são comportamentos adquiridos em traumas no período da infância (GOLEMAN, 1995, p. 35).  

Sobre os sequestros emocionais, e a força manipuladora da emoção sobre a razão, poderia surgir um desconforto e até mesmo uma tendência à busca da anulação emocional. Contudo, deste modo a humanidade perderia o interesse de ralações intersubjetivas e ao mesmo tempo o próprio sujeito perderia o horizonte de sentido da própria vida. A insensibilidade emocional, resultado de uma experiência traumática, pode parecer boa por evitar que a pessoa relembre o fato indesejado. Porém, estes muros psicológicos impedem também a conexão com os sentimentos mais profundos. As coisas que distanciam os sentimentos de tristeza, afastam igualmente as emoções de amor e alegria (STEINER. 1997, p. 29).

A adaptação que se realiza para a construção dos muros emocionais, não ocorre somente com grandes traumas, mas em pequenos fatos do dia a dia. A educação que prioriza somente os elementos racionais, mas que desassocia o homem do seu entorno, faz com que ele aja sempre sem dar atenção ao seu universo emocional. Steiner (1997, p. 37) apresenta a necessidade de tomar consciência das próprias emoções sem sufoca-las; por mais que elas gerem desconforto. Entretanto, expressar emoções não significa uma liberação emocional irresponsável, mas uma utilização eficiente dessas emoções no momento certo, a partir de uma educação emocional adequada. Deste modo a energia gasta para sufocar as emoções retornará. As capacidades racionais medidas pelo teste do QI deveriam ser um sinal seguro de sucesso de vida. Todavia, pesquisas realizadas apontam que este sinal é impreciso. A inteligência racional pode apontar bons resultados em avaliações e trabalhos acadêmicos, mas não se conecta claramente a resolução de problemas intersubjetivos e a cooperatividade. Goleman (1995, p. 46) apresenta as características da inteligência emocional:

Por exemplo, a capacidade de criar motivações para si próprio e de persistir num objetivo apesar dos percalços; de controlar impulsos e saber aguardar pela satisfação de seus desejos; de se manter em bom estado de espírito e de impedir que a ansiedade interfira na capacidade de raciocinar; de ser empático e autoconfiante [...]. Os ados existentes sugerem que esse tipo de inteligência pode ser tão ou mais valiosa que o QI.

Cuidar das emoções é potencializar o poder pessoal e a qualidade de vida, ampliar os relacionamentos criando afeto entre as pessoas e facilitar o trabalho cooperativo e possibilitar o sentido de comunidade. A inteligência emocional é composta pela capacidade de conhecer os próprios sentimentos, reconhecer os sentimentos alheios — empatia —, aprender a controlar as próprias emoções e remediar danos emocionais, como também, a capacidade integrada de notar os sentimentos ao redor e os próprios sabendo ainda como interagir eficazmente com eles, isso se denomina “interatividade emocional” (STEINER, 1997, p. 34).

O fato de ter consciência das emoções que se sobrepõem aos dados racionais permite que o sujeito possa investir em ações que estejam em seu interesse sem ficar a deriva de um sequestro emocional. A capacidade de automotivar-se é necessária para não se limitar a pagar o mal com o mal. Em escolhas de fé onde a razão não consegue dar fundamentos para as ações, as emoções conseguem motivar tais atos. A fé é o suplemento da razão, mas aquece o coração e faz com que o sujeito seja diferente em lugares onde reina a indiferença, pratique atos heroicos de autossuperação, consiga um equilíbrio entre exigências próprias e o respeito pelo desenvolvimento alheio.

