Compilação de Assis - Capítulos 61-70

Nenhum sub-capítulo encontrado

Capítulo 61

1 Pois, num dia em que o bem-aventurado Francisco fora a uma igreja de uma vila da cidade de Assis, começou a varre-la, e logo se espalhou o boato naquela vila, principalmente porque ele visto e ouvido de boa vontade por aquelas pessoas.

2 Mas quando isso foi ouvido por um sujeito chamado João, da maior simplicidade, que estava arando num campo seu perto daquela igreja, ele foi logo para lá e o encontrou varrendo a igreja.

3 Disse-lhe: “Irmão, dá-me a vassoura, porque quero te ajudar”.

4 E, tomando a vassoura, dele, varreu o resto.

5 E, sentado, disse ao bem-aventurado Francisco: “Irmão, já faz tempo que tenho vontade de servir a Deus, e mais ainda depois que ouvi falar de ti e de teus frades, mas não sabia como chegar a ti.

6 Mas depois que aprouve a Deus que eu te visse, quero fazer tudo que te agradar”.

7 O bem-aventurado Francisco, considerando o seu fervor, exultou no Senhor, principalmente porque tinha, então, poucos frades e porque lhe parecia que poderia ser um bom religiosos, por sua pura simplicidade.

8 Então lhe disse: “Irmão, se queres ser de nossa vida e sociedade, é preciso que te desapropries de todas as tuas coisas que podes ter sem escândalo, e que dês tudo aos pobres, segundo o conselho do santo Evangelho, pois foi isso que fizeram os meus frades, que puderam”.

9 Ouvindo isso, ele foi imediatamente para o campo, onde deixara os bois, soltou-os e trouxe um para o bem-aventurado Francisco, dizendo:

10 “Irmão, servi durante tantos anos a meu pai e a todos de minha casa; ainda que seja pequena esta parte da minha herança, quero tomar este boi como a minha parte e dá-lo aos pobres, como melhor te parecer segundo Deus”.

11 Mas quando seus parentes e irmãos, que ainda eram pequenos, viram que queria abandoná-los, começaram a chorar tão fortemente e tão alto, eles e todos da casa, que por isso moveu-se a piedade do bem-aventurado Francisco, principalmente porque a família era grande e fraca.

12 Então o bem-aventurado Francisco lhes disse: “Preparai e fazei uma refeição para nós todos comermos juntos, e não choreis, porque vou deixar-vos alegres”.

13 Eles logo prepararam, e todos comeram com muita alegria.

14 Depois da refeição, o bem-aventurado Francisco lhes disse: “Este vosso filho quer servir a Deus, por isso vós tendes que ficar alegres, não tristes.

15 E não só segundo Deus, mas também de acordo com este século, isso será atribuído a vós para honra e proveito das almas e dos corpos, porque Deus fica honrado pela vossa carne, e todos os nossos frades serão vossos filhos e irmãos.

16 E porque é uma criatura de Deus e quer servir ao seu Criador, aquele para quem servir é reinar, não posso nem devo devolvê-lo a vós;

17 mas, para que recebais e tenhais uma consolação por causa dele, quero que ele se exproprie desse boi em vosso favor, como a pobres, ainda que ele devesse dá-lo a outros pobres, segundo o conselho do santo Evangelho”.

18 E todos ficaram consolados com as palavras do bem-aventurado Francisco, e se alegraram principalmente porque o boi lhes foi devolvido, porque eram pobres.

19 E porque o bem-aventurado Francisco amava demais e sempre lhe agradava a santa simplicidade, em si e nos outros, logo que o vestiu com os panos da Religião, levava-o como seu companheiro.

20 Pois ele era de tamanha simplicidade que se achava obrigado a fazer tudo que o bem-aventurado Francisco fizesse.

21 Por isso, quando o bem-aventurado Francisco estava em alguma igreja ou em algum outro lugar afastado, para a oração, ele queria vê-lo e espiá-lo, para se conformar com todos os seus gestos.

