Anônimo Perusino - Capítulos 7-9

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Capítulo 7

Como foram a Roma e o senhor papa lhes concedeu a Regra e pregação.

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1 Vendo o bem-aventurado Francisco que a graça do Salvador aumentava seus frades em número e merecimento, disse-lhes: — “Estou vendo, irmãos, que o Senhor quer fazer de nós uma grande congregação.2 Por isso vamos a nossa mãe, a Igreja Romana, contemos ao Sumo Pontífice o que o Senhor está fazendo por nós, e vamos fazer o que começamos por vontade e preceito dele”. 3 Como lhes agradou o que dissera, tomou consigo os doze frades e foram para Roma.

4 Quando iam pelo caminho, disse-lhes: — “Vamos fazer um de nós como nosso guia e o tenhamos como um vigário de Jesus Cristo para nós. 5 Para onde lhe agradar virar, vamos virar, e quando quiser parar, vamos parar”. 6 Elegeram Frei Bernardo, o primeiro que tinha sido recebido pelo bem-aventurado Francisco e, como dissera, puseram em prática.

7 Iam alegres, falando palavras do Senhor; nenhum deles ousava dizer nenhuma coisa que não fosse para louvor e glória do Senhor, e que fosse para utilidade de suas almas, ou se entregavam à oração. 8 E o Senhor lhes preparava, em tempo oportuno, o alimento e hospedagem.

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1 Quando chegaram a Roma, encontraram o bispo da cidade de Assis, que nesse tempo estava em Roma.2 Ao vê-los acolheu-os com grande alegria.

3 O bispo era conhecido de um Cardeal, chamado dom João de São Paulo, homem bom e religioso, que amava muito os servos do Senhor. 4 A ele o bispo já falara sobre o projeto e a vida do bem-aventurado Francisco e de seus frades. 5 O qual, tendo ouvido isso, Com estas informações, tinha um grande desejo de encontrar o bem-aventurado Francisco e alguns de seus irmãos. 6 Sabendo que estavam na cidade, mandou chamá-los e os fez vir a sua casa. 7 Vendo-os, recebeu-os com devoção e amor.

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1 Depois de terem morado uns poucos dias com ele, e de ter visto refulgir em obras o que ouvira falar sobre eles, amava-os profundamente. 2 E disse ao bem-aventurado Francisco: — “Recomendo-me às vossas orações, e quero que me tenhais como um de vossos irmãos. Por isso, dizei-me, a que viestes?”. 3 Então o bem-aventurado Francisco contou-lhe todo o seu propósito, e que queria falar ao Senhor Apostólico, para prosseguir o seu modo de vida segundo o querer e mandamento dele. 4 Ele respondeu: “Quero ser vosso procurador na cúria do senhor Papa”.

5 Então foi à cúria e disse ao senhor Papa Inocêncio III: “Encontrei um homem perfeitíssimo, que quer viver segundo a forma do santo Evangelho e observar a perfeição evangélica. 6 Creio que o Senhor queira, por meio dele, renovar completamente a Igreja no mundo”. 7 Ouvindo isso, o papa ficou maravilhado e disse-lhe: “Trazei-o a mim”.

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1 No dia seguinte levou-o ao Papa. 2 O bem-aventurado Francisco explicou ao senhor Papa todo o seu propósito, como tinha dito antes ao cardeal.

3 O papa respondeu: “Vossa vida é muito dura e áspera, se quereis fazer uma congregação e não quereis possuir nada neste século. 4 De onde virá o que vos é necessário? 5 O bem-aventurado Francisco respondeu: — “Senhor, eu confio em meu Senhor Jesus Cristo. 6 Porque Aquele que nos prometeu dar a vida e a glória no céu, não vai tirar o que nos é necessário para o corpo na terra no tempo oportuno”. 7 O papa respondeu: — “O que dizes é verdade, filho; mas a natureza humana é fraca e nunca permanece no mesmo estado”. 8 Mas vai rezar ao Senhor de todo coração para que se digne mostrar o que é melhor e mais útil para vossas almas. 9 Quando voltares me dirás, e depois eu concederei”.

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1 Então saiu para a oração, orou ao Senhor com o coração puro, para que por sua inefável piedade se dignasse mostrar-lhe isso. 2 Quando já estava perseverando na oração e tinha recolhido todo o seu coração no Senhor, fez-se a palavra do Senhor em seu coração, e lhe disse por semelhança: 3 “No reino de um grande soberano havia uma mulher, muito pobrezinha mas bela, que agradou aos olhos do rei, que dela gerou muitos filhos. 4 Um dia a mulher  começou a refletir e a dizer consigo mesma: “O que farei, eu pobrezinha, que tenho tantos filhos, mas não tenho nada de que possam viver?’ 5 Enquanto estava nestes pensamentos, que davam um aspecto triste ao seu rosto, aparece o e lhe diz: ‘Que tens, pois te vejo preocupada, e triste?’ 6 Ela contou tudo que estava pensando. 7 O rei respondeu dizendo: ‘Não tenhas medo por causa da tua grande pobreza e nem te deixes levar pela angústia por causa dos filhos que tens e dos muitos que ainda vão nascer, pois se muitos mercenários têm abundância de pão em minha casa, não quero que meus filhos morram de fome: mas quero que eles ainda tenham mais que os outros”.

