O prazer e a responsabilidade de nos acompanharmos na vida franciscana

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“Relação entre formação inicial e formação permanente na vida franciscana”

[Este trabalho é uma síntesede uma conferência que o autor pronunciou em Cracóvia no Congresso de formadores dos franciscanos conventuais, aos 21 de agosto de 2004.]

1. O BONITO E COMPLEXO PROCESSO DE FORMAÇÅO

Formar, e formar franciscanamente, é algo muito bonito e ao mesmo tempo muito complexo. É bonito porque se é testemunha e se possibilita o crescimento paulatino e progressivo do ser do irmão; vê-lo descobrir mundos novos, vê-lo perguntar e buscar respostas, ver que vai descobrindo a beleza da própria vida, a beleza de Deus, pelo caminho de Francisco de Assis... É tão bonito! Poucos desafios são tão bonitos na vida.

Mas é complexo, vamos reconhecer. Complexo porque o inácio total da riqueza da pessoa humana implica essa complexidade que vem desde o próprio inicio da vida, de como viveu suas primeirássimas experiências pré-conscientes, de como saudou tudo de novo que ia aparecendo pouco a pouco, de como viveu seus próprios pais, de como se situou diante das primeiras experiências humanas, de como sentiu os outros: se como amigos, competidores ou indiferentes, de como foi aceitando a si mesmo, se como pessoa valiosa ou rejeitàvel... É complexo também porque a vida està escalonada por crises continuas, por cuja porta sempre é preciso passar se se quer crescer e amadurecer.

Recordemos alguns dos capátulos dessa bonita e complexa história do ir se fazendo dos irmãos, que é o mesmo que recordar de alguma maneira os objetivos da formação. Que é que podemos oferecer a esse candidato que vem a nossa fraternidade e ao irmão que vive conosco nas fraternidades?

1.1. Descobrindo a riqueza de cada um…

Comecemos com uma historinha que sintetiza bem o que quero indicar.

“Era uma vez um escultor que trabalhava com seu martelo e cinzel em um bloco imenso de màrmore. Um menino que o observava não via mais que pedaços grandes e pequenos de pedra que caíam à direita e à esquerda. O menino não tinha a menor idéia do que estava acontecendo. Quando, semanas mais tarde, voltou ao atelier, o menino viu com grande assombro um leão grande e poderoso sentado no lugar onde tinha estado o màrmore. Com grande emoção, o menino correu para o escultor e lhe perguntou: Senhor, diga-me, como sabia que dentro do màrmore havia um leão?”

A formação que nós queremos oferecer a nossos candidatos começa sempre por uma intuição bàsica: por pensar que por tràs de cada ser existe algo grande e original e que amiúde se esconde de um olhar superficial e esse é o projeto de Deus sobre cada um. E como tudo o que provém dele, o projeto de Deus se refere ã vida, à vitalidade, à partida do ser, à abundância de vida. “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância”, disse Jesus.

Fico muito feliz e gosto de pensar que todo homem, toda mulher, dados a este mundo, por pobres que pareçam, são como uma grande promessa; uma promessa que só serà realidade se alguém a acompanhar e colaborar com ela nesse descobrimento e nesse amadurecimento do que constitui o ser uma pessoa. Esse menino recém-nascido é só “promessa”, é só começo: os pais primeiro, a famália depois, o ambiente, os formadores, as amizades, os estudos e os professores e a graça do Senhor... o acompanharão para que ele mesmo và dando os primeiros passos e se và desenvolvendo. Ele mesmo se desenvolve, é o primeiro responsàvel, mas tem que contar, especialmente no começo, com colaboradores aliados, que facilitarão e tornarão possável dar nome, abrir o vôo e exteriorizar toda a riqueza de ser que mora dentro de si mesmo.

Por isso, quando falamos de formação inicial, quando acolhemos em nossa fraternidade uma pessoa

1 Este trabalho é uma sántese de uma conferência que o autor pronunciou em Cracóvia no Congresso de formadores dos franciscanos conventuais, aos 21 de agosto de 2004.

adulta ou jovem, que nos diz que quer ser irmão menor como nós, temos que continuar a lhe prestar essa ajuda bàsica de descobrir, dar nome e ressaltar sua riqueza de ser.

Tarefa bàsica e primeira da formação inicial (se isso não foi feito antes) é dar nomes e fortalecer a própria complexa realidade, colaborar para uma auto-estima pessoal suficiente, acompanhà-la no desabrochar de sua afetividade, ajudà-la a estrear caminhos de liberdade pessoal... Mas não se pode descuidar, especialmente nesses tempos, de que amiúde o primeiro trabalho da formação inicial serà curar feridas, ser bàlsamo e azeite dos numerosos machucados e arranhões que podem ter sido recebidos na infância, na adolescência e na primeira juventude. Hoje, o sabemos por experiência, bastantes candidatos provêem de famálias desenraizadas e quebradas, de experiências que as bloquearam e desequilibraram.

Este acompanhamento neste equipamento humano bàsico não serà uma tarefa só da formação inicial, mas para toda uma vida, pois só aprendemos a verdadeira auto-estima e a desenvolvemos afetivamente com liberdade e a conduzirmos responsavelmente, ao final, quando aprendemos também a servir, e a nos entregar, e não em último termo quando vamos aprendendo a morrer.

Por isso eu entendo que a tarefa primordial da formação inicial não consistirà em uma aprendizagem e assimilação dos comportamentos que funcionam dentro da fraternidade e da Prováncia; também não vai consistir em dar normas e pautas de conduta para que a sigam com rigidez; entendo que tarefa primordial da formação é possibilitar o crescimento e o desabrochar integral das pessoas, que só se consegue a partir de situações de liberdade, de estima pessoal e de acompanhamento nos processos pessoais.