São Paulo na primeira carta aos Coríntios, no capítulo treze (BÍBLIA SAGRADA, 2002, p. 2010), parece manifestar a força pulsional das emoções na direção da primazia da caridade sobre as outras duas virtudes teologais. Entendo corretamente o que é apresentado na carta, as virtudes teologais são infusas na alma, são dons de Deus. A caridade é o que inflama o homem a assumir uma vida de fé autêntica sem preocupações mesquinhas e limitadas, propostas pelos juízos egoístas. Mas acima de tudo a caridade infusa impulsiona a totalidade do homem em busca de um horizonte de sentido maior. Se a razão pode suscitar emoções como tristeza e raiva, a fé pode suscitar no homem a capacidade de comprometimento e decisão por meio de um impulso afetivo. As emoções contribuem para a formação do pensamento. Muito mais que motivar o homem por meio de juízos sobre o que é certo ou errado, se deveria valorizar sentimentos positivos como o amor, a generosidade, gratuidade, em vez de talha-los como coisas tolas. Juízos preconceituosos, são antes uma manifestação de emoções ruins anexadas ao objeto indesejado, do mesmo modo, que atos caritativos estão ligados a sentimentos como o afeto e o amor.

O artigo não pretende fazer uma análise afetiva de Francisco, pois seriam um infinidade de dados e nuances, mas buscará apresentar o encontro dele com a Cruz de São Damião, fato este que em Celano parece ter marcado a vida de Francisco profundamente. O trabalho também apresentará rapidamente a dimensão afetiva de Francisco com os outros, mostrando sua capacidade de amar com autentica liberdade.

3 FRANCISCO E O AFETO

O amor que Francisco mostrou em sua vida tem sua origem na sua espiritualidade e na sua adesão ao seguimento de Cristo. É um amor afeto ligado a fé, mas que não se paralisa em uma realização egocêntrica, pois se dá plenamente ao outro, seja este o próprio Deus, como também aos irmãos. “Queremos mostrar como a total imersão de Francisco em Deus nada lhe subtraiu de riqueza em termos de ressonância de afetividade e sensibilidade humanas” (CAROLI, 1983, p. 34)

Francisco foi alguém impulsionado por dentro, pelo Espírito, que transformou a força possessiva do Eros em caridade oblativa aberta a Deus e a todos. É na companhia de Deus que desceu na profundidade das suas questões negativas e é por isso que ao voltar está transformado. A origem desses desejos desmedidos estaria ligada a respostas emocionais de autodefesa centrada no ego fragilizado e por isso atrapalhado. Somente curando as emoções, reconhecendo-as, o santo de Assis consegue que, até o próprio corpo — referência direta ao objeto que conduz ao pecado — começa ajudá-lo na busca de viver conforme o Espírito:

Com efeito, entre tantos santos tradicionais, enamorados de Deus, destaca-se singularmente o santo de Assis, pela riqueza de coração, capaz de amar com igual ardor e pureza Deus Pai e as criaturas irmãos. Seguindo as interpretações mais argutas desse amor pelas criaturas [...], Francisco, inspirado pela força do Espírito teria sublimado, através do processo vital de “espiritualização” cristã, sua natureza de amante, transformando a concupiscência em caridade. O Eros que servia de inspiração para o amor cortês, da “alegre ciência”, torna-se Ágape na experiência de comunhão com a humanidade de Cristo. Os estigmas seriam o selo último desse processo de transformação mística que atravessa toda a sua vida (CAROLI, 1983, p. 34).

Caroli parece apontar de modo inequívoco que os estigmas seriam um sinal — o último — de todo um processo de transformação da vida de Francisco. O evento do monte Alverne não é o ápice propriamente de sua identificação com Cristo, por isso não pode ser compreendido isoladamente, retirando todas as etapas que ele percorreu sempre obediente ao Espírito e seu Santo modo de operar. Celano (1980, p. 219) apresenta um fato posterior a morte de Francisco que revela a total identificação com Cristo. Havia um frei de vida louvável que um dia suspenso em oração viu Francisco acompanhado por uma multidão de pessoas. Estas pessoas perguntaram para esse frei se Francisco não seria o Cristo, e depois da resposta afirmativa do frade perguntaram se não era o próprio Francisco e receberam outra vez a resposta positiva. Celano no final deste texto justifica este fato afirmando que os que aderem a Deus tornam-se um só espírito com ele.

