Capítulo 91
1 Outra vez, um pobrezinho veio com roupas muito pobres a um eremitério dos frades, e pediu por amor de Deus aos frades uma peça pobrezinha.
2 O bem-aventurado Francisco disse a um irmão que procurasse pela casa para ver se achava algum pano ou pedaço para lhe dar.
3 Rodando pela casa, o frade disse que não achou.
4 Mas para que o pobre não voltasse sem nada, o bem-aventurado Francisco foi ocultamente, para que seu guardião não lhe proibisse, pegou uma faca e, sentando-se num lugar escondido, começou a cortar um pedaço de sua túnica, que estava costurado pelo lado de dentro, querendo dá-lo secretamente ao pobre.
5 Mas o guardião logo percebeu o que ele queria fazer, foi ao seu encontro e proibiu que desse, principalmente porque então estava fazendo muito frio e ele estava doente e muito resfriado.
6 mas o bem-aventurado Francisco lhe disse: “Se não queres que lhe dê, é preciso absolutamente que se faz dar algum retalho ao pobre”.
7 Então aqueles frades deram um pano de suas roupas, em nome do bem-aventurado Francisco.
8 Quando os frades lhe arranjavam uma capa, tanto quando ia pelo mundo pregando [a pé ou montado num burrico] –
9 porque depois que começou a ficar doente não conseguia ir a pé e por isso precisava, às vezes, montar num burrico, porque a cavalo só queria montar quando houvesse uma necessidade estrita e maior, e isso pouco antes de sua morte, quando começou a ficar muito doente –
10 ou estivesse em algum lugar, não queria recebe-la senão daquele jeito, isto é, que se encontrasse com um pobrezinho ou este fosse procura-lo, pudesse dá-la se lhe fosse manifestamente necessária e se o espírito lhe desse testemunho a respeito.
Capítulo 92
1 Certa ocasião, no começo da religião, quando morava em Rivotorto com os dois frades que eram os únicos que tinha naquele tempo, eis que alguém, que foi o terceiro frade, veio do século para assumir sua vida.
2 E aconteceu que, como ficasse vestido por diversos dias com as roupas que trouxera do século, um pobrezinho veio ao lugar pedindo esmola ao bem-aventurado Francisco.
3 O bem-aventurado disse ao que foi o terceiro frade: : Dá ao pobrezinho a tua capa”.
4 Ele tirou na mesma hora de suas costas, com grande alegria, e deu ao pobre.
5 Por isso pareceu-lhe que na mesma hora deus lhe havia colocado uma nova graça em seu coração nessa ocasião, pois dera a capa ao pobre com alegria.
Capítulo 93
1 Em outra ocasião, quando permaneciam junto à igreja de Santa Maria da Porciúncula, uma mulher, velhinha e pobrezinha, que tinha dois filhos na Religião dos frades, foi àquele lugar pedindo alguma esmola ao bem-aventurado Francisco, principalmente porque naquele ano não tinha do que poder viver.
2 O bem-aventurado Francisco disse a Frei Pedro Cattani, que era então ministro geral: “Será que nós temos alguma coisa para dar à nossa mãe?”.
3 Porque dizia que era mãe sua e de todos os frades da religião a que fosse mãe de algum frade.
4 Frei Pedro respondeu-lhe: “Na casa não temos nada que possamos dar-lhe, principalmente porque ela quer uma esmola que possa ser suficiente para o que é necessário ao seu corpo.
5 Na igreja só temos um Novo Testamento, em que lemos as leituras de matinas”.
6 Pois naquele tempo os frades não tinham breviários nem muitos saltérios.
7 Disse-lhe o bem-aventurado Francisco: “Dá a nossa mãe o Novo Testamento, para que o venda para a sua necessidade; creio firmemente que vai agradar mais a Deus e à bem-aventurada Virgem que se nele lesses”.
8 E assim o deu a ela.
9 Pois o bem-aventurado Francisco pode dizer-se o que foi dito do bem-aventurado Jô: Minha comiseração saiu e cresceu comigo desde o útero de minha mãe (cfr. Jô 31,18).
10 Por isso, para nós que estivemos com ele, seria muito longo escrever e contar não só o que ouvimos de outros a respeito de sua caridade e piedade para com os pobres, mas também o que vimos com nossos olhos.
Capítulo 94
1 No mesmo tempo, vivendo o bem-aventurado Francisco no eremitério de Sapo Francisco de Monte Colombo, aconteceu que uma certa doença dos bois, chamada vulgarmente “basabove”, da qual nenhum pode escapar, atacou os bois de Santo Elias, que fica perto do eremitério, de modo que todos eles começaram a adoecer e morrer.