Todo homem ou mulher nascem dotados de uma e mil possibilidades que precisam ser descobertas, receber nomes e ser desenterradas; por isso, só pode ser formador quem crê de verdade e confia na riqueza do ser das pessoas e confia em seu amadurecimento; o responsàvel último do próprio crescimento é a própria pessoa, o candidato; aos formadores, à fraternidade, à Prováncia, cabe co- responsabilizar-se pelo crescimento dessa “vocação” que lhe é concedida; as pessoas crescem quando cremos nelas e as amamos; o respeito, a confiança e o amor são algumas das ferramentas postas por Deus mesmo para o crescimento e desabrochamento pessoal; uma pessoa pode enterrar para sempre sua riqueza, se não for acompanhada a partir de fora em seu descobrimento e desabrochar.

1.2. Descobrindo a beleza da vocação…

A fraternidade franciscana tem o prazer de acompanhar os candidatos no próprio descobrimento pessoal, mas não é só isso. Se ela é uma fraternidade franciscana na medida em que busca a Deus, que é todo Bem, sumo Bem. E esta é a beleza da vida franciscana: poder viver e oferecer a Deus, sua busca, sua adoração.

O que podemos oferecer ao candidato que vem a nossa vida é que possa descobrir Deus conosco. Descobrir o rosto de Deus, poder suspeitar que Deus é Alguém por quem se pode vender tudo; Alguém que é Pai e que ama ternamente seus filhos; poder acompanhar nossos jovens candidatos nessa experiência pela qual a pessoa aprenda a em Deus, em sua Palavra; poder introduzir nossos irmãos candidatos na experiência da oração a Deus, de dia e de noite, ininterruptamente, como modo de viver e experimentar o amor derramado...

Este “mundo” de Deus, o mundo do evangelho descoberto por Francisco de Assis na Igreja, o conhecimento e amor de Jesus Cristo, a quem seguimos em pobreza e humildade, o horizonte da vocação pessoal como chamado para viver a vida até depois da morte, desde a experiência da ressurreição... tudo isso é o que a fraternidade franciscana pode oferecer também a nossos candidatos

A fraternidade franciscana não oferece nem promete êxitos, nem mesmo uma vida confortàvel; também não oferece primeiramente “valores” como a pobreza, ou a fraternidade ou a simplicidade...; oferece o que para ela constitui “o tesouro escondido do evangelho”, aquele que vale a pena vender inteiro para que se dar a Jesus Cristo, ao Filho do Altássimo e segui-lo. Essa é nossa riqueza e é a herança que Francisco de Assis nos deixou.

Descobrimento do evangelho e de Deus que nunca serà total porque sempre nos ultrapassa; a realidade do evangelho sempre é mais de o que nós podemos descobrir. Por isso, este caminho do

descobrimento nos empenha durante toda a vida, desde o primeiro dia do noviciado até o final, até quando entregarmos nossa vida à “irmã morte corporal” e nos empenha com todas as nossas possibilidades.

É neste ponto que està nossa grande dedicação à boa formação dos candidatos; em poder oferecer- lhes pessoalmente e como fraternidade o testemunho vivo desta convicção; que somos irmãos arrebatados pela experiência do evangelho; que por Deus somos capazes de deixar tudo; que Ele centraliza totalmente nossa vida e que assim somos felizes. Oferecer a nossos candidatos a partir da experiência e com prazer estas possibilidades constitui a pedra de toque e a responsabilidade de nossa vocação de irmãos menores.

1.3. Aprendendo a reação com os irmãos

Para que o candidato possa ir descobrindo o projeto de Deus sobre ele mesmo e possa descobrir ao Deus de Jesus para que possa segui-la, a fraternidade conta com mais uma arma poderosa; é a fraternidade, a comunidade, as reações interpessoais. Não oferecemos em primeiro lugar um convento, um lugar; oferecemos, irmãos, reações, uma vinculação a pessoas concretas que fizeram e estão fazendo o mesmo percurso da vida e do evangelho, só que vão indo um pouco na frente... Em nossa vida é fundamental o “cuidado mutuo”.

Quando São Francisco de Assis pensa na fraternidade, descreve-a a partir das relações entre os irmãos como as de uma mãe com seu filho.

O que està por tràs desta imagem maternal da fraternidade? Francisco, com essa intuição do que é verdadeiramente nuclear cristão, joga também aqui com a imagem da criação onde são imprescindáveis uma “mãe” (seio acolhedor) e o Espárito (criador), que é quem possibilita a vida e a própria criação. A fraternidade só pode ser compreendida como recriada cada vez graças ao Espárito e graças à “mãe”-irmão que acolhe a obra do Espárito.

Isto dà a entender que a fraternidade além de um grupo que convive, trabalha junto e que ora junto, é um pequeno milagre de Pentecostes diàrio, onde cada um nasce para a vida e se sente vivo graças ã criação que torna possável em cada um a atitude mais que maternal de cada irmão. Eu posso ser eu mesmo graças ao fato de que cada dia sou recriado pelo meu irmão que é como uma mãe que prolonga o diàlogo criador de Deus. O irmão é agora o presente que Deus me dà para continuar a me criar, a me fazer, a amadurecer. Assim como um menino recém nascido ainda precisa escutar o diàlogo amoroso de seus pais para continuar crescendo, assim o candidato a nossa fraternidade precisa continuar a escutar o diàlogo maternal de seu irmão que com sua vida torna possável que eu exista e cresça e ame e viva... Aqui é verdade e fundamental a expressão “quem te crê, te cria”. Crer no irmão, confiar, oferecer-lhe nossa amizade e reação, é fundamental e imprescindável para uma boa formação inicial.