22 Então, se o bem-aventurado Francisco dobrasse os joelhos, ou juntasse as mãos para o céu, ou cuspisse, ou tossisse, ele fazia tudo igual.

23 E o bem-aventurado Francisco começou a questioná-lo, com muita alegria, sobre esse tipo de simplicidade.

24 Ele respondeu: “Irmão, eu prometi fazer tudo que tu fazes, por isso quero fazer tudo que tu fazes”.

25 O bem-aventurado Francisco ficava admirado e alegre com isso, vendo-o em tão grande pureza e simplicidade.

26 Pois começou a ser tão perfeito em todas as virtudes e bons costumes, que o bem-aventurado Francisco e os outros frades ficavam muito admirados de sua perfeição.

27 E não muito tempo depois, ele morreu naquela santa perfeição.

28 Por isso o bem-aventurado Francisco, com muita alegria interior e exterior, falava entre os seus irmãos do seu comportamento, e não o chamava de Frei João mas de São João.

Capítulo 62

1 Em certa ocasião, o bem-aventurado Francisco andava pregando pela província das Marcas.

2 Aconteceu que um dia, quando estava pregando ao povo de uma vila, um homem se aproximou dele, dizendo: “Irmão, quero deixar o século e entrar na tua Religião”.

3 O bem-aventurado Francisco disse-lhe: “Irmão, se queres entrar na Religião dos frades, primeiro é preciso que, de acordo com a perfeição do santo Evangelho, dês todas as tuas coisas aos pobres, e depois te livres de tua vontade em todas as coisas”.

4 Ouvindo isso, ele foi rapidamente e, levado pelo amor carnal e não espiritual, deu todas as suas coisas aos seus parentes.

5 E voltou ao bem-aventurado Francisco, dizendo-lhe: “Irmão, eu me desapropriei de tudo que era meu”.

6 Disse-lhe o bem-aventurado Francisco: “Como fizeste?

7 Ele respondeu: “Irmão, dei tudo que era meu a alguns parentes meus, que tinham necessidade”.

8 O bem-aventurado Francisco, percebendo logo, pelo Espírito Santo, que o homem era carnal, disse-lhe: “Vai pelo teu caminho, Irmão Mosca, porque deste o que era teu aos parentes e queres viver de esmola entre os frades”.

9 Ele pegou imediatamente o seu caminho, sem querer dar as suas coisas aos outros pobres.

Capítulo 63

1 Nesse mesmo tempo, como o bem-aventurado Francisco morasse no lugar de Santa Maria, aconteceu que, para o proveito de sua alma, foi introduzida nele uma gravíssima tentação do espírito, de modo que seu espírito e seu corpo ficaram muito atribulados, por dentro e por fora.

2 Chegou a ponto de se afastar da familiaridade com os irmãos, principalmente porque, por causa dessa tentação, não podia se mostrar alegre entre eles, como era seu costume.

3 Afligia-se não só pela abstinência de comida mas também pela de palavras;

4 ia muitas vezes para a oração no bosque que havia perto da igreja, para mostrar melhor sua dor e para poder derramar suas lágrimas mais abundantemente diante do Senhor, para que, no meio de tanta tribulação, o Senhor, que tudo pode, se dignasse mandar-lhe remédio do céu.

5 Como já tivesse sido tão atribulado por essa tentação durante mais de dois anos, de dia e de noite, aconteceu que um dia, quando estava em oração na igreja de Santa Maria, foi-lhe dita em espírito aquela palavra do santo Evangelho:

6 “Se tivesses fé como um grão de mostarda e dissesses àquele monte para sair de seu lugar e se transferir para outro, isso aconteceria”.

7 São Francisco respondeu: “Que monte é esse?”E lhe foi respondido: “Esse monte é a tua tentação”.

8 Disse o bem-aventurado Francisco: “Portanto, Senhor, faça-se em mim como disseste”.

9 E ficou livre imediatamente, a ponto de lhe parecer que nunca tinha tido aquela tentação.

Capítulo 64

1 Certa vez, num dia em que o bem-aventurado Francisco tinha voltado para a igreja de Santa Maria da Porciúncula, encontrou aí o simples Frei Tiago com um leproso cheio de feridas, que tinha ido para lá no mesmo dia.

