Capítulo 11
Querendo o diabo causar uma tribulação mundana a Frei Junípero, foi ter com um tirano muito cruel, chamado Nicolau, senhor de um castelo que na ocasião estava em uma guerra mortal com os viterbenses, dizendo-lhe: “Senhor, está para chegar um traidor mandado pelos viterbenses para logo vos matar e incendiar o vosso castelo. Terás este sinal bem garantido: ele tem uma roupa esfarrapada e pobrezinha, com um capuz assim revirado e totalmente rasgado, e traz consigo uma sovela com que vai vos matar e uma pedra de fogo para incendiar em uma noite todo o castelo”. Assustado com essas palavras e até horrorizado, o tirano Nicolau mandou imediatamente guardar as portas com mais atenção e, se aparecesse um homem com aqueles sinais, fosse rapidamente levado a ele. Nisto, Frei Junípero, vindo sozinho a esse castelo, porque tinha recebido do ministro licença de ir sem companheiro, encontrou-se com alguns moços depravados que, por brincadeira, puxavam e rasgavam todo o seu capuz. Mas ele colaborava e os animava com suas palavras.
Capítulo 12
Quando esses porteiros estavam observando, veio Frei Junípero, com o hábito todo em pedaços, pois dera uma parte aos pobres, e com o capuz rasgado, nem parecia um frade menor. E de repente foi preso impetuosamente e levado ao tirano. Revistando-o cuidadosamente, encontraram a sovela que levava para consertar as solas e também a pederneira que tinha para acender fogo, porque tinha cabeça fraca e freqüentemente morava em lugares desertos.
Capítulo 13
Por ordem do tirano, logo apertaram sua cabeça tão fortemente com uma corda que penetrou na carne. Colocaram-no também na tortura e seu corpo ficou quase todo cruelmente esticado e desarticulado. Nisso, perguntaram quem ele era e respondeu que era o maior pecador. Perguntaram se queria trair a cidade e ele respondeu que era o maior traidor e indigno de qualquer bem. Perguntaram se queria matar Nicolau com a sovela e incendiar o castelo e ele respondeu que faria até coisas piores, se Deus permitisse.
Capítulo 14
Foi imediatamente julgado para ser antes arrastado pela cidade preso à cauda de um cavalo e depois pendurado pelo pescoço. Ele não manifestou nenhuma desculpa nem tristeza, mas até demonstrava alegria. Logo se fez um grande ajuntamento de povo e Frei Junípero foi puxado pelo cavalo, com os pés e as mãos amarrados, para depois ser enforcado.
Capítulo 15
Afinal alguém correu ao Lugar dos frades menores na cidade e pediu ao guardião fosse depressa ver um traidor que estava para ser enforcado, mas parecia não se importar com confissão, salvação da alma ou morte do corpo e o convencesse a confessar-se e converter-se para o bem. Zeloso, o devoto guardião foi correndo encontrá-lo.
Capítulo 16
Quando se aproximou, ouviu Frei Junípero gritando: “Malvados, não façais assim porque essa corda está machucando a minha perna”. Ouvindo isso, o guardião achando que podia ser a voz de Frei Junípero que ele estivesse ouvindo, avançou pelo tumulto da turba e com dificuldade chegou perto dele. Quando tirou o pano de linho que, de acordo com o costume, escondia o seu rosto, reconheceu-o e, com toda razão, ficou estupefato. Mas, como se nem pensasse em seus sofrimentos e humilhações, viu o guardião e lhe disse sorrindo: “Ó guardião, como estás tão gordo”! Mas o guardião, penalizado e em lágrimas quis dar seu hábito para Frei Junípero. Mas ele riu e respondeu: “O malvado, tu és gordo e não vais ficar bem sem a túnica. Não a quero”.
Capítulo 17
Então o guardião rogou aos executores e ao povo ao redor que esperassem enquanto ele ia pedir a graça ao referido Nicolau. Crendo que se tratava de um parente dele, ficaram com pena e esperaram a resposta do tirano. O guardião foi ao tirano e, em pranto, declarou que o que estava sendo levado à forca como traidor era um dos frades mais perfeitos que a Ordem tinha em todo o mundo e se chamava Frei Junípero.
Capítulo 18
O tirano ficou muito espantado, pois já tinha ouvido falar da santidade do frade, e acorreu todo assustado, prostrou-se diante de Frei Junípero e pediu perdão com humildade. Concordando de boa vontade, ele foi libertado das cordas. Nicolau acrescentou: “Agora eu sei que está se aproximando o fim de meus males e da vida corporal. Pois, como tratei tão cruelmente este santo sem culpa, mesmo sem saber, Deus não me vai manter mais, porque vou morrer de má morte”. E assim Frei Junípero foi embora. Depois de pouco tempo o tirano Nicolau foi cruelmente assassinado à espada.
Capítulo 19
Frei Junípero tinha tanta piedade para com os pobres que, quando encontrava alguém com a roupa exterior mais pobre, logo descosturava uma manga, o capuz ou outra peça do hábito para dar ao pobre. Por isso o guardião lhe proibira dar a quem quer que fosse a túnica ou uma parte dela. Mas, uma vez em que encontrou um pobre pedindo esmola, sofrendo todo de compaixão, disse: “Querido, não tenha o que lhe dar a não ser esta túnica, que também não posso dar impedido por um preceito da obediência. Mas se me tirares, não vou impedir”. O pobre espoliou-o, pegou o hábito e foi embora, deixando-o despojado. Quando voltou aos frades disse que tinha sido espoliado por um homem.
Capítulo 20
Na medida em que sua piedade crescia, dava aos pobres não só a túnica, mas também livros, paramentos do altar e as capas dos outros frades. Por isso, quando vinham pobres pedir esmolas a Frei Junípero, os frades tiravam ou escondiam o que queriam para si, para que Frei Junípero não o encontrasse.