Capítulo 21

Uma vez, a pedido do sacristão, na festa do Natal na cidade de Assis, ficou tomando conta de um altar muito enfeitado, ocupado em meditações na igreja, diante do altar mor. Uma mulher pobrezinha pediu-lhe esmola. Respondeu-lhe: “Vem, vou ver se neste altar tão enfeitado consigo encontrar alguma coisa para ti”. E lá estava um frontal precioso, do qual pendiam campainhas de prata. Olhando para cá e para lá, Frei Junípero viu as campainhas de prata e disse:  “Para que servem essas campainhas colocadas só por superfluidade? Removeu todas com uma faca e as deu à mulher pobrezinha.

Capítulo 22

Enquanto isso o sacristão, tendo comido um pouquinho, começou a se recordar dos modos de Frei Junípero e, com medo de que espoliasse o altar, foi de repente para a igreja e, quando olhou para os enfeites do altar, viu que as campainhas de prata tinham sido tiradas. Vendo-o ansioso e perturbado, Frei Junípero lhe disse: “Não fiques preocupado por causa daquelas campainhas: eu as dei a uma mulher pobrezinha porque muito precisava e elas não serviam para nada a não ser para uma demonstração de vaidade”.

Capítulo 23

Ouvindo isto, o sacristão ficou furioso principalmente porque mesmo procurando muito não encontrou a mulher. Pegou o frontal e foi se queixar de Frei Junípero a Frei João Parenti, geral da Ordem, porque tinha tirado as campaninhas, destruindo o frontal.

Capítulo 24

Respondeu-lhe o geral Frei João: “Não foi ele que fez isso, mas a tua doidice, porque deixaste o altar para ele guardar. Não sabes como Frei Junípero se comporta? Fico mais admirado porque ele não deu mais coisas. Mas vou fazer-lhe uma boa correção”. Depois das Vésperas, tendo convocado todos os frades para um capítulo, repreendeu aí duramente a Frei Junípero por causa das campainhas. E como continuou a repreendê-lo com muito fervor, ficou um pouco rouco.

Capítulo 25

Frei Junípero, pouco se incomodando com tais palavras, porque se alegrava quando o vituperavam, começou a ficar mais compadecido pela rouquidão do Geral. Por isso, pensando em um remédio, foi à cidade e mandou fazer uma tigela de mingau com manteiga. Alta noite, foi ao quarto do geral com a tigela e uma vela acesa.

Capítulo 26

Quando o Geral abriu para quem batia, vendo-o com a tigela, disse: “Que queres agora, nesta hora?” Ele respondeu: “Irmão, quando tu me repreendias no capítulo reparei que estavas rouco; por isso mandei fazer para ti este mingau com manteiga. Creio que, se o comeres, vai te fazer bem”. Mas o Geral não quis comer e mandou-o embora. Frei Junípero insistia que devia absolutamente comer aquele mingau. Como estava insistindo importunamente, o Geral ficou perturbado e disse: “Vai, besta; crês que eu vou comer nesta hora? Como ele continuou a rogar e o Geral não concordava, Frei Junípero disse-lhe: “Irmão, como não queres comer, segura a vela para mim que eu vou comer”. Mas o geral, como era todo devoto e piedoso, derretido por dentro diante de tanta simplicidade caridosa de Frei Junípero, respondeu: “Irmão, já que queres, vamos comer juntos”. E assim, comendo ambos o mingau ficaram mais acalmados pela devoção do que pela comida.

Capítulo 27

Uma vez, Frei Junípero resolveu fazer silêncio por seis meses, deste modo. No primeiro dia, propôs não falar por reverência a Deus Pai; no segundo por reverência ao Filho; no terceiro por reverência ao Espírito Santo; em outro por amor da Virgem Maria e assim, em seguida, por reverência a algum santo, mantendo o silêncio por tal tempo  sem nada falar.

Capítulo 28

Uma vez, estando freis Egídio de Assis, Simão de Assis, Rufino de Cipião e Junípero reunidos a conversar sobre Deus e a salvação da alma, Frei Egídio disse aos outros: “Que fazeis com as tentações da carne?” Disse Frei Simão: “Eu penso na torpeza desse pecado e sinto tanta abominação que escapo”. Disse Frei Rufino: “Eu me jogo no chão e fico tanto tempo prostrado em oração implorando clemência a Deus e à Virgem Maria até que me sinto perfeitamente livre”.

Capítulo 29

Disse Frei Junípero: “Quando sinto o estrépito dessas sugestões diabólicas no cerne da carne, fecho logo as portas do coração e mantenho toda a fortaleza da carne ocupada em santas meditações e desejos como uma defesa segura. Mas quando essas sugestões atacam como se estivessem batendo na porta do coração, eu respondo lá de dentro como se a porta não estivesse fechada: Fora, fora, porque a hospedaria já está ocupada e por isso não podes ser recebido aqui. E assim nunca deixo entrar. Elas, vencidas, vão embora de toda a região”. Mas Frei Egídio logo respondeu: “Estou contigo, Frei Junípero, porque com esse pecado o homem luta mais segura e discretamente fugindo, porque dentro está traidor apetite da carne e fora o corpo sente esse exército tão grande e tão forte. Se não for assim, a luta é forte e é difícil vencer”.

Capítulo 30

Uma vez, o humilde Frei Junípero perguntou a um frade como gostaria de morrer. Ele respondeu: “Eu gostaria de morrer em algum convento em que houvesse uma multidão de frades para que todos suplicassem a Deus pela salvação da minha alma”. “E eu, disse Frei Junípero, gostaria de feder tanto nessa ocasião que nenhum frade pudesse chegar perto de mim. De modo que, no fim, acabassem me jogando em algum valo e aí eu morresse sozinho e abominável, privado de sepultura, deixado para os cães devorarem”.