E este é o empenho e a responsabilidade que os irmãos assumem com o candidato: prestar-lhe o serviço de fazê-lo crescer, amadurecer, ajudà-lo a ser ele mesmo, porque a fraternidade està regida pela lei do amor recáproco e amar é algo mais do que conviver e algo mais do que fazer pequenos presentes em situações extraordinàrias.

Amar, radicalmente, em sua raiz significa esquecer-se de si mesmo, gravar no coração o nome do outro, cuidar do coração carregando o outro nas próprias mãos. Amar é ser respeitoso com o outro; significa viver animado pela pessoa do outro, pela sorte do outro; amar não significa dizer apenas “seja feliz”, nem só dar-lhe coisas... Amar significa que a pessoa com a qual vives durante anos se torne ela mesma, consiga desenvolver o que ela tem que ser desde sempre, segundo Deus.

1.4. Uma missão a desenvolver...

Nós crescemos e nos desenvolvemos quando encontramos um tu a quem nos entregamos e um trabalho que exercemos em serviço dos outros. Identidade, fraternidade e missão são como as três chaves que tornam verdadeira uma vida de irmãos menores.

Por isso, oferecemos ao candidato que vem a nós um trabalho, um serviço à Igreja a partir da fraternidade, uma missão em favor dos outros, para que possa desabrochar mais e melhor. Um trabalho, um serviço e uma missão que em primeiro lugar são a vivência e o soltar-se de nossa própria forma de vida; quando o candidato chegar a ser irmão menor em nossa Fraternidad/Prováncia,

oferecerà ao seu redor o que ele mesmo tiver visto e aproveitado: primeiramente o prazer da própria vida entregada; pondo em pràtica o que o candidato mesmo viu na fraternidade, acompanharà os homens e mulheres do seu ambiente para que aprendam a ser e a se soltar em todos os âmbitos da vida; porque experimentou o gozo da reação (nem sempre isenta de cruz), acompanharà a outros no descobrimento do gozo e responsabilidade da reação, da vinculação; primeiro com sua vida, depois com a palavra e com todos os meios ao alcance da fraternidade anunciarà o evangelho de Jesus ressuscitado, a quem segue com todo o coração; quando a vida se torna curta ou pequena para os homens ou eles ficarem mudos diante de tantas situações difáceis, o irmão lhes anunciarà a esperança da vida plena, que jà começou a saborear aqui.

A vida dos irmãos menores oferece a grande sorte de desenvolver e dar partida à missão segundo a graça que cada um recebeu para isso; por isso, na fraternidade menor nos ajudamos uns aos outros a descobrir a graça pessoal do trabalho e da missão e a inicià-las ao serviço dos outros. Esta é a razão por que a fraternidade franciscana serà multicor, unida em sua identidade e fraternidade, mas diferente em seu modo de ser, em seus serviços, na missão...

* * *

Aqui estão, em grandes traços, os quatro os grandes capátulos de nossa identidade franciscana e com isso os grandes capátulos que, no meu modo de ver, precisamos começar a desenvolver na formação tanto inicial como permanente. Tanto é assim que, se conseguirmos levar a cabo as tarefas aqui indicadas, nos encontraremos com um homem-irmão que:

* valoriza e estima de forma natural sua pessoa e a encontra original, única; aprendeu a soltar sua personalidade, especialmente a liberdade pessoal, sua afetividade, sua capacidade de reação, sua capacidade de trabalhar; vive gostosamente a sorte de sua vida e por isso assume também o que a vida impõe de cruz, de dor, de ausência. Deste modo nos encontramos com uma pessoa com personalidade segura, com coluna vertebral;

* tem liberdade e age com autenticidade, sabe também relacionar-se com os outros com normalidade; se relaciona contribuindo com o que tem de mais valioso na vida, oferece sua pessoa e recebe o apoio e o carinho dos outros; não idealiza a relação porque assume também seus custos; é capaz de descobrir a grandeza e miséria da fraternidade e ama com realismo seus irmãos;

* na fraternidade franciscana aprendeu a fazer opções que o levam a optar pelo “tesouro escondido”; descobriu a Deus como Pai e a Jesus como Alguém a quem seguir incondicionalmente; e o Espárito é sua força e advogado; Ele o vai dirigindo até fazer opções impensadas; vai intuindo que tudo “é lixo em comparação com o conhecimento de Cristo Jesus”; por isso, ora e canta na Igreja e agradece a Deus o dom da fé, o dom da vocação na fraternidade;

* desprendido de si mesmo, jà não lhe importa senão ajudar os outros, especialmente os mais pobres; desapropriado de si mesmo dispõe suas melhores energias para viver este caminho do evangelho de Jesus e por isso “evangeliza com sua vida”, da sua amizade e sua pessoa a quantos vai encontrando pelo caminho; acompanha-os solidariamente, partilha a vida com eles; anuncia-lhes a boa notácia de Jesus, fala-lhes de Deus mais com sua vida e testemunho do que com os làbios; contagia e irradia uma grande esperança porque a Vida eterna é sua grande esperança;

* mas não é um homem “perfeito”; também não é nenhum herói solitàrio; é um irmão a mais, que vive em fraternidade com outros irmãos que como ele continuam buscando e orando, fazendo o caminho da fraternidade para o evangelho. E precisamente porque se vê pobre, necessita cada dia mais de seus irmãos a quem serve com humildade e de quem recebe o carinho e a amizade de uma mãe que torna possável o milagre do amor cada dia.