O Cristo que Francisco buscou imitar foi o que se aproximava da totalidade e integralidade real. Francisco não se fixou em um aspecto da vida de Cristo, ele quis todos. O seu ideal era imitar Cristo “desde o pobre nascimento em Belém, à crucifixão no Calvário e a glória celeste, através da vida oculta de trabalho e orações, e a vida pública de amor do próximo e de pregação” (KOSER, 1960, p. 29).

A imagem de Cristo que Francisco hauriu sua inspiração não está vinculada aos ícones bizantinos de sua época, contudo salvaguarda a sua realeza de sublimidade de Senhor. É um Cristo mais próximo aos corações porque sofre como toda a humanidade. O Cristo crucificado foi o impulsionador de seus ideais radicais de pobreza e minoridade.

De um modo especialíssimo e com intuição teológica admiravelmente profunda, São Francisco se apegou ao Cristo Crucificado. Foi aos pés do Crucifixo da Igrejinha de São Damião que iniciou sua carreira generosa e foi pela crucifixão mística das chagas impressas em seu corpo no alto do Alverne que chegou a culminância de sua vida na terra. O crucifixo para ele significava a fonte perene de todos os heroísmos, de todas as virtudes, de todas as empresas gigantescas que sem meios e sem armas empreendeu corajosamente (KOSER, 1960, p. 31).

Koser retrata a importância do encontro de Francisco com o Crucifixo de São Damião. Para ele, é neste encontro que o santo de Assis inicia a sua carreira generosa que culminará na estigmatização. O Crucificado torna-se para Francisco o modelo ideal de qualquer ato heroico. O Cristo na cruz, no cumprimento de sua missão redentora tornou-se para ele o cavaleiro exemplar, e por isso, o único que deve ser imitado. Foi por meio desse encontro que Francisco começa a chorar de compaixão pelas dores e sofrimentos de Cristo, que com o passar do tempo se tornaram mais intensas. Celano (1980, p. 206) apresenta a atitude de Francisco ao ouvir falar do amor de Deus. Era impossível entrar neste assunto sem uma mudança interior que o inflamava e o tocava    Essa compaixão deu forças ao santo de Assis para suportar os próprios sofrimentos de sua vida e a coragem de ter um coração agradecido, cheio de louvores, mesmo provando dificuldades e amarguras. Na ânsia de retribuir a totalidade do amor generoso de Deus, pediu a graça de sentir a dor e o amor que Cristo experimentou na Cruz. Quis ser em tudo com Cristo. Buscou a pobreza e a mendicância de Cristo com os apóstolos, imitou as virtudes e as penitências de Jesus. Exerceu o amor, pois este foi o novo mandamento do Senhor. Cristo foi sua regra viva que o conduziu a buscar caminhos sempre mais elevados:

Tão grande graças recebia, tão pouco fazia — assim se queixava. Era o que continuamente estava diante dos seus olhos, era o que o inquietava, era o que o impelia a sempre novas obras de amor, a sempre novos excessos de dedicação a Cristo. Não podia, porém, a criatura vencer a generosidade de Cristo, e por isto o santo se queixava sempre de sua falta de amor [...]. As ânsias do amor, quais labaredas devoradoras, nasciam destas considerações e procurava corresponder com obras ao amor de Cristo lançando-se a empresas sempre mais ousadas, a virtudes sempre mais perfeitas, a amor sempre mais ardente. Empenhado nesta luta titânica com a generosidade de seu Rei, subia em escalada rapidíssima o mais altos píncaros da santidade extraordinária (KOSER, 1960, p. 36).