2 Mas uma noite foi dito em visão a um homem espiritual daquela vila:
3 ”Vá ao eremitério onde mora o bem-aventurado Francisco e a água usada para lavar seus pés e mãos, jogue-a sobre os bois, e vão ficar imediatamente libertados”.
4 O homem levantou-se bem cedinho, foi ao eremitério e disse tudo isso aos companheiros do bem-aventurado Francisco.
5 Eles, na hora da refeição, recolheram numa vasilha a água que tinha sido usada para ele lavar as mãos; de tarde também pediram que os deixasse lavar seus pés, sem falar nada daquele assunto.
6 E assim deram depois ao homem a água usada para lavar as mãos e os pés do bem-aventurado Francisco; e levou e aspergiu-a como água benta sobre os bois, que estavam deitados quase mortos, e sobre todos os outros.
7 E na mesma hora, pela graça de Deus e pelos méritos do bem-aventurado Francisco ficaram todos livres.
8 Naquele tempo o bem-aventurado Francisco tinha cicatrizes nas mãos, nos pés e no lado.
Capítulo 95
1 Nesses mesmos tempos, como o bem-aventurado Francisco estava doente da enfermidade dos olhos e por alguns dias permanecesse no palácio do bispo de Rieti, um clérigo da diocese de Rieti, chamado Gedeão, homem muito mundano, jazia doente havia muitos dias por uma enfermidade grande e com a maior dor dos rins.
2 De tal modo que não podia se mexer nem se virar na cama sem ajuda, nem levantar-se ou andar a não ser carregado e, quando ia carregado, ia encurvado e quase dobrado por causa das dores dos rins: pois nem podia levantar-se um pouco.
3 Um dia fez-se levar até onde estava o bem-aventurado Francisco, lançou-se aos seus pés e pediu com muitas lágrimas que fizesse o sinal da cruz sobre ele.
4 O bem-aventurado Francisco disse-lhe: “Como vou te fazer o sinal se vivestes outrora sempre segundo os desejos da carne, não levando em conta nem temendo os juízos de Deus?
5 Mas vendo-o tão afligido pela grande doença e pelas dores, ficou com pena dele e lhe disse: “Eu te assinalo em nome do Senhor.
6 Mas se aprouver ao Senhor libertar-te, toma cuidado para não voltar ao vômito, porque na verdade eu te digo que, se voltares ao vômito, virão coisas piores que as de antes e vais incorrer num juízo duríssimo, por causa de teus pecados e por ser ingrato e ignorar a bondade do Senhor”.
7 E quando o bem-aventurado Francisco fez o sinal da cruz sobre ele, ele se ergueu e se levantou, libertado interiormente na mesma hora.
8 Quando se ergueu, os ossos de suas costas soaram como se alguém estivesse quebrando lenha seca.
9 Mas como depois de alguns dias voltou ao vômito e não observou o que o Senhor lhe tinha dito por seu servo Francisco, aconteceu que um dia, quando foi jantar na casa de outro cônego, seu companheiro, e tivesse dormido lá nessa noite, caiu de repente o telhado da casa em cima de todos.
10 Mas os outros escaparam da morte, só o coitado foi atingido e morto.
Capítulo 96
1 Depois da volta de Sena e de Celle de Cortona, o bem-aventurado Francisco foi para junto da igreja de Santa Maria da Porciúncula, e depois foi ficar no lugar de Bagnaria, acima de Nocera.
2 Fazia pouco tempo que tinha construído aí uma casa para os frades, para que ali morassem.
3 E lá ficou por muitos dias.
4 E como seus pés, e também as pernas, já tinham começado a inchar por causa da hidropisia, começou a ficar muito doente nesse lugar.
5 Quando as pessoas de Assis ouviram dizer que ele estava doente lá, vieram rapidamente alguns soldados de Assis àquele lugar para leva-lo para Assis, com medo de que morresse ali e outros ficassem com o seu santíssimo corpo.
6 E aconteceu que quando o estavam levando doente, descansaram num castro do condado de Assis, querendo almoçar aí.
7 O bem-aventurado Francisco com seus companheiros descansou na casa de um homem que o acolheu com alegria e caridade.
8 Mas os soldados foram pelo castro para comprar o que era necessário para seu corpo, mas não encontraram.
9 Voltaram ao bem-aventurado Francisco dizendo-lhe, em brincadeira: “Irmão, vai ser preciso que nos d6es de tuas esmolas, porque não encontramos nada para comprar”.