Formação franciscana? É uma maravilha e continuo a afirmar que dedicar nossas energias e nossa vida para ajudar outros a desabrocharem seu ser, sua riqueza e sua vocação, é uma das grandes sortes da fraternidade, é verdadeira “graça do Senhor” e tarefa para todos nós. Mas tem suas dificuldades, como vamos ver.

2. OS AGENTES E RESPONSÁVEIS DA FORMAÇÂO

Olhando a partir do fim, esta história do crescimento das pessoas e da formação é bonita, muito bonita; mas para isso têm que intervir muitos fatores e muitas pessoas.

Em que escola ou universidade se aprende a ser irmão franciscano? Quem ensina a ser irmão menor? Onde? Que meios tem que usar uma Prováncia para acompanhar os candidatos no caminho para o desabrochar de que falamos? Sobre tudo, como acompanhar nossos candidatos para buscar Deus e para adorà-lo como único e total Bem em uma sociedade secular que constrói sua vida à margem de Deus? Que capacidade de convicção necessita a Fraternidade para que o jovem de hoje, individualista como é, se desenvolva com outros irmãos, talvez até com os pobres? Como, sobre tudo, acompanhà-lo nesse processo de morte e ressurreição que supõe entregar a vida pelos irmãos? Como conseguir que o candidato não só aceite, mas ame e prefira a minoridade em vez da riqueza, entregue- se aos outros em vez de se guardar para si mesmo?

Como? Por que caminhos? E como ajudar nessa delicada e evangélica tarefa da formação? E, isto é o que aqui queremos ressaltar, quem vai tornar possável esse caminho de amadurecimento vocacional?

A FRATERNIDADE PROVINCIAL: UMA FRATERNIDAD A CAMINHO 2

Junto aos formadores como acompanhantes, e junto aos professores e peritos na formação, é preciso sublinhar o lugar destacado que têm neste tema da formação a fraternidade local e provincial.

Podemos afirmar que uma fraternidade ou também uma Prováncia parada, anquilosada, que não se renova, normalmente não pode oferecer uma formação briosa e audaz, renovada e franciscana; quando, em vez, uma fraternidade ou uma Prováncia se renova, quando nela se respira vida e confiança, a formação se beneficia disso, e muito. Isso quer dizer que quando nos perguntarmos pelos responsàveis da formação é preciso sublinhar o papel e a tarefa da fraternidade e da Prováncia.

Isso é tão importante que, se nas fraternidades de uma Prováncia não houver vitalidade, não haverà audàcia evangélica, não haverà discernimento e formação permanente e conversão; se nelas não se respirar um determinado ambiente de bem-estar unido à seriedade; se não se perceber certa qualidade de sentido, de prazer pela entrega vocacional... serà que se poderà legitimamente convocar outros candidatos para ela? Para quê? Com que autoridade moral ainda se pode convocar? Se nossas fraternidades e nossa Prováncia não tiverem essa “boa mástica” necessària, o que poderão oferecer a candidatos? Por isso, nós sublinhamos a necessidade de uma Fraternidade provincial em marcha, a caminho.

Para que se possa falar de um acompanhamento adequado a nossos candidatos, a fraternidade Provincial tem que deixar bem claro o estilo de irmãos menores e de fraternidades que quer potenciar, as prioridades que a guiam em suas opções, a orientação que quer tomar, as metas que busca, dentro evidentemente de uma legátima pluralidade. Isto é, uma Prováncia deve deixar claro para onde quer ir como fraternidade provincial e como quer se encaminhar para là; que leitura do evangelho quer sublinhar, que estilo de fraternidade quer oferecer, a que serviços quer dar prioridade...

De acordo com isso e em coerência, é preciso deixar claro o estilo de formação que se quer dar. É preciso esclarecer em debates internos da Prováncia os objetivos concretos e o estilo com o que quer atingi-los e tentar buscar seguidamente as mediações necessàrias para a formação que se pretende. Este debate interno pode ser plasmado primeiro no projeto provincial e em seguida no projeto formativo que contém a vida da Prováncia e vem como corolàrio de uma reflexão, de uma vida e das buscas, e não à margem delas.

Desde a pastoral vocacional, desde a primeira acolhida ao candidato, me parece fundamental e prioritàrio ressaltar a necessidade de uma Fraternidade Provincial que possibilite a acolhida e o crescimento do candidato.

Em geral somos muito dados a “delegar”, a deixar em mãos de uns poucos “experimentados” o

2 Muitos são os protagonistas da formação, como aparece em numerosos documentos sobre a formação, e como é evidente a partir da experiência. Aqui indico só o papel da fraternidade provincial, porque se costuma dar menos atenção ao papel dos formadores, papel estudado em muitássimas ocasiões.

tema da formação e isso me parece simplesmente um equávoco. A formação inicial e permanente é assunto de todos e em primeiro lugar é responsabilidade da Fraternidade provincial; a primeira coisa que se deve oferecer a um candidato é um ambiente, uma famália, um sentido, um “humus”... e no interior desse ambiente haverà quem em seu momento se responsabilize mais diretamente por ele; fazer o contràrio (oferecer uns formadores à margem da vida e estilo de uma Prováncia) me parece um grave equivoco.

A partir do que pude observar e se para alguma coisa serve minha experiência como formador, posso afirmar que só a partir da fraternidade, com a fraternidade e pela fraternidade provincial se pode pensar em uma boa formação inicial. A vida fraterna, a comunhão fraterna, os irmãos “reunidos no nome do Senhor” e entregues solidariamente ao mundo podem ser o lugar e a escola de aprendizagem da vida franciscana. Forma-se para a fraternidade franciscana a partir da realidade da fraternidade, ainda que ela seja freqüentemente pobre.