2 O santo pai tinha recomendado muito a ele aquele leproso e principalmente todos os outros leprosos que estivessem muito chagados.

3 pois naqueles dias os frades moravam nos hospitais dos leprosos.

4 Mas esse Frei Tiago era como um médico dos que estavam muito chagados, e de boa vontade tocava suas feridas, trocava-os e cuidava deles.

5 O bem-aventurado Francisco disse a Frei Tiago, como se o estivesse repreendendo: ”Tu não devias levar assim os irmãos cristãos, porque não é honesto nem para ti nem para eles”.

6 O bem-aventurado Francisco chamava os leprosos de “irmãos cristãos”.

7 Mas o santo pai disse isso porque, embora gostasse de que os ajudasse e servisse, não queria que levasse para fora do hospital os muito chagados,

8 principalmente porque esse Frei Tiago era muito simples e muitas vezes ia à igreja de Santa Maria com algum leproso, e principalmente porque as pessoas costumavam ter asco dos leprosos que fossem muito chagados.

9 Tendo dito isso, o bem-aventurado Francisco logo se repreendeu e disse sua culpa a Frei Pedro Cattani, que então era o ministro geral, principalmente porque o bem-aventurado Francisco achou que o leproso ficou envergonhado por causa da repreensão de Frei Tiago.

10 E por isso disse sua culpa, para satisfazer a Deus e ao leproso.

11 E disse o bem-aventurado Francisco a Frei Pedro: “Eu te digo que confirmes a penitência que quero fazer por isso e não me contradigas”.

12 Disse-lhe Frei Pedro: “Irmão, faça-se como te agradar”.

13 Pois Frei Pedro tinha tanta veneração e respeito pelo bem-aventurado Francisco, e lhe era tão obediente, que nem presumia mudar sua obediência, embora nessa e em muitas outras ocasiões ficasse por isso aflito interior e exteriormente.

14 O bem-aventurado Francisco disse: “Que seja esta a minha penitência: que eu coma no mesmo prato com o irmão cristão”.

15 E assim se fez: quando o bem-aventurado Francisco sentou-se à mesa com o leproso e os outros frades, foi posta uma escudela entre os dois.

16 Pois o leproso estava todo machucado e ferido, principalmente tinha os dedos com que comia contraídos e sangrentos de modo que sempre, quando os punha no prato, derramava sangue nele.

17 Vendo isso, Frei Pedro e os outros frades ficaram muito tristes, mas não tinham coragem de dizer nada, por respeito ao santo pai.

18 Quem escreveu isto, viu e prestou testemunho.

Capítulo 65

1 Certa vez, o bem-aventurado Francisco ia pelo vale de Espoleto e com ele ia Frei Pacífico, que foi da Marca de Ancona e no século era chamado “rei dos versos”, nobre e cortês mestre dos cânticos.

2 E se hospedaram num hospital de leprosos de Trevi.

3 E o bem-aventurado Francisco disse a Frei Pacífico: “Vamos à igreja de São Pedro de Bovário, porque quero ficar lá esta noite”.

4 A igreja não estava muito longe do hospital e ninguém ficava lá, principalmente porque naquele tempo tinha sido destruído o castelo de Trevi, de modo que ninguém permanecia no castelo ou na vila de Trevi.

5 E acontece que quando o bem-aventurado Francisco ia indo para lá, disse a Frei Pacífico: “Volta para o hospital, porque quero ficar sozinho aqui nesta noite, e volta a mim amanhã bem cedo”.

6 Mas quando o bem-aventurado Francisco lá ficou sozinho e disse o completório e outras orações, quis descansar e dormir mas não pôde, e seu espírito começou a temer e a sentir sugestões diabólicas.

7 Levantou-se imediatamente e saiu fora da casa persignando-se e dizendo: “Da parte de Deus onipotente eu vos digo, demônios, que façais tudo que vos foi permitido por nosso Senhor Jesus Cristo para prejudicar meu corpo,

8 porque estou preparado para aguentar tudo, pois o maior inimigo que eu tenho é o meu corpo: por isso vingar-me-ei de meu adversário e inimigo”.