10 E o bem-aventurado Francisco disse-lhes com grande fervor de espírito: “Não encontrastes porque confiastes em vossas moscas, isto é, no dinheiro, e não em deus;
11 mas voltai pelas casas às quais já fostes pedindo para comprar e, sem ficar envergonhados, pecai-lhes esmolas por amor de Deus, que o Espírito Santo vai inspira-los e encontrareis com abundância”.
12 Por isso eles foram e pediram esmolas, como lhes dissera o santo pai, e aqueles homens e mulheres lhes deram abundantemente, de tudo que tinham, divertindo-se a valer.
13 E e voltaram muito alegres ao bem-aventurado Francisco contando-lhe o que tinha acontecido.
14 E tiveram isso por um grande milagre, considerando que na verdade aconteceu à letra o que lhes tinha predito.
15 Pois o bem-aventurado Francisco tinha como a maior nobreza, dignidade e cortesia segundo deus e também segundo este século, pedir esmolas por amor de Deus.
16 Porque tudo que o Pai celeste criou foi para a utilidade do homem, por amor do seu dileto filho, e continua a concede-lo de graça e por esmola depois do pecado, aos dignos e indignos, por amor de seu dileto Filho.
17 Por isso o bem-aventurado Francisco dizia que o servo de Deus deve ir pedir esmolas por amor de deus como mais liberdade do que uma pessoa que, por sua cortesia e liberalidade, querendo comprar alguma coisa, saísse dizendo:
18 “A quem me der tal moeda, darei cem marcos de prata, e até mil vezes mais:
19 porque o servo de Deus oferece o amor de Deus que é merecido pela pessoa que dá esmolas, em cuja comparação tudo que existe neste século e também o que há no céu não é nada”.
20 Por isso, antes que os frades se tivessem multiplicado [e mesmo depois que se multiplicaram], quando o bem-aventurado Francisco ia pregando pelo mundo, se alguma pessoa nobre e rica com devoção insistisse com ele para comer em sua casa e lá hospedar-se,
21 porque em muitas cidades e castros em que ia pregar ainda não havia lugares dos frades, no seu tempo,
22 ainda que soubesse que a pessoa que o estava convidando tinha preparado abundantemente tudo que é necessário ao corpo por amor do Senhor Deus, ele, para dar bom exemplo aos frades e pela nobreza e dignidade da senhora pobreza, na hora da refeição ia pedir esmolas.
23 E algumas vezes dizia aos que o tinham convidado: “Eu não quero deixar a minha dignidade real, a herança, a vocação e a minha profissão e dos frades menores.
24 Isso quer dizer ir pedir esmolas, mesmo que não traga mais do que três esmolas, porque quero exercer o meu ofício”.
25 E ia pedir esmolas contra a vontade de quem convidara, que saía com ele, e recebia as esmolas que o bem-aventurado Francisco conseguia e, por devoção a ele, guardava-as como relíquia.
26 Quem escreveu viu isso muitas vezes, e deu testemunho.
Capítulo 97
1 Pois até, certa vez, quando foi visitar o senhor bispo de Hóstia, que depois foi papa, saiu como que furtivamente, por causa do senhor bispo, na hora da refeição, e foi pedir esmolas.
2 Quando voltou, o senhor bispo estava sentado à mesa e comia, principalmente porque tinha alguns cavaleiros seus consanguíneos para o almoço.
3 O bem-aventurado Francisco pôs as esmolas em cima da mesa do senhor bispo, e foi ficar na mesa junto do senhor bispo, porque o senhor bispo sempre queria que, quando o bem-aventurado Francisco estivesse em sua casa na hora da refeição, senta-se ao seu lado.
4 E o senhor bispo ficou um pouco envergonhado por isso,, porque Francisco tinha isso pedir esmolas, mas não disse nada, principalmente por causa dos convidados.
5 Depois de ter comido um pouco, o bem-aventurado Francisco pegou suas esmolas e deu, da parte do Senhor Deus, um pouco para cada cavaleiro ou capelão do senhor bispo.
6 Todos receberam igualmente com muita devoção: alguns comeram, outros guardaram por devoção para com ele.
7 Até tiravam seus chapéus por devoção a São Francisco quando recebiam as esmolas.
8 O senhor bispo ficou contente pela devoção deles, principalmente porque aquelas esmolas não eram de pão de trigo.
9 Depois da refeição, o bispo levantou-se e entrou em sua sala, levando consigo o bem-aventurado Francisco, e levantando os braços abraçou o bem-aventurado Francisco por causa da enorme alegria e exultação, dizendo-lhe:
10 “Por que, meu irmão simplório, me fizeste passar essa vergonha de ir pedir esmola na minha casa, que é a casa dos teus frades?