Nenhuma pessoa se faz sozinha, faz-se na interação de pessoas, com outros, em fraternidade, em famália. Cabe à fraternidade o serviço de ser fraternidade, lugar de experimentação da vida franciscana. Por isso parece importante que o candidato possa entrar em uma relação de irmãos, que juntos buscam a Deus e o adoram e juntos vivem prazerosamente suas relações fraternas e juntos anunciam com sua vida o evangelho.

Antes de falar propriamente dos formadores ou mesmo da responsabilidade do candidato me parece interessante sublinhar que a primeira coisa que se deverà possibilitar a um candidato à Ordem são irmãos, fraternidades, que respeitando o mistério de Deus em cada um, criem um clima de acolhida de tal forma, que os candidatos se sintam “eles mesmos”, entendidos, estimulados e apoiados para seguir buscando até que o evangelho se torne verdade em cada existência.

Em vez de um estilo de formação principalmente acadêmica e conceitual, me parece importante facilitar e possibilitar hoje uma vida, uma experiência evangélica, oferecer irmãos disponáveis para o que é de Deus e do evangelho: exercácio evangélico nato. De forma que a “teoria” (o curriculum acadêmico, sem dúvida muito importante) acompanhe e constitua a explicação da “pràtica fraterna”, esclarecimento da vida dos irmãos e não o contràrio. Neste sentido aponto algumas observações:

* Fraternidade provincial não ideal, mas viva. Sublinhemos a importância de uma fraternidade viva, que não quer dizer uma “fraternidade ideal” ou “perfeita”; mas uma fraternidade real, feita de irmãos que buscam e se cansam, amam e pecam; estabelecem relações interpessoais e rompem os laços de comunhão.

Pretender uma fraternidade “ideal”, como às vezes jà se quis, uma espécie de refúgio ou fraternidade em “tubo de ensaio” corre um duplo risco: o risco de ser irreal, algo que não existe em lugar nenhum; e o risco de que não ser formadora, pois se aprende a caminhar, a fazer fraternidade na cotidianidade, no dia a dia, onde hà vida e, por conseguinte também hà dificuldades; onde se necessita discernimento e correção: graça e paciência; esse é o lugar de aprendizagem da fraternidade. Por isso, uma fraternidade viva, sim, mesmo que não seja a ideal.

* Fraternidade sem o afã de ser exemplar. Busca-se uma fraternidade real, e que não tenha só esse afã irreal de “bom exemplo”; não é formativo esse desejo desmedido e descabido de pretender ser fraternidade de “bom exemplo”, ao menos quando se pretende fora de toda dinâmica viva e real. Antes, para que uma fraternidade seja formadora tem que ser uma fraternidade que assumindo e desenvolvendo o real existente se solte para a utopia do evangelho entre feiúras e brilhos, entre a realidade constatada e o ideal curado. Inventar uma fraternidade com só para ser exemplar ou pretender certas opções radicais fora de toda dinâmica provincial real, é pretender oferecer o que não existe.

* Fraternidade franciscana com estas notas:

- sentido declarado de pertença aos irmãos até o ponto de não poder se entender sem eles;

- busca e sentido de Deus, até converter-se em lugar de nascimento da fé dos próprios irmãos, tudo traduzido em uma experiência de encontro com Deus e em uma vida de oração convincente e suficiente, em que a Eucaristia ocupe o centro de toda a vida de oração;

- comunhão fraterna em que se experimente a acolhida, a unidade, a ternura e a amizade junto com o prazer da reconciliação e da correção fraternas e mútuas; fraternidade que busca o prazer do perdão mútuo; fraternidades onde se prioriza e potencia o “cuidado mútuo”;

- o prazer de conviver e crescer corresponsavelmente a partir da diversidade de carismas, caracteres e culturas;

- fraternidade onde se experimente o serviço à própria fraternidade, especialmente aos mais debilitados e indefensos, como algo normal e habitual;

- fraternidade onde se discerne o querer de Deus e a ele se obedece através de diversas mediações, também a do superior, mesmo que alguma vez não se esteja de acordo;

- fraternidade que tenda a ser menor entre as menores, de forma que de fato e habitualmente possa se experimentar e se tocar com o fraco, o menor, o pobre: que os pobres sejam, mais do que belas palavras, os primeiros mestres e amigos;

- uma fraternidade que, precisamente porque experimenta o evangelho em seu seio, em suas estruturas, se abre em forma de boa noticia, em forma de abertura, solidariedade e entrega aos homens.

É possável uma fraternidade assim? Não, certamente, em sua idealidade, mas uma fraternidade não é evangélica na medida em que é perfeita, sem fissuras, mas na medida em que vive em discernimento, a caminho, tendendo para o que Deus quer e busca. Por isso mesmo, a formação serà adequada na medida em que a própria Prováncia, a fraternidade, fizer um caminho, um processo; na medida que possibilitar e potenciar esse caminho e processo para a vontade de Deus.

3. PARA A FORMAÇÂO INTEGRAL. PROBLEMÁTICA

Quais são os desafios a que tem que responder hoje a formação, tanto a inicial como a permanente? Ou, em outras palavras, com que realidade se encontram os formadores (como responsàveis diretos da formação) e os Ministros Provinciais, como seus responsàveis últimos? Muitas são as questões que poderáamos recordar; aludo só ao que me parece mais importante.