9 Pararam na mesma hora aquelas sugestões.

10 Ele voltou para o lugar onde se deitava, aquietou-se e dormiu em paz.

11 Quando amanheceu, Frei Pacífico voltou para junto dele.

12 O bem-aventurado Francisco estava em oração diante do altar dentro do coro; Frei Pacífico ficou em pé, esperando-o fora do coro, diante do crucifixo e rezando ao mesmo tempo ao Senhor.

13 E quando Frei Pacífico começou a rezar, foi elevado em êxtase, se no corpo ou fora do corpo Deus soube, e viu muitas cadeiras no céu, entre as quais uma mais eminente que as outras, gloriosa e fulgente, e ornada com todas as pedras preciosas.

14 Admirando sua beleza, começou a pensar consigo mesmo o que era essa cadeira e a quem pertencia.

15 E logo ouviu uma voz que lhe dizia: “Esta cadeira foi de Lúcifer, e no seu lugar vai sentar-se nela o bem-aventurado Francisco”.

16 E voltando a si, logo o bem-aventurado Francisco saiu ao seu encontro.

17 Ele se jogou imediatamente aos pés do bem-aventurado Francisco, em forma de cruz, considerando-o como se já estivesse no céu, por causa da visão que tivera sobre ele, e lhe disse: “Pai, perdoa-me os meus pecados e roga ao Senhor que me perdoe e tenha misericórdia de mim”.

18 E, estendendo a mão, o bem-aventurado Francisco o fez levantar-se e soube que tinha visto alguma coisa na oração.

19 Parecia todo mudado, e falava ao bem-aventurado Francisco não como a alguém que vivia na carne mas como a alguém que já reinava no céu.

20 Depois, como de longe, porque não queria contar a visão ao bem-aventurado Francisco, Frei Pacífico interrogou o bem-aventurado Francisco dizendo-lhe: “O que achas de ti mesmo, irmão?”.

21 O bem-aventurado Francisco respondeu e lhe disse: “Eu acho que sou um homem mais pecador que qualquer outro que haja no mundo”.

22 E na mesma hora foi dito a Frei Pacífico no coração: “Nisso tu podes saber que foi verdadeira a visão que tiveste”;

23 porque como Lúcifer foi jogado daquela cadeira por sua soberba, assim o bem-aventurado Francisco, por sua humildade, vai merecer ser exaltado e sentar-se nela”.

Capítulo 66

1 Certa vez, quando o bem-aventurado Francisco estava em Rieti e hospedado por alguns dias num quarto de Tebaldo Sarraceno por causa da doença dos olhos, disse, um dia, a um de seus companheiros, que, no século, sabia tocar cítara:

2 “Irmão, os filhos deste século não entendem das coisas divinas; pois instrumentos como as cítaras, os saltérios de dez cordas e outros instrumentos, que eram usados nos tempos antigos pelos santos homens para louvar a Deus e consolar as almas, agora são usados por eles para a vaidade, o pecado e contra a vontade de Deus.

3 Por isso eu gostaria que conseguisses em segredo com alguma pessoa honesta uma cítara com que me fizesses um verso honesto e com ela diremos coisas das palavras e louvores do Senhor, principalmente porque o corpo está aflito por grande doença e dor.

4 Por isso eu gostaria, nesta oportunidade, de reduzir a própria dor do corpo para alegria e consolação da alma”.

5 Pois o bem-aventurado Francisco, em sua enfermidade, fizera alguns louvores do Senhor, que de vez em quando fazia que fossem ditos por seus companheiros para o louvor de Deus e para consolação de sua alma, mas também para edificação do próximo.

6 O frade respondeu-lhe: “Pai, fico com vergonha de ir buscar, principalmente porque as pessoas desta cidade sabem que no século eu sabia tocar cítara; temo que pensem que estou sendo tentado a ser citarista de novo”.