11 Respondeu-lhe o bem-aventurado Francisco: “Ao contrário, senhor, eu vos prestei uma grande honra, porque quando um súdito exerce e cumpre seu ofício e a obediência ao seu senhor, honra ao seu senhor e aos seu prelado”.
12 E disse-lhe: “Eu tenho que ser a forma e o exemplo de vossos pobres, principalmente porque sei que na vida e na Religião dos frades há e haverá frades menores de nome e de fato, que pelo amor do Senhor Deus e pela unção do Espírito Santo, que os ensina e há de ensina-lo sobre tudo, vão se humilhar m toda humildade, submissão e serviço de seus irmãos.
13 Também há e haverá daqueles que, ou detidos pela vergonha e por causa do mau exemplo acham e acharão indigno humilhar-se e rebaixar-se para ir pedir esmolas e fazer esse tipo de obras servis.
14 Por isso é preciso que eu ensine por obra os que estão e estarão na Religião, para que não possam desculpar-se nem neste século nem no futuro diante de Deus”.
15 Estando, pois, junto de vós, que sois nosso senhor e apostólico, e junto de magnatas e ricos segundo o século, que por amor do Senhor Deus não só me recebem com tanta devoção em suas casas mas até me obrigam a ficar com eles, não quero ter vergonha de ir pedir esmolas.
16 Até quero ter e manter segundo deus como uma grande nobreza, dignidade real e honra daquele sumo rei que, mesmo sendo o senhor de tudo, por nós quis fazer-se o servo de todos.
17 E sendo rico e glorioso em sua majestade, veio pobre e desprezado em nossa humanidade.
18 Por isso quero que saibam os meus frades atuais e futuros que acho que é a maior consolação da alma e do corpo quando me assento à mesa pobrezinha dos frades,
19 e vejo na minha frente as esmolas pobrezinhas que ganham de porta em porta por amor do Senhor Deus, mais do que quando me assento à vossa mesa ou dos outros senhores, preparada com abundância de todos os pratos, ainda que me estejam fazendo essa oferta com muita devoção.
20 Porque o pão da esmola é um pão santo, santificado pelo louvor e pelo amor de deus, porque quando um frade vai pedir esmola deve dizer primeiro:
21 Louvado e bendito seja o Senhor Deus, e depois deve dizer: Dai-nos esmolas por amor do Senhor Deus”.
22 E o senhor bispo ficou muito edificado com essa refeição de palavras do santo pai.
23 E lhe disse: Filho, faz o que é bom aos teus olhos, porque o Senhor está contigo, e tu com Ele”.
24 Pois era vontade do bem-aventurado Francisco, e ele disse isso muitas vezes, que um frade não devia passar muito tempo sem ir pedir esmolas, para que depois não ficassem envergonhado de ir.
25 Até, quanto mais nobre e grande tivesse sido o frade no século, tanto mais ficava edificado e contente quando ia pedir esmolas e fazer esse tipo de obras servis, por causa do bom exemplo.
26 Porque era assim que se fazia no tempo antigo.
27 Por isso, no começo da Religião, quando os frades moravam em Rivotorto, havia um frade entre eles que orava pouco, não trabalhava e não queria ir pedir esmolas, porque ficava com vergonha; mas comia bem.
28 Por isso, levando em conta essas coisas, o bem-aventurado Francisco soube pelo Espírito Santo que se tratava de um homem carnal.
29 Donde lhe disse; “Vá pelo teu caminho, irmão mosca, porque queres comer o trabalho de teus irmãos, e queres ser ocioso na obra de Deus, como o irmão zangão, que não quer produzir e trabalhar e come o trabalho e o lucro das boas abelhas”.
30 E assim ele foi pelo seu caminho; e como era carnal, não implorou misericórdia.
Capítulo 98
1 Em outra ocasião, junto à igreja de Santa Maria da Porciúncula, um homem espiritual voltava um dia de Assis com esmolas, quando lá estava o bem-aventurado Francisco.
2 Quando vinha chegando pelo caminho perto da igreja, começou a louvar a Deus em voz alta, com muita alegria.
3 Ouvindo-o, o bem-aventurado Francisco saiu para fora imediatamente, foi encontra-lo no caminho e com grande alegria beijou seu ombro, em que carregava a sacola com as esmolas.