3.1. Vidas feridas

Os que nos dedicamos algum tempo à formação e principalmente nestes tempos, sabemos que bastantes dos candidatos que batem hoje às portas da fraternidade chegam com profundas feridas existenciais e afetivas e marcados e feridos pela própria vida.

Candidatos com “zonas escuras” em nável psicológico, com uma falta elementar de confiança em si mesmos, com falta de auto-estima; amiúde faltou o cainho da mãe, o abraço e o impulso do pai que afirma a as pessoas. Por isso, os candidatos chegam com as vidas quebradas, desestruturadas.

A formação inicial, pois, e também a permanente (isto é, os formadores e os Ministros provinciais) sem perder energia em fàceis e inúteis lamentações têm que enfrentar a situação dessas pessoas que são chamadas por Deus à vida franciscana, e que constituem uma graça para a fraternidade, mesmo chegando dessa forma.

É preciso ter destreza para saber identificar essas feridas, olhà-las e curà-las com o carinho de uma mãe, com a segurança de um pai. É fundamental a perácia de alguns bons formadores, mas talvez seja mais necessària uma fraternidade de irmãos em que o candidato se sinta acolhido sem ser julgado, acompanhado em suas lutas e inumeràveis crises. Precisamos certamente de formadores experimentados, mas talvez precisemos mais de irmãos e fraternidades onde se exerça o “ministério da fraternidade”, que com paciência, com ternura, com confiança apóiem o caminho único e original que o candidato està chamado a fazer. Que o candidato note que lhe querem bem, que crêem em suas possibilidades, que é olhado como um mistério de Deus, que é sustentado em suas lutas internas e externas...

Sem este serviço fundamental dos irmãos, dificilmente poderão enfrentar as numerosas questões que suas vidas lhes apresentam.

3.2. Decepção e inconsistência

Um problema reativamente moderno e muito generalizado é o que se refere à assim chamada “pouca consistência vocacional de nossos candidatos”, que os leva a abandonar a Ordem poucos anos depois da profissão solene ou da ordenação sacerdotal. Pelo que posso saber, não é um fenômeno só de algumas Prováncias nem mesmo só de um Continente; podemos dizer é um fenômeno generalizado que tem preocupado muito os formadores, os Superiores Maiores e a própria Cúria Romana.

O que està acontecendo com alguns de nossos irmãos mais jovens que, poucos anos depois de sua opção definitiva na Ordem, pedem para ir embora? Que està acontecendo? Que problemàtica està por dentro disso?

Pelo que parece, uma porcentagem dos irmãos que abandonam a Ordem o fazem por problemas afetivos e sexuais pendentes ou não devidamente resolvidos. Creio também que em muitos casos teráamos que buscar as causas em uma formação e opção vocacional no suficientemente discernidas, ou em um acompanhamento feito por formadores não bem preparados para acompanhar processos e para discernir as motivações últimas e inconscientes; também não se deve excluir a decepção que alguns recebem por uma vida franciscana “aburguesada”, sem “mástica”, longe do projeto evangélico que se professa...

São muitas, muitas as causas dessa decepção e desses abandonos; creio que a postura madura não consiste em culpar agora a Instituição (nem os formadores, nem as fraternidades, nem a Prováncia... porque as crises nem sempre são atribuáveis aos que estão dentro da instituição); o discernimento e a auto-crática podem ser, em vez, uma boa ferramenta para sair ao encontro de tantas crises. Nem se culpar nem culpar, mas sim tentar melhorar as condições de vida fraterna de nossas fraternidades de formação e de todas as fraternidades da Prováncia. Melhorar em direção de uma vida evangélica simples, mas convincente.

Em bastantes Prováncias e Congregações inteiras estão sendo iniciadas experiências de acompanhamento para os 5 ou 10 primeiros anos depois da profissão solene e esta parece uma ferramenta do todo necessària nestes tempos. Mas também aqui não é só questão de acompanhantes experimentados (isso é essencial); é questão de fazer coincidir “sinergias” que todas em unássono possam oferecer o melhor de si mesmas para acompanhar esses processos. Trata-se de sinergias que vêm do próprio jovem professo, dos formadores acompanhantes, das fraternidades que os acolhem, da Prováncia inteira, de seus Ministros...

3.3. Formação de formadores

De onde eu posso observar, nestes últimos 25 ou 30 anos todas as Ordens e Congregações e todas as Prováncias fizeram um grande esforço para a boa formação de seus formadores. São muitos os que foram freqüentar faculdades e aulas em que, através de cursos, cursinhos, oficinas especáficas, etc. se possibilita uma adequada e especáfica formação de formadores.

Mas a formação de formadores continua a ser um desafio e um problema. E nunca se pode baixar a guarda. Freqüentemente hà zonas de uma determinada Ordem em que hà condições e os formadores necessàrios para uma boa formação, mas faltam talvez novas vocações em número suficiente (é o caso de muitas Prováncias de uma parte da Europa e também da àrea americana de lángua inglesa).

Por outro lado, existem outras zonas de uma determinada Ordem em que hà muitas vocações, mas faltam formadores preparados e suficientes em número. Nesses casos a formação amiúde continua a ser massificada, pouco personalizada, onde é difácil o acompanhamento pessoal e a formação como processo e o discernimento das motivações que estão por baixo de uma vocação; nessas zonas existe o risco de oferecer uma formação pouco processual e personalizada, mais como cumprimento de uma série de normas e de horàrios do que como incitação a uma vida que nasce de dentro e se expande para fora buscando sempre a originalidade e riqueza de cada irmão; existem formadores capazes de fazer cumprir normas e horàrios e cumprir um programa, mas muitas vezes lhes falta experiência no acompanhamento pessoal fraterno e no discernimento vocacional.

