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O afeto que, por amor ao Criador, tinha por todas as criaturas; quanto respeito mostrou pelo nome e pelas palavras do Senhor; sua compaixão pelos pobres.

41.

1 A doçura do amor de Deus enchera tanto a mente do bem-aventurado Francisco que, vendo em tudo a obra admirá­vel do Criador, dedicava a todas as criaturas uma afetuosa ternu­ra.

2 Entre as outras, porém, amava especialmente as ovelhinhas, porque via que eram de uma natureza mais simples e mansa e porque soubera que, por seu nome e por causa de alguma semelhança, na Sagrada Escritura elas são figura de Cristo.

3 Pois, certa ocasião, passando pela Marca de Ancona em companhia de Frei Paulo, que aí constituíra ministro (At 26,16), viu um grande rebanho de bodes e de cabras pastando num cam­po e só uma ovelhinha pastando no meio de todas aqueles animais.

4 Ao vê-la, comoveu-se muito e disse ao irmão: “Vês aquela única ovelhinha andando entre os bodes e as cabras?

5 Foi assim que Nosso Senhor Jesus Cristo, inocente, manso e humilde andou no meio de escribas, fariseus e príncipes dos sacerdotes.

6 Por isso, filho caríssimo, paguemos o preço e tiremo-la do meio (Sl 135,11) do rebanho das cabras”.

42.

1 Como não tinham mais nada para resgatar a ovelha a não ser pobres túnicas, eis que passou comerciante, que se ofereceu de boa vontade para isso: pagou o preço e deixou a ovelha para o santo.

2 Feliz, ele a levou consigo para a cidade de Ósimo, para onde se ia, e foi ao bispo do lugar para se hospedar.

3 De início, o bispo se admirou que ele trouxesse a ove­lha; mas Francisco começou a contar uma longa parábola sobre ela, até que o próprio bispo deu graças ao Altíssimo, não pouco im­pressionado com tanta simplicidade e pureza do homem de Deus.

4 No dia seguinte, o homem de Deus dirigiu-se a um mosteiro de monjas, em San Severino, e confiou a ovelhinha às servas de Cristo.

5 Elas, por reverência ao santo, a aceitaram. Cheias de devoção, elas a alimentaram com cuidado por muito tempo, até que, com sua lã, conseguiram tecer uma túnica, que doaram ao santo como dom do Frei Ovelhinha”.

43.

1 Noutra.ocasião, passando também pelas Marcas em companhia do mesmo frade, no caminho encontrou um homem que levava aos ombros dois cordeirinhos para vender.

2 Quando o bom pai os ouviu balir, suas en­tranhas se enterneceram (1Rs 3,26) lá dentro e, aproximando-se, abraçou-os docemente como uma mãe faz com os filhos que cho­ram.

3 E disse ao homem: “Por que maltratas os meus irmãos cordeirinhos, assim amarrados e pendurados?”

4 O ho­mem respondeu que os levava ao mercado, porque precisava do dinheiro. Perguntando-lhe o santo o que aconteceria depois, o ho­mem respondeu que seriam mortos. O santo, então, exclamou:

5 “Isso não pode acontecer! Toma antes o manto que estou vestindo e dá-me os meus irmãos cordeirinhos!”

6 De boa vontade, o homem concordou,

7 pois o manto valia muito mais. Era um manto que o servo de Deus, por causa do frio, tomara emprestado de um fiel, naquele mesmo dia.

8 Assim que recebeu os cordeirinhos, começou a pensar o que fa­ria deles;

9 finalmente, depois de conversar com o irmão que o acompanhava, resolveu confiá-los ao mesmo homem, mandando severamente que de forma alguma os vendesse ou os tra­tasse mal.

44.

1 Mas não era só por esse tipo de animais e criaturas mais nobres que ele tinha esse afeto de compaixão; fazia o mesmo com outros vis e diminutos.

2 Como sobre o Salvador se lê: Eu sou um verme, e não um homem (Sl 21, 7), muitas vezes recolhia os vermezinhos da es­trada, para não serem pisados.

3 E também, para que durante o inverno as abelhas não mor­ressem, acontecia de mandar preparar-lhes vinho ou mel.

4 Observava com atenção não só a operosidade delas, mas também a das outras criaturas e atribuía à glória do Criador tudo o que nelas pu­desse suscitar admiração, prazer ou qualquer valor.

5 Quanto calculas que no sol, na lua, no firmamento e nas estrelas, ou nos elementos e em seus efeitos ou adornos ele hauriu de doçura e graça contemplando em tudo o poder, a sabedoria e a bondade do Criador de tudo?

6 Creio que não existe um mortal capaz de expressá-lo em pala­vras.

7 E como atribuía tudo ao  único Princípio, podia cha­mar cada coisa de “irmão” e, nos seus constantes louvores, convidava todas as coisas a louvar o único Criador.

8 Ele, porém, ao invocar o nome do Senhor (2Tm 2,19), se elevava acima de qualquer inteligência humana, parecendo todo júbilo, todo pertencente a outro mundo.

9 Por isso, mostrava também tanta reverência pelo nome do Salvador que, sempre e onde quer que o encontrasse de forma indigna, devotamente o recolhia e o colocava em lugar de respeito,

10 para que ali não fi­cassem palavras ou nomes divinos ou até as letras com as quais eles são escritos.

45.

1 E até que ponto crês que fervia o ardor de sua compaixão pelos pobres, se tinha tanta doçura e compaixão não só pelos animais irracionais, mas também pelas criaturas insensíveis e ínfimas?

2 Pois este verdadeiro patriarca dos pobres desejava ser realmen­te o mais pobre de todos; e mesmo que não desejasse possuir mais do que uma mísera túnica, nem com essa única necessidade poupou a si mesmo se, várias vezes, esteve pronto a cedê-la a quem precisasse.

3 Durante o inverno, pedia emprestadas aos ricos várias peças de roupa, que eles davam com a maior boa vontade sem obrigação de restituí-las; ele aceitava e depois dava, no frio, aos primeiros pobres que encontrava.

4 Para ele era muito grave quando via que por palavra ou ato algum pobre era molestado.

5 Pois, uma vez, ouvindo um irmão insultar um pobre com essas palavras: “Será que não estás apenas aparentando pobreza!”

6ele o repreendeu mais duramente e mandou que se lançasse despido diante do pobre, lhe beijasse os pés e, humildemente, lhe pedisse perdão.

7 Dizia: “Quem injuria um pobre ofende a Cristo, de quem é um nobre sinal, já que volun­tariamente ele se fez pobre por nós neste mundo”.

8 Ele próprio, mesmo reduzido a um mínimo de forças corpo­rais, carregava muitas vezes o fardo dos pobres sobre os ombros.

9 Por piedoso zelo para com eles, fazia freqüentemente muitas outras coisas desse jeito, que, se não por querermos ser breves, seria bom escrever.