O amor enquanto emoção dispõe o corpo direcionando-o a querer o objeto de desejo, além de dar a pessoa um estado de relaxamento e calma. É o amor que transforma as durezas e as amarguras do compromisso vocacional e os desdobramentos da fé em doçura do corpo e da alma. Teresa do Menino Jesus (1986, p. 2013) aponta a relação entre o amor e o comprometimento dados pela fé:

Compreendi que, se a Igreja tinha corpo, composto de vários membros, não lhe faltava o mais necessário, o mais nobre de todos. Compreendi que a Igreja tinha coração, e que o coração era Ardente de Amor. Compreendi que só o amor fazia os membros da Igreja atuarem, e que se o amor se extinguisse, os Apóstolos já não anunciariam o Evangelho e os Mártires se recusariam a derramar seu sangue... Compreendi que o amor abrange todas as vocações, alcançando todos os tempos e todos os lugares, numa palavra, é eterno.

Sem o amor qualquer ação que exige coisas a mais do que as disposições naturais seriam impossíveis. É o amor que sustentou os apóstolos na pregação, e que permitiu aos mártires permanecerem fiéis a fé na hora da morte. É este amor que ainda conduz a Igreja. Foi o amor apaixonado de Francisco que o conduziu a santidade. Sem este amor, o santo de Assis desistiria de seus empenhos de louco, pois se devidamente ponderados, ele perceberia que seus esforços o conduziriam para muitos problemas e sofrimentos, que seriam evitados se permanecesse na vida burguesa que tinha.

A generosidade impulsionou Francisco a realizar obras cada vez mais perfeitas de amor. A Força afetiva que o ligava a Cristo, transformou as dificuldades em oportunidades para a demonstração de seu amor. A impossibilidade de uma retribuição igual as graças que recebia fazia borbulhar dentro de seu amago labaredas devoradoras, que não se tranquilizavam se não fossem esfriadas pelas práticas do amor. O encontro de Francisco com o Cristo, marcou-o profundamente pois moveu não a sua razão, mas os seus sentimentos e emoções. Foi o desejo se imitar a Cristo que impulsionou o santo de Assis nas situações mais complicadas e difíceis. As fontes franciscanas são recheadas de fatos que demonstram a inteligência emocional de Francisco, sua empatia com os irmãos e as criaturas, sua interatividade na solução de conflitos, mas elas também mostram o quanto sua vida é marcada por dores, como o abandono do pai e a vergonha de ser amaldiçoado por ele sempre que o via, as mudanças ocorridas na ordem, que nasceu dele, mas que começou a querer existir sem ele, sem esquecer das dores físicas que teve. Mesmo elencando todos esses fatos, ainda sobressairão a sua alegria e o seu amor, sua fé e esperança. Nos lugares onde os muros da inteligência pareciam impossíveis de serem atravessados, com a fé a caridade Francisco se apresentou com a seus profundos pensamentos teológicos, sobre a eucaristia, sobre Maria feita Igreja, sobre a própria Igreja e o modo de ser missionário no meio de infiéis. É próprio do ato de crer não ter a plena consciência racional dos fatos, mas é necessário imitar Maria e guarda-los no coração e meditá-los. Francisco, quando ouviu o Crucifixo de São Damião não guardou igualmente este fato no seu coração? Não seria este o aporte místico e afetivo para sua vida de caridade?

Já inteiramente mudado de coração, e quase mudado no corpo, andava um dia pelos arredores da Igreja de São Damião, abandonada e quase em ruinas. Levado pelo espírito, entrou para rezar e se ajoelhou devotamente. Tocado por uma sensação que era nova para ele, sentiu-se diferente do que tinha entrado. Pouco depois, coisa inaudita, a imagem do crucificado mexeu os lábios da pintura e falou com ele. Chamando-o pelo nome, disse: “Francisco vai e repara minha casa que, como vês, está toda destruída”. A tremer, espantou—se não pouco e ficou fora de si com o que ouviu. Tratou de obedecer e se entregou todo a obra. Mas como nem ele mesmo conseguiu exprimir a sensação inefável que teve, também nós vamos nos calar. Teve, desde essa época, enorme compaixão pelo crucificado, e podemos julgar piedosamente que teve desde então os estigmas da paixão gravados não no corpo mas no coração (CELANO, 1980, p. 105).