7 O bem-aventurado Francisco lhe disse: “Então, irmão, vamos deixar disso”.

8 Mas na noite seguinte, quase à meia-noite, o bem-aventurado Francisco estava acordado e eis que, ao redor da casa onde estava deitado, ouviu uma cítara tocando uma música mais bonita e mais agradável do que jamais tinha ouvido em sua vida.

9 E ia tocando tão longe quanto se podia ouvir e e depois voltava tocando.

10 E fez isso por uma boa hora.

11 Por isso, considerando o bem-aventurado Francisco que era obra de Deus e não de um homem, encheu-se do maior gozo e com o coração exultante louvou o Senhor com todo afeto por ter-se dignado consolá-lo com tal e tão grande consolação.

12 E, quando se levantou de manhã, disse ao seu companheiro: “Irmão, eu te pedi e não me satisfizeste; mas o Senhor, que consola seus amigos na tribulação, dignou-se consolar-me nesta noite”.

13 E assim contou-lhe tudo que tinha acontecido.

14 E os frades ficaram admirados, achando que isso era um grande milagre.

15 E souberam de verdade que tinha sido uma obra de Deus para consolação do bem-aventurado Francisco e principalmente porque, de acordo com uma lei do podestá, não só à meia-noite mas mesmo depois do terceiro toque de sino, ninguém ousava andar pela cidade.

16 E porque, como contou o bem-aventurado Francisco, ia e voltava por uma boa hora em silêncio, sem voz e sem barulho da boca, como era obra de Deus, para consolar o seu espírito.

Capítulo 67

1 Na mesma ocasião, por causa da enfermidade dos olhos, o bem-aventurado Francisco permaneceu junto da igreja de São Fabiano, que fica perto da cidade, e onde havia um pobre sacerdote secular.

2 Pois naquele tempo o senhor papa Honório estava com os outros cardeais na mesma cidade.

3 Por isso muitos dos cardeais e dos outros grandes clérigos, pela reverência e devoção que tinham pelo santo pai, visitavam-no quase todos os dias.

4 Ora, aquela igreja tinha uma pequena vinha que ficava junto da casa em que permanecia o bem-aventurado Francisco, e nessa casa só havia uma porta, por onde entravam na vinha quase todos os que o visitavam, principalmente porque naquele tempo as uvas estavam maduras e o lugar era ameno para se descansar.

5 E aconteceu que, por essa situação, perdeu-se quase toda a vinha.

6 Porque alguns colhiam uvas e as comiam ali mesmo, outros colhiam e levavam, e outros ainda a esmagavam com seus pés.

7 Por isso o sacerdote começou a ficar escandalizado e perturbado, dizendo: “neste ano eu perdi a minha vinha. Porque, ainda que seja pequena, colhia dela tanto vinho que dava para a minha necessidade”.

8 Ouvindo isso, o bem-aventurado Francisco mandou chamá-lo à sua presença e lhe disse: “Não se perturbe mais nem se escandalize, porque não podemos fazer outra coisa.

9 Mas confia no Senhor, porque Ele, por mim, seu pequeno servo, pode restituir o teu dano.

10 Mas me diga: quantas cargas tiveste quando tua vinha rendeu mais?”. O sacerdote respondeu-lhe: “Pai, treze cargas”.

11 Disse-lhe o bem-aventurado Francisco: “Não fiques triste agora nem digas alguma palavra injuriosa para ninguém, nem te queixes com alguém, mas tem fé no Senhor e nas minhas palavras; e se tiveres menos do que vinte cargas de vinho, eu vou fazer completar para ti”.

12 Por isso o sacerdote se acalmou e ficou quieto. E aconteceu, por disposição divina, que teve vinte cargas, e não menos, como lhe dissera o bem-aventurado Francisco.

13 O sacerdote ficou muito admirado com isso, e também todos os outros que ouviram, considerando que era um grande milagre, pelos méritos do bem-aventurado Francisco, principalmente porque não só tinha sido devastada mas, porque se estivesse carregada de uvas e ninguém tirasse nada, parecia ao sacerdote e aos outros que era impossível tirar dali vinte cargas de vinho.

