Capítulo 21
1 Certa vez, nosso Senhor Jesus Cristo disse a Frei Leão, companheiro do bem-aventurado Francisco: “Eu me lamento dos frades”.
2 Frei Leão respondeu: “Por que, Senhor?”.
3 O Senhor disse: “Por três coisas: porque não reconhecem meus benefícios que, como sabes, lhes dou abundantemente todos os dias, porque não semeiam nem colhem.
4 E porque ficam o dia inteiro murmurando e sem fazer nada;
5 e muitas vezes provocam uns aos outros para a ira, não se reconciliam e não perdoam a injúria que receberam”.
Capítulo 22
1 Uma noite, o bem-aventurado Francisco foi tão afligido pelas dores das doenças que quase não pôde descansar nem dormir naquela noite.
2 De manhã, como a dor tivesse diminuído um pouquinho, mandou chamar todos os frades que havia no lugar e, quando se sentaram à sua frente, olhou para eles considerando-os representantes de todos os frades.
3 E começando por um frade, abençoou a todos, pondo a mão direita na cabeça de cada um; abençoou a todos os que estavam na Religião e deveriam vir até o fim do mundo;
4 e parece que se compadecia de si mesmo porque não tinha podido ver seus filhos e frades antes de sua morte.
5 Depois mandou que trouxessem pães para diante dele e os abençôou;
6 e como não podia parti-los por causa da enfermidade, fez que um frade os partisse em muitos pedacinhos. Tomando-os, deu um pedacinho a cada um dos frades, mandando que o comesse inteiro.
7 Pois, como o Senhor quis comer com os apóstolos na quinta feira, antes de sua morte, assim de algum modo pareceu àqueles frades que o bem-aventurado Francisco quis abençoa-los antes de sua morte e, neles, a todos os outros frades,
8 e que comessem aquele pão abençoado como se de alguma forma estivessem comendo com os outros seus frades.
9 Creio que podemos ver isso claramente, porque, como não era uma quinta-feira, ele disse aos frades que achava que era uma quinta-feita.
10 Um daqueles frades guardou um pedacinho daquele pão.
11 E, depois da morte do bem-aventurado Francisco, alguns, que provaram dele em suas doenças, foram imediatamente libertados.
Capítulo 23
1 Ensinava seus frades a construir habitações pobrezinhas, de madeira e não de pedra, e levantando essas casinhas num estilo vil.
2 Não queria que os frades morassem em nenhum lugarzinho se não houvesse certeza do dono que retinha a propriedade.
3 Pois sempre buscou em seus filhos a lei dos peregrinos (cfr. Ex 12,49).
Capítulo 24
1 Este homem não só detestava arrogância das casas como tinha horror a utensílios numerosos e muito rebuscados.
2 Não gostava de nada que, nas mesas e nas panelas, recordasse o mundo, para que tudo cantasse a peregrinação, cantasse o exílio.
Capítulo 25
1 Ensinava a buscar nos livros o testemunho do Senhor e não o preço, a edificação e não a beleza.
2 Queria ter poucos, e adequados às necessidades dos frades indigentes.
Capítulo 26
1 Finalmente, nos enxergões e camas sobrava uma abundante pobreza, e quem tinha alguns trapos meio conservados por cima das palhas, achava que tinha um leito de luxo.
Capítulo 27
1 Na verdade o amigo de Deus desprezava enormemente tudo que é do mundo, mas execrava acima de tudo o dinheiro.
2 Por isso foi a coisa que mais desprezou desde o princípio de sua conversão, e sempre insinuou aos que o seguiam que deviam fugir dele como dia diabo.
3 Esta era a advertência que dava aos seus: que deviam gostar de dinheiro e de esterco como se devessem o mesmo preço.
4 Aconteceu, assim, certo dia, que um secular entrou na igreja de Santa Maria da Porciúncula para rezar e, para fazer uma oferta, colocou dinheiro junto da cruz.
5 Quando ele foi embora, um frade pegou simplesmente com sua mão e o jogou na janela.
6 Chegou ao sanato o que o frade tinha feito; vendo-se descoberto, ele correu para pedir perdão, prostrou-se no chão e se submeteu ao castigo.
7 O santo o questionou e increpou com muita dureza por ter tocado o dinheiro.
8 Mandou que pegasse o dinheiro da janela com a própria boca e o levasse para fora da cerca do lugar para colocá-lo com a boca sobre esterco de asnos.
9 Então o frade cumpriu a ordem com alegria e o termor encheu os corações ouvintes dos outros.
10 Todos passaram a desprezar mais o que assim era comparado ao esterco, e cada dia eram animados por novos exemplos a desprezá-lo.
Capítulo 28
1 Este homem, revestido de virtude, aquecia-se mais interiormente pelo fogo divino do que por fora com uma coberta material.
Capítulo 29
1 Execrava os que se vestiam com roupas triplicadas e quem, fora da necessidade, usava panos macios na Ordem.
2 Mas afirmava que a necessidade que demonstra voluptuosidade e não razão é sinal de um espírito extinto.
3 “Quando o espírito está morno e se esfriando aos poucos na graça, faz-se necessário que a carne e o sangue busquem o que é seu.
4 Pois, dizia, se a alma não encontrar suas delícias, que resta senão que a carne se volte para as suas?
5 Então o apetite animal inventa algo necessário, e o sentido da carne forma a consciência”.
6 E acrescentava:
Capítulo 30
1 “Se meu irmão tiver uma verdadeira necessidade, que sofra a falta de alguma coisa: se correr para satisfaze-la e lançá-la para longe de si, que recompensa receberá?
2 Pois houve uma ocasião de mérito, mas ele provou cuidadosamente que não tinha gostado”.
3 Com essas palavras e outras semelhantes, atacava os que queriam escapar das necessidades, pois não suporta-las com paciência não é outra coisa senão voltar ao Egito.
4 Finalmente, não queria em ocasião nenhuma que os frades tivessem mais do que duas túnicas, mas permitia que as consertassem com remendos costurados.
5 Mandavam que abominassem os panos rebuscados e mordia com força, diante de todos, os que faziam o contrário. E para confundi-los com seu exemplo, costurou sobre sua túnica um pedaço de saco.
6 Mesmo na morte, pediu para ser coberto com uma túnica de saco vil.
7 Mas permitia aos frades apertados pela doença ou outra necessidade que usassem um pano mole, por baixo, junto da carne, mas de forma que por fora fosse observada a aspereza e vileza do hábito.
8 Pois dizia: “O rigor ainda vai ficar tão relaxado, com o domínio da tibieza, que os filhos do pobre pai também não vão se envergonhar de usar panos escarlates, mudando só a cor”.