3.4. Ruptura entre formação inicial e vida da Província

Refiro-me aqui a uma problemàtica que é antiga como a formação; essa espécie de esquizofrenia ou ruptura-desdobramento entre o que se oferece e promete na formação inicial e o que depois pode oferecer de fato uma fraternidade ou uma Prováncia.

Por uma parte, estamos mantendo a formação inicial em ambientes privilegiados, zonas especialmente preparadas para isso mas que freqüentemente não correspondem à verdade e à vida dos irmãos nas fraternidades, como eu quis dizer acima. Existe em muitas Prováncias como dois ritmos, dois modos, dois estilos de viver a vida franciscana: a do principiante, a quem se exige cert radicalismo não isento de rigidez e a do adulto que està nas fraternidades mas que vive “como quer”, com risco amiúde de um enorme individualismo e até em condições mánimas de sobrevivência vocacional.

Se é correto o que digo aqui, amiúde falta esse encontro e diàlogo em verdade entre formação inicial e formação permanente. Os irmãos todos e as fraternidades querem e pedem novas vocações, mas depois em alguns casos não sabem o que fazer com essas novas vocações; hà irmãos de fraternidades inteiras que preferem que não venham os novos irmãos porque isso “complica” muito seu sistema e sua vida; a presença de irmãos jovens é molesta porque vêm com outros modos e outras exigências que denunciam o esvaziamento e aburguezamento de algumas opções dos mais adultos. Ao mesmo tempo, os candidatos agüentam estoicamente e com submissão a pressão e a rigidez da formação inicial, mas desejosos de chegar à profissão solene para “finalmente fazer também eu o que todos os outros fazem”.

Existe em tudo isso uma artificialidade que dificulta uma boa formação dos candidatos e que precisa ser revisado por todos, porque a formação, é preciso dizer mais uma vez, não é questão só dos formadores, é assunto de todos os irmãos e de todas as fraternidades de uma Prováncia.

3.5. Formação para a Instituição?

Falo de uma problemàtica que està aparecendo em algumas Ordens e Congregações e que vou formular mais como pergunta do que como afirmação. A questão é a seguinte (mesmo que pareça muito simplista): quando acompanho um candidato na formação, estou fazendo isso para fortalecer a Instituição para que essa possa continuar prestando os serviços e compromissos jà adquiridos anteriormente ou a estou acompanhando para que na autonomia e liberdade, sempre em discernimento, se forme para desenvolver suas qualidades pessoais e originais em favor de sua própria realização?

Não hà dúvida nenhuma de que a Instituição (digamos: uma fraternidade concreta, uma Prováncia, a própria Ordem) tenha suas próprias necessidades de pessoal, de novos irmãos que possam ir ocupando os lugares deixados vazios por outros! A Instituição tem uma missão a cumprir, uma missão a desenvolver e, para isso, precisa de novos reforços.

Por outra parte, do ponto de vista da autonomia e originalidade das pessoas, cada um de nós é chamado a desenvolver suas próprias qualidades, a ser criativo e original. Una criatividade e originalidade que é possável que me levem por caminhos que não coincidem com as necessidades institucionais e mesmo com a sensação de que estamos fomentando o personalismo…

Aqui vem a pergunta: formamos para a Instituição ou formamos para essa originalidade e criatividade das pessoas? E é um problema que nem todas as Prováncias resolveram, nem todos os candidatos viram com clareza e é um problema de não fàcil solução, porque é complexo. Porque existem dois perigos: ou o perigo da mâxima institucionalização (esquecendo o ser e originalidade das pessoas), ou o da mâxima personalização (esquecendo que pertencemos a uma fraternidade que tem sua missão a cumprir na Igreja).

É um problema que vai adquirindo força com as novas correntes que favorecem a autonomia das pessoas e a criatividade. Gostaria de afirmar que São Francisco de Assis caminha mais por este respeito e potenciação das pessoas (“cada um trabalhe naquilo em que Deus lhe der a graça” (cf.1Reg 7,3); mas sem esquecer que nos devemos a uma fraternidade (local, provincial e à Ordem) que tem uma missão a cumprir na Igreja.

Mas hà mais. Nestes tempos em que a Igreja e nossas Ordenes estão mergulhados nessa busca de

novas identidades, novas presenças, novos serviços para oferecer; em tempos também em que em alguns ambientes vai decaindo a demanda religiosa, a pergunta se torna aguda: temos que formar nossos poucos jovens para que continuem a fazer o de sempre na manutenção das presenças e serviços de sempre ou vamos ter que lhes possibilitar e animà-los para novas buscas, novas formas de presença, novas formas de fraternidades, novos serviços, novas formas até de evangelização?

Creio que não existe uma fórmula màgica que dê uma resposta vàlida e para sempre. Uma vez mais, precisamos ter maturidade e equilábrio para poder discernir cada vez o que mais agrada a Deus e mais é necessàrio neste momento pela Prováncia e a Ordem, levando em conta essa tensão necessària entre Instituição e pessoa, entre manutenção e criatividade e tentando não cair nem na absoluta institucionalização nem na absoluta personalização; sem descuidar também dessa tensão necessària entre romper e abrir novos sulcos onde lançar a semente do evangelho e semear nos sulcos de sempre…

4. ESTÁ NA HORA DO IRMÅO MENOR

4.1. A hora do franciscanismo

Chegando ao final desta reflexão, quero afirmar com força que “esta é a hora do franciscanismo”. Não quero ser ingênuo e tenho consciência, pelo menos em parte, das estruturas socioeconômicas e culturais que nos envolvem e dificultam e não pouco nosso caminho; percebo os enormes problemas que a formação levanta hoje; e vejo também, no sem dor, as paralisias e escleroses que nossas fraternidades sofrem com freqüência. Estou muito consciente dos muitos problemas com que temos que nos enfrentar cada dia, envolvidos como estamos no meio de uma sociedade em contánua mudança e em confrontação com muitos de nossos valores e propostas.