8 Francisco, o homem de Deus, compreendeu logo que era designado por aquela mulher pobrezinha. 9 E por isso o homem de Deus confirmou seu propósito de observar a santa pobreza daí em diante.

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1 E levantando-se na mesma hora foi ao Apostólico e contou o que o Senhor lhe havia revelado.

2 Ouvindo isso, o senhor Papa ficou veementemente admirado, porque Deus revelara sua vontade a um homem tão simples. 3 E soube que ele “não caminhava na sabedoria dos homens, mas na luz e na força do Espírito” (1Cor 2,4).

4 Em seguida o bem-aventurado Francisco inclinou-se e prometeu ao senhor Papa obediência e reverência com humildade e devoção. 5 E os outros frades, porque ainda não tinham prometido obediência, prometeram semelhantemente ao bem-aventurado Francisco obediência e reverência, conforme o preceito do senhor Papa.

6 E o senhor Papa concedeu-lhe a Regra, e também para os irmãos que tinha e para os que viriam. 7 Deu-lhe autorização para pregar em qualquer lugar, como lhe concedesse a graça do Espírito Santo, e que também os outros frades, aos quais fosse concedido o ofício da pregação pelo bem-aventurado Francisco, pudessem pregar.

8 Daí em diante o bem-aventurado Francisco começou a pregar ao povo pelas cidades e castelos, como o Espírito do Senhor lhe revelava. 9 O Senhor colocou em sua boca palavras honestas, melífluas e dulcíssimas de modo que mal podia alguém saciar-se de ouvi-lo.

10 O referido Cardeal, pela devoção que tinha para com o Irmão, fez dar a clériga a todos aqueles doze frades.

11 Depois o bem-aventurado Francisco mandou que duas vezes por ano houvesse capítulo, em Pentecostes e na festa de São Miguel, no mês de setembro.

Capítulo 8

Como mandou que se fizesse capítulo e dos assuntos que eram tratados no capítulo.

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1 Em Pentecostes todos os frades se reuniam em capítulo junto da igreja de Santa Maria da Porciúncula. Nesse capítulo tratavam como poderiam observar melhor a Regra. 2 Dividiam pelas diversas províncias os frades que deviam pregar ao povo, e que frades colocariam em suas províncias.

3 São Francisco fazia admoestações, repreensões e preceitos para os frades, como lhe parecia depois de ter consultado o Senhor. 4 Mas tudo que dizia em palavras, primeiro lhes mostrava por obras, com carinho e solicitude.

5 Venerava os prelados e sacerdotes da santa Igreja. 6 Reverenciava os mais velhos, honrava os nobres e os ricos; e também amava entranhadamente os pobres e tinha compaixão deles. 7 Afinal, mostrava-se submisso a todos.

8 Embora fosse o mais elevado de todos os frades, nomeava como seu guardião e senhor a um dos irmãos que moravam com ele, e lhe obedecia com humildade e devoção, para evitar toda ocasião de soberba. 9 Este Santo humilhava sua cabeça até a terra entre os homens, e por isso Deus o exaltou no céu entre os seus santos e eleitos.

10 Exortava os frades a observarem com solicitude o santo Evangelho e a Regra que tinham prometido; admoestava-os, sobretudo, a serem respeitosos para com os ofícios e ordenações da Igreja, a ouvirem com amor e devoção a missa, a verem o corpo. de Nosso Senhor Jesus Cristo; 11 a honrarem os sacerdotes que tratam esses venerandos e máximos Sacramentos, e em qualquer lugar que os encontrassem, a dobrarem a cabeça e beijar-lhes as mãos. 12 E se os encontrassem andando a cavalo, fizessem-lhes uma reverência, e não só lhes beijassem as mãos, mas até os pés dos cavalos que estavam montando, por reverência ao seu poder.

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1 Exortava-os a não julgar nem desprezar a nenhuma pessoa, nem mesmo aqueles que bebem, comem e vestem-se com luxo, como também está escrito na Regra. 2 “Pois nosso Senhor é o Senhor deles, e quem nos chamou pode chamá-los, e quem quis justificar-nos pode justificá-los”.

3 E dizia: — “Quero respeitar a todos como meus irmãos e senhores. 4 São meus irmãos, porque somos todos de um único Criador; são meus senhores porque nos ajudam a fazer penitência, dando-nos as coisas necessárias ao corpo”. 5 Também dizia-lhes o seguinte: —  “Tal seja vosso comportamento no meio do povo “de modo que, qualquer um que vos vir ou ouvir glorifique e louve nosso Pai que está nos céus”.

