Capítulo 31

Como um grande amigo dos frades quisesse muito ter Frei Junípero como seu hóspede, para honrá-lo e para ter com ele alguma consolação espiritual, mas Frei Junípero fugia das honras como se fossem um veneno e recusasse ir a sua casa, por insistência de um homem tão devotado à Ordem, para cumprir seu desejo Frei Junípero foi obrigado por seu superior. Quando chegou à hospedaria do referido senhor, foi recebido por ele e toda a sua família com muita alegria, solenemente festejado. Mas ele recebia honras e aplausos como se fossem ofensas mortais, e não puderam arrancar dele nenhuma boa palavra ou sinal de devoção, mas demonstrava sempre estar ofendido e ter a maior displicência. O senhor, que ouvira falar da sua grande fama de santidade, ficou admirado. Afinal pensou que talvez estivesse cansado da viagem e preferisse descansar. Ele foi levado para um bom quarto no qual havia uma boa cama, preparada com bonitos lençóis e lá o deixaram sozinho para descansar. Mas ele, levantando-se bem cedo, sujou a cama de lama e foi embora sem se despedir, como um fugitivo. O senhor ficou muito escandalizado com ele. Quando Frei Junípero soube disso porque foi contado pelos frades, que tinham ouvido os boatos e o criticavam por tão grande ofensa feita ao amigo, aprovou as repreensões pelo desprezo do referido senhor, manifestava interior e exteriormente uma enorme alegria.

Capítulo 32

Uma vez Frei Junípero, entrando em Viterbo, ficou totalmente nu para ser confundido. Pondo as calças na cabeça, amarrou o hábito com o cordão como um embrulho e o colocou no pescoço. E assim foi nu até a praça pública da cidade. Quando lá se assentou, os jovens, achando com razão que era um louco, atacaram-no com caçoadas, barro e pedras. Depois que tinha sido maltratado e afligido por muito tempo, voltou nu para o convento. Quando os frades o viram ficaram confundidos e escandalizados. Irados, flecharam-no com duras repreensões e ofensas, julgando alguns que ele merecia ser preso, ou enforcado ou mesmo queimado. Frei Junípero ouvia tudo muito alegre e dando gargalhadas confirmava que merecia todas aquelas penas e até maiores por tão grande escândalo.

Capítulo 33

Viajando para ir morar em Roma, onde sua fama de santi­dade já estava divulgada, muitos romanos foram por devoção ao seu encontro. O homem humilde viu-os de longe e, considerando prudentemente a causa de sua chegada, decidiu que sua presença iria desfazer a fama que tinha sido divulgada na ausência, de tanto que ele daria o que falar na frente dos devotos.

Capítulo 34

Por isso, vendo dois meninos sentados nas pontas de uma tábua colocada transversalmente sobre um toco, ocupados com esse brinquedo infantil de maneira que, quando um menino abaixava a ponta da tábua levantava a outra ponta com o menino que estava sentado, e ao contrário, como se faz numa gangorra, Frei Junípero tirou logo um menino de uma ponta da tábua e se pôs a brincar com o outro. Então chegou a multidão de romanos e, como todos vissem que ele estava brincando, ficaram admirados, mas saudaram-no reverentemente. Mas Frei Junípero, sem se importar com sua reverência e devota saudação, parecia ainda mais entregue àquela brincadeira.

Capítulo 35

E assim esperando por muito tempo, ao verem que ele não largava o brinquedo, alguns por desprezá-lo, outros porque julgaram que a fama divulgada na verdade era outra coisa, voltaram todos para casa. Mas Frei Junípero, quando todos foram embora, levantou-se alegre pelo desprezo e entrou escondido em Roma.

Capítulo 36

Uma vez, Frei Junípero estava em um pequeno Lugar dos frades e todos os frades tinham que sair. Pediram-lhe que cozinhasse alguma coisa. Ele prometeu que o faria de boa vontade. Mas quando eles saíram, Frei Junípero começou a pensar no assunto e disse: “Que é isso? Será que um frade tem que se ocupar todos os dias com essas refeições e ser perturbado em sua dedicação à oração? Vou cozinhar hoje tanto que dê para os frades tenham bastante que comer por quinze dias”.

Capítulo 37

E assim, todo solícito, entrou na vila, pediu emprestadas muitas vasilhas grandes, ovos, galinhas e diversos tipos de verdura. Encheu todas as panelas de água, colocou-as no fogo e depois pôs as ervas e verduras, os ovos com casca e as galinhas com penas para cozinharem juntos. Nesse meio tempo, chegou um frade que era amigo de Frei Junípero e costumava aprovar suas simplicidades. Acolhido por Frei Junípero, vendo aquele fogaréu e tantas panelas fervendo, ficou admirado, lembrando um pouco da simplicidade de Frei Junípero. Sentou-se junto ao fogo e, calado, observou todas as ações e gestos dele.