4 Tomando a sacola de seu ombro, colocou-a nas próprias costas e carregou-a para a casa dos frades, diante dos quais disse:
5 “Assim quero que um irmão meu vá e volte contente e alegre pela esmola”.
Capítulo 99
1 Quando o bem-aventurado Francisco jazia muito doente no palácio do bispado de Assis, naqueles dias em que tinha voltado de Bagnara, temendo que o santo morresse de noite, sem que eles soubessem, e os frades levassem ocultamente o santo corpo para coloca-lo em outra cidade, os habitantes de Assis estabeleceram que todas as noites ele fosse guardado diligentemente por homens por fora do muro ao redor do palácio.
2 O bem-aventurado Francisco, embora estivesse muito doente, para consolar seu espírito, para que alguma vez não desfalecesse por suas grandes e variadas numerosas enfermidades, fazia com que seus companheiros cantassem muitas vezes, de dia, os Louvores do Senhor, que ele mesmo compusera muito tempo antes em sua enfermidade.
3 De maneira semelhante também de noite, principalmente para a edificação daqueles guardas que vigiavam durante a noite, fora do palácio, por causa dele.
4 Como Frei Elias estivesse achando que o bem-aventurado Francisco estava se confortando e alegrando tanto no Senhor, no meio de tão grande doença, disse-lhe um dia:
5 “Caríssimo irmão, estou muito consolado e edificado com toda essa alegria que demonstras por ti e por teus companheiros em tão grande aflição e doença;
6 mas, embora as pessoas desta cidade te venerem como santo, na vida e na morte, como acreditam firmemente que vais morrer logo por causa de tua grande e incurável doença, ouvindo cantar esses Louvores podem pensar ou dizer dentro de si:
7 “Como demonstra tanta alegria esse que está perto da morte? Pois deveria pensar na morte”.
8 Disse-lhe o bem-aventurado Francisco: “Tu te lembras de quando tiveste uma visão em Foligno e me contaste que alguém te disse que eu não deveria viver mais do que dois anos?
9 Antes que tivesses aquela visão, pela graça do Espírito Santo, que sugere todo bem no coração e o coloca na boca de seus fiéis, muitas vezes, de dia e de noite, eu considerava o meu fim.
10 Mas, desde aquela hora em que tiveste a visão, fui todos os dias mais solícito em considerar o dia da morte”.
11 E disse com grande fervor de espírito: “Irmão, deixa que eu me alegre no Senhor e em seus louvores, no meio de minhas doenças.
12 Porque, com a cooperação da graça do Espírito Santo, estou tão unido e e íntimo com o meu senhor, que por sua misericórdia bem que posso me alegrar no Altíssimo”.
Capítulo 100
1 Outra vez, naqueles dias, um médico chamado Bom João, da cidade de Arezzo, conhecido e amigo do bem-aventurado Francisco, visitou-o no mesmo palácio.
2 O bem-aventurado Francisco interrogou-o sobre sua doença, dizendo: “Que te parece, irmão João, sobre esta minha doença da hidropisia?”.
3 Pois o bem-aventurado Francisco não queria chamar ninguém de Bom, nem que tivesse esse nome, por reverência ao Senhor, que disse: “Ninguém é bom a não ser Deus (cfr. Lc 18,19).
4 De maneira semelhante não queria chamar ninguém de pai ou mestre, nem o escrevia nas cartas, por reverência ao senhor que disse: E não queirais chamar a ninguém de pai nesta terra, nem vos chameis de mestres (cfr. Mt 23,9.10) etc.
5 Disse-lhe o médico: “Irmão, tu estarás bem, pela graça do Senhor”.
6 Pois não queria dizer que ele ia morrer logo.
7 O bem-aventurado Francisco disse-lhe outra vez: “Diz-me a verdade: que te parece”.
8 Não tenhas medo, porque pela graça de Deus eu não sou covarde, para ficar com medo da morte, pois, com a ajuda de Deus, pro sua misericórdia e graça, estou tão ligado e unido com o meu Senhor, que estão tão contente com a morte como com a vida, e ao contrário.”.
9 Então o médico disse abertamente: “Pai, de acordo com a nossa física, tua doença é incurável e ou no fim do mês de setembro ou no dia 4 de outubro, vais morrer”.
10 O bem-aventurado Francisco, que estava deitado na cama, doente, com a maior devoção e reverência pelo Senhor, abrindo os braços e as mãos, disse com grande alegria interior e exterior: “Seja bem-vinda, minha irmã morte!”.