A descrição de Celano é rica em detalhes emocionais. Em primeiro lugar, a entrada na igreja de São Damião é orientada pelo espírito, e dentro dela ele começa a se sentir diferente. Em segundo lugar, após a locução da cruz, Francisco treme, e espanta-se e fica fora de si, algo completamente compreensível para uma situação deste porte. O terceiro aspecto é falta de informação conceitual sobre o que Francisco sentiu, o que seria uma “sensação inefável”? Essa impossibilidade de expressão seria o motivo para que este fato não fosse gravado no seu testamento? E por fim, o ponto que liga esta locução ao processo de estigmatização, o santo de Assis que depois desse encontro leva as chagas de Cristo, não no corpo, mas no coração. O significado de coração, quer ser entendido como sede das emoções e sentimentos. Celano ao assumir que as chagas estão no coração quer apontar que elas se tornaram presentes na parte afetiva de Francisco. O sinal externo, a impressão dos estigmas no corpo, é o certificado depois do curso. Tanto é que o santo não quis fazer alerdes sobre este fenômeno e o escondeu como pode, mesmo sendo um evento inédito na história.

Seria possível fixar uma ideia de um Francisco desumanizado, contudo isto é impossível. Ainda que o amor dele se vincule a uma união mística com Cristo, o afeto que ele dá para a natureza e para a humanidade é afeto dentro das possibilidades humanas, suas decisões racionais, por mais que indicassem uma sabedoria amadurecida estavam dentro dos limites da própria razão. O amor que Francisco praticou não foi unilateral, nem com Cristo e nem com as outras criaturas. Com Cristo, ele viveu com o coração apaixonado, partilhando as dores e as alegrias de sua vocação. Com as criaturas, o mesmo respeito que ele demonstrava a elas, elas retribuíam. Com os irmãos Francisco praticou a flexibilidade entre a obrigação e o amor, ainda que houvessem alguns contrários a ele, havia também um outro grupo de amigos e devotos do fundador.

A fraternidade que surge a partir de Francisco é humana. Cada frei traz consigo sua história pessoal com seus males emocionais. No início as disposições equilibradas nas relações se dão motivadas pelas novidades da nova vida. Contudo a rotina faz com que aquilo que se é de fato comece a se revelar, resultando em conflitos interpessoais. O outro se apresenta como objeto de repulsa, porém, existe ao mesmo tempo as próprias disposições de gosto que se projetam sobre as relações. O que ocorre não é a presença de inimigos na fraternidade, mas de simpatias, que às vezes direcionam as relações para o cuidado e o respeito enquanto que para outras o distanciamento e discrepâncias. Uma relação fundada em emoções ruins torna-se um ciclo vicioso que prende os dois, igual a um sequestro emocional. No pensamento de Teresa do Menino Jesus (1986, p. 246), é preciso amar aqueles que se apresentam antipáticos, ainda que o modo de proceder dessa pessoa demonstre sua indiferença. Deste modo tem-se a possibilidade de romper o ciclo e transformar o comportamento.

Um fato marcante da vida afetiva de Francisco está no período de sua morte. Ele desejava ardentemente comer os doces preparados pela Frei Jacoba. Então ele pediu que a enviassem uma carta fazendo este pedido e informando de sua situação. Antes que a carta saísse do quarto, a Frei Jacoba já se encontrava ali, e com ela os doces desejados de Francisco. Este evento atesta a união que Francisco e Jacoba tinham. Um encontro entre um homem e uma mulher, ligados não por desejos carnais, mas pelo Espírito (CAROLI, 1983, p. 40). Entretanto a presença dessa amiga não se fixa em um nível sobrenatural. “A chegada da piedosa romana deu-lhe certa força e havia motivos de se acreditar que ele viveria ainda um pouco mais’ (CELANO, citado por CAROLI, 1983, p. 40).