Mas afirmo com força: “é a hora do franciscanismo; é nossa hora, é a hora da formação!”, É a hora do franciscanismo porque os homens e mulheres de hoje pedem como nunca a presença de irmãos franciscanos que cantem a Deus e cantem à vida em suas múltiplas e ricas expressões; as pessoas da civilização opulenta de Ocidente não buscam tanto nem só ter mais, mas buscam sentido e o franciscanismo é uma alternativa ao sem-sentido; os pobres de qualquer parte do Sul buscam irmãos que os ajudem a fazer seu caminho para a felicidade agarrados solidariamente a sua mão.

É a hora do franciscanismo porque fazem parte de sua natureza a busca, a relação e o encontro, e o homem e a mulher de hoje são buscadores, buscadores sobretudo de uma relação de qualidade e buscadores do encontro, com Deus e com o irmão; essa é sua maior ânsia.

Por isso, é a hora também de convocar vocações. Sem alardes, mas sem complexos, como irmãos, os franciscanos todos, devemos renovar nossas estratégias de pastoral vocacional e nos lançar com decisão para oferecer o melhor que nós temos: nossa simples vida evangélica em fraternidade menor e solidària com todos os homens. Temos tanto para oferecer! Podemos oferecer tudo que faz crescer e amadurecer e desabrochar os homens e é justamente isso o evangelho de Jesus vivido em fraternidade menor.

É a hora do franciscanismo porque o mundo do evangelho que o franciscanismo quer expressar não é um “status” fechado e definido de uma vez para sempre; o franciscanismo é a busca apaixonada de Deus e do homem nas novas circunstâncias mutàveis da vida. Por isso, cabe a todos nós a honra e a responsabilidade de continuar a abrir caminhos, caminhos novos para Deus e caminhos novos para todos os homens; integrando tudo que facilita e atualiza a vida evangélica.

4.2. A hora também da fraternidade

É a hora da fraternidade, a hora dos irmãos, a hora do cuidado mútuo. Do que eu posso conhecer da vida religiosa e franciscana, posso afirmar que hoje necessitamos de irmãos, de fraternidades. As Prováncias que contam com mais jovens e estão começando precisam do apoio e do alento de irmãos adultos e experimentados que os acompanhem em seu amadurecimento e crescimento. As outras Prováncias que têm mais irmãos maiores, anciãos, e com poucas perspectivas de futuro, precisam de irmãos mais jovens que acompanhem os irmãos mais velhos na vivência de sua vocação nas crises da velhice. As Prováncias que têm a graça de ter irmãos de meia idade precisam de irmãos que os ajudem a recolocar suas crises de redução e de primeiro realismo.

Muitas vezes, sem saber pó ronde começar, desorientados no meio de tantas ofertas, como é importante que haja irmãos que possibilitem uma vida fraterna simples, talvez sem grandes estruturas, mas que sejam “significativas”, que sejam sinal, apoio e luz para outros irmãos! O cuidado mútuo, o cuidar um do outro e oferecer-nos vocacionalmente foi e é uma prioridade nestes tempos.

4.3. É a hora da formação integral

Mas todas estas novas situações exigem de todos nós, jovens e adultos, candidatos e irmãos professos, uma nova e permanente formação.

Precisamos de uma boa formação inicial que possibilite a nossos candidatos boas ferramentas para seu crescimento vocacional integral; para isso, teremos que repensar continuamente nossas ferramentas formativas: a pastoral vocacional, nossas casas de formação, os formadores, professores, nossos Centros de Estudo e especialmente teremos que nos perguntar cada vez se o que oferecemos corresponde verdadeiramente à situação e necessidades dos candidatos, às novas situações da Igreja e do mundo e, em definitiva, devemos perguntar-nos se a nossa vida, como a encarnamos, corresponde à vontade de Deus...

E também precisamos de uma boa formação permanente pela qual todos os irmãos tentemos responder melhor à vontade de Deus nestes tempos tão interessantes e tão desafiadores. “Senhor, que queres que eu faça?” foi a pergunta de Francisco de Assis e continua a ser a pergunta de todos os franciscanos. E não bastará perguntar, vai ser preciso responder à pergunta adequando nossos corações e nossas estruturas às novas situações que se nos apresentam. Isso vai exigir também um repensar a composição e sobre tudo a qualidade de nossas reaçães fraternas, a qualidade de nossa busca de Deus, a qualidade do serviço evangélico que prestamos... Porque, no meu modo de ver, chegou a hora, ao menos no Ocidente que eu conheço melhor, de nos perguntarmos menos pelos “quantos” e mais pelos “comos”. Creio que temos que nos libertar um pouco da lógica do quantitativo e do numérico e buscar mais a lógica da qualidade de nossas vidas e presenças.

Definitivamente, este tempo exige de todos nós que entremos nessa dinâmica da “vida em penitencia” que não é outra coisa senão a da conversão, que hoje se entende como formação: formação inicial e formação permanente.

J. M. Arregui OFM Selecciones de Franciscanismo 103 (2006) págs 47-65

Trad. Frei José Carlos Corrêa Pedroso