6 Tinha um desejo ardente de realizar sempre, ele e seus irmãos, ações pelas quais o Senhor fosse louvado. 7 Dizia-lhes: — “Assim como anunciais a paz com a boca, tende maior paz no coração, para que ninguém seja por vós provocado à ira e ao escândalo; mas todos sejam chamados à paz e bondade por vossa paz e mansidão. 8 Porque para isto fomos chamados: para curar os feridos, aliviar os esmagados, chamar de volta os que erraram. 9 Muitos nos parecem membros do diabo, mas ainda vão ser discípulos de Cristo”.

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1 Repreendia-lhes a excessiva austeridade com que tratavam o corpo. Porque naquele tempo os frades suavam demais nos jejuns, vigílias e exercícios corporais, para reprimir inteiramente os incentivos da carne. 2 Afligiam tanto a si mesmos que algum parecia ter ódio a si mesmo. 3 Mas ouvindo e vendo isso, o bem-aventurado Francisco os corrigia, como dissemos, e mandava que não fizessem tanto. 4 E era tão cheio da graça e sabedoria do Salvador, que fazia a admoestação devotamente; a repreensão, com bom senso; a imposição, com doçura.

5 Entre os irmãos reunidos em capítulo, ninguém ousava discutir negócios seculares com os outros; 6 mas conversavam sobre as vidas dos santos Padres, ou sobre a perfeição de algum frade, ou como poderiam chegar melhor à graça de nosso Senhor.

7 Mas se algum dos frades que tinham ido ao Capítulo tinha alguma tentação da carne ou do mundo, ou outra tribulação, ouvindo o bem-aventurado Francisco que falava fervorosa e docemente e vendo sua presença, desapareciam-lhes as tentações. 8 Pois falava com eles compadecendo-se, não como um juiz, mas como um pai com os filhos e um médico com o doente, para que se cumprisse nele o que foi dito pelo Apóstolo: 9 “Quem é fraco, que eu também não seja fraco? Quem tropeça, que eu não me consuma em febre?” (2Cor 11,29).

Capítulo 9

Quando os irmãos foram enviados por todas as províncias do mundo.

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1 Terminado o capítulo, abençoava todos os irmãos no Capítulo e destinava cada um deles às províncias, como queria. 2 A todos aqueles que possuíam o espírito de Deus e tinham eloquência para pregar, clérigos ou leigos, dava-lhes a licença e a obediência de pregar. 3 Eles recebiam sua bênção com grande alegria e contentamento no Senhor Jesus Cristo. 4 Iam pelo mundo como peregrinos e forasteiros, sem levar nada pelo caminho, a não ser os livros em que pudessem dizer suas Horas.

5 Onde quer que encontravam um sacerdote, pobre ou rico, inclinavam-se como tinham sido ensinados pelo bem-aventurado Francisco, fazendo-lhes uma reverência.

6 E quando era hora de se hospedar, preferiam ficar mais entre eles que entre os seculares.

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1 E quando não podiam hospedar-se com eles, perguntavam quem naquela terra era homem espiritual e temente a Deus, em cuja casa pudessem hospedar-se honestamente. 2 Pouco tempo depois, o Senhor inspirou um que o temia em cada cidade ou castelo onde deveriam ir, que lhes preparava hospedagens, até que eles mais tarde edificaram seus lugares nas cidades e aldeias.

3 O Senhor lhes deu palavra e espírito conforme a oportunidade do tempo, para proferir palavras agudíssimas que penetravam muitos dos corações dos ouvintes, e mais dos jovens que dos velhos. 4 Eles deixavam pai e mãe e todas as suas coisas, e os seguiam, tomando o hábito da santa religião. 5 E nesse tempo cumpriu-se da melhor maneira neste Religião a palavra do Senhor, que disse no Evangelho:6 Não vim trazer a paz à terra, mas a espada; 7 pois vim separar o homem de seu pai, a filha de sua mãe” (Mt 10,34-35). 8 Mas os frades levavam os que recebiam ao bem-aventurado Francisco, para serem revestidos por ele.

9 Do mesmo modo, muitas moças e sem marido, ouvindo a pregação dos frades, vinham a eles de coração compungido, 10 dizendo: “E nós, o que podemos fazer? Não podemos ficar convosco. 11 Dizei-nos então como devemos fazer para salvar nossa alma”. 12 Para tal fim mandaram fazer em cada cidade mosteiros reclusos para fazer penitência. 13 Também constituíram um dos frades para ser seu visitador e corretor.

14 Da mesma forma diziam homens que tinham esposas: “Nós temos a esposas, que não querem ser dispensadas. 15 Portanto, ensinai-nos que caminho podemos fazer saudavelmente”. 16 Mas eles constituíram com esses uma Ordem que é chamada dos Penitentes, fazendo com que fosse confirmada pelo Sumo Pontífice.