CONCLUSÃO

A inteligência emocional, antes de ser um modelo terapêutico para a solução de traumas é a capacidade de estar atento aos próprios sentimentos como os do entorno. A atenção voltada as emoções permite que o sujeito saiba como agir de modo efetivo para solução de problemas interpessoais. Outro aspecto basilar da percepção da interioridade é começar a buscar respostas para situações onde há um tipo de costume destrutivo e afetivo, quando a razão é sequestrada por pulsões mais fortes que ela.

Os muros que são criados para suportar sofrimentos, para não enfrentar corretamente a vida após o trauma são os mesmos que desconectam o homem de sua interioridade e de sua própria realização e felicidade. Com a ausência da consciência emocional e o sufocamento de todos os estados de afeto a vida se torna insossa e as relações humanas superficiais e estéreis. O abismo causado pelo trauma não será superado somente pela lembrança do evento traumático, mas na cura da emoção que está associada ao fato. Todavia essa transformação não é assegurada. As emoções escuras pesam sobre o sujeito, e o verdadeiro perdão, às vezes não é alcançado, fazendo com que o sujeito tenha constantes recaídas deixando-o insensível emocionalmente. Se a emoção pode gerar uma variação de sofrimentos interiores e relacionais, a fé pode aquecer e inspirar emoções positivas e libertadoras, fornecendo novos fatos que não sequestram o homem mas lhe devolve o poder de escolha.

A oração Francisca é afetiva. Ela tem como efeito efervescer o coração do orante impulsionando-o a ação imediata, e até não refletida. No encontro de Francisco com a Cruz de são Damião, o santo de Assis não ponderou que a igreja em ruinas era a Igreja total, ele simplesmente buscou seguir o que ouviu cabalmente. As emoções seguem o mesmo princípio, levam o sujeito a uma ação imediata e não ponderada. Francisco em seu modo de rezar integrou a razão a capacidade afetiva. Pela fé, ele recebeu as centelhas ardentes que impulsionaram sua vida em atos de amor. E por mais que suas obras fossem de origem mística, suas ressonâncias eram estritamente humanas.

O Cristo de Francisco o ensinou através dos diversos encontros ao decorrer de sua vida a capacidade de se desapegar das situações ruins para estender um ato de louvor, próprio de quem curou o ego ferido. Ainda que tenha enfrentado desprezo e incompreensões, estas coisas não o fizeram ficar insensível a si próprio e a seu caminho. O sinal de sua maturidade humana e espiritual não se encontra nas marcas dos estigmas, mas na capacidade de expressar totalmente e com liberdade seu amor.

REFERÊNCIAS

Bíblia. Português. Biblía de Jerusalém. José Bortolini (Coord. Edit.) 4 imp. Ver. Ampl. São Paulo: Paulus, 2002

Caroli, E. Dicionário franciscano. Tradução de Almir Ribeiro Guimarães e Edinei da Rosa Cândido. Petrópolis: Cefepal, 1983.

Celano. T. Vida de são Francisco de Assis. Tradução de José Carlos C. Pedroso. Petrópolis: Vozes, 1980.

Damásio, A. R. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. Tradução de Dora Vicente e Georgina Segurado. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

DESCARTES, René. Paixões da alma. São Paulo: Lafonte, 2012.

Fontes franciscanas e Clarianas. Tradução de Celso Márcio Teixeira et. al. Petrópolis: Vozes, 2004.

Goleman, D. Inteligência emocional: a teoria revolucionário que redefine o que é ser inteligente. Tradução de Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.

TERESA DO MENINO JESUS. A história de uma alma: manuscritos autobiográficos. Tradução de religiosas do Carmelo do Imaculado Coração de Maria e de santa Teresinha. São Paulo: Paulus, 1986. (Coleção Clássicos do cristianismo).

Koser, C. O pensamento franciscano. Petrópolis: Vozes, 1960.

Steiner, C. Educação emocional. Tradução de Teresinha Batista dos Santos. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997.