Capítulo 38

Pois viu com que solicitude ele passava de uma panela a outra, remexendo o que estava dentro com um pau, colocando lenha, soprando o fogo e assim fazendo sem cessar alguma coisa de cozinha. Na verdade, como o calor era muito e não podia se aproximar bem, pegou uma tábua e amarrando-a ao seu corpo com cordas postas de um lado e do outro, para se defender do ardor do fogo. Tirou as panelas para quando todos os frades voltassem para o conventinho e fossem para a mesa. Frei Junípero disse-lhe: “Vamos comer bastante e depois vamos orar, e ninguém tem que se preocupar com a cozinha nestes quinze dias, porque eu já preparei o suficiente”.

Capítulo 39

Depois, serviu as travessas aos frades, e ovos com casca e galinhas sem parte das penas. Mas as penas que as galinhas tinham perdido na fervura os frades encontraram no fundo das tigelas. E logo, para que uma simplicidade viesse depois da outra, pegou uma galinha com penas e, para animar os frades a comerem, colocou-a na boca sem cortar, só quebrando, e disse que aquela galinha era boa para confortar o cérebro: “Questa me terrà humido lo corpo: esta vai manter o corpo úmido”.

Capítulo 40

Os frades ficaram admirados com tanta simplicidade, tomando a doidice como um exemplo de grande sabedoria. Mas o guardião ficou muito bravo com ele. Então Frei Junípero se ajoelhou no chão diante dos frades confessando humildemente a sua culpa e dizendo que era um homem mau, e contava os pecados que tinha cometido no século. E dizia: “Fulano foi cegado por seus deméritos, sicrano foi enforcado. Eu deveria ser enforcado por meus males e porque fui tão grande destruidor dos benefícios de Deus e da Ordem”. E assim se retirou e não quis aparecer na frente dos frades o dia inteiro. Mas o guardião disse aos frades: “Eu gostaria que esse frade consumisse todos os dias todos esses bens, se os tivéssemos, contanto que assim me edificasse todos os dias”.

Capítulo 41

Uma vez, vivendo Frei Junípero no Vale de Espoleto, e sa­bendo que em Assis havia uma grande solenidade e muita gente reunida, foi nu e sem calças até Assis passando por Spello e outros dois castelos, e atravessando pelo meio da cidade e de todo o povo, assim foi aos frades. Escandalizados, eles o repreenderam dizendo que era um doido e por causa dele a Ordem tinha sido envergonhada. Mas o geral, convocando os frades, repreendeu-o duramente. Depois de uma áspera advertência, disse-lhe: “Que penitência eu poderei te dar, que corresponda a tamanho exagero”? Frei Junípero respondeu: “Eu te direi, padre, que como eu vim nu vou voltar nu pelo mesmo caminho”.

Capítulo 42

Uma vez, Frei Junípero também teve um arrebatamento na Missa. Então os frades deixaram-no lá sozinho. Quando voltou a si, foi ao encontro dos frades gritando: “Quem é tão nobre nesta terra que não levaria de boa vontade um cesta de lama sobre a cabeça pela região se lhe dessem uma casa cheia de ouro?” E dizia: “Ai de mim! Por que não queremos suportar um pouco de vergonha para poder ganhar a vida eterna?”

Capítulo 43

Uma vez Frei Junípero estava orando e talvez  tenha pensado alguma coisa de grande sobre si mesmo. Apareceu-lhe uma mão no ar e ouviu uma voz que lhe dizia: “Sem esta mão, nada podes fazer”. Ele se levantou imediatamente e gritava, correndo pela casa: “É verdade, Senhor, é bem verdade!” E repetia isso continuamente, gritando.

Capítulo 44

Frei Junípero tinha um companheiro chamado Accentialbene, de grande obediência, paciência e virtude. Pois se alguém passasse o dia batendo-lhe, não soltava uma palavra de queixa. Algumas vezes era mandado a lugares onde havia famílias perversas, das quais tinha que suportar com a maior paciência muitos opróbrios. Quando Frei Junípero mandava, ele chorava na mesma hora, e quando mandava, ele ria. Quando Frei Junípero soube que esse frade tinha morrido, ficou muito triste e clamava: “Não tenho mais nenhum bem no mundo”. E dizia: “Se não fosse por eu não poder viver com os frades, e não me quisessem suportar, eu iria logo para o sepulcro dele e pegaria a sua cabeça. Dividiria em duas partes para fazer de uma delas uma tigela para comer, e de outra uma caneca para beber”.