14 Por isso nós que estivemos com ele damos testemunho de que sempre que dizia: “É assim, ou vai ser”, assim acontecia.

15 E nós vimos muitas coisas que se cumpriram quando vivia e também depois de sua morte.

Capítulo 68

1 No mesmo tempo o bem-aventurado Francisco permaneceu, para cuidar da enfermidade dos olhos, no eremitério dos frades em Fonte Colombo, perto de Rieti.

2 Como certo dia visitasse-o o médico oculista dessa cidade e ficasse com ele por algumas horas, como costumava, quando quis ir embora, disse o bem-aventurado Francisco a um de seus companheiros: “Ide e fazei que o médico coma otimamente”.

3 O companheiro respondeu: “Pai, nós o dizemos com vergonha, porque somos tão pobres que ficamos envergonhados de convidá-lo e dar-lhe agora de comer”.

4 O bem-aventurado Francisco disse a seus companheiros: “Homens de pouca fé, não me façais dizer mais nada”.

5 Disse o médico ao bem-aventurado Francisco e a seus companheiros: “Irmão, justamente porque os frades são tão pobres, de mais boa vontade quero comer com eles”.

6 Esse médico era muito rico e muitas vezes que o bem-aventurado Francisco e seus companheiros o tinham convidado, não quis comer lá.

7 Então os frades foram e preparam a mesa, e com vergonha puseram um pouco de pão e vinho que tinham e um pouco de verduras que tinham feito para eles mesmos.

8 Mas quando se sentaram à mesa, quando ainda tinham comido só um pouco, bateram à porta do eremitério.

9 Um dos frades levantou-se, foi e abriu a porta.

10 Lá estava uma mulher trazendo uma grande cesta cheio de um belo pão e de peixes, pastéis de camarão, mel e uvas quase recentes, que tinham sido enviados ao bem-aventurado Francisco por uma senhora de um castro que ficava a quase sete milhas do eremitério.

11 Quando viram isso, os frades e o médico ficaram muito admirados, considerando a santidade do bem-aventurado Francisco.

12 Por isso, o médico disse aos frades: “Meus irmãos, nem vós nem nós conhecemos como devemos a santidade deste santo”.

Capítulo 69

1 Certa vez, quando o bem-aventurado Francisco ia para Celle de Cortona, aconteceu que, quando passava pelo caminho ao pé de um castro chamado Limisiano, perto do lugar dos frades de Prégio, uma senhora nobre do mesmo castro veio com muita pressa para falar com o bem-aventurado Francisco.

2 Quando um dos companheiros do bem-aventurado Francisco viu aquela senhora tão cansada do caminho vindo tão apressada, correu disse ao bem-aventurado Francisco:

3 “Pai, pelo amor de Deus esperemos essa senhora, porque vem atrás de nós, e está muito cansada pelo desejo de falar conosco”.

4 O bem-aventurado Francisco, homem cheio de caridade e de piedade, esperou-a.

5 Mas quando a viu fatigada e vindo com grande fervor de espírito e devoção, disse-lhe: “Que desejas, senhora?”.

6 Ela lhe respondeu: “Pai, rogo que me bendigas”.

7 O bem-aventurado Francisco lhe disse: “És casada ou solteira?”.

8 E ela: “Pai, faz tempo que o Senhor me deu a boa vontade de servi-lo.

9 Tive e tenho um grande desejo de salvar minha alma, mas tenho um marido tão cruel e contrário a mim e a ele mesmo no serviço de Cristo; por isso minha alma se aflige com muita dor e angústia até a morte”.

10 O bem-aventurado Francisco, considerando o fervoroso espírito que ela tinha, e principalmente que era jovem e delicada segundo a carne, moveu-se de piedade por ela, abençoou-a e lhe disse:.

11 “Vá e, quando encontrar teu marido em casa, dize-lhe de minha parte que rogo a ele e a ti por amor daquele Senhor que para nos salvar suportou a paixão da cruz, que salveis vossas almas em vossa casa”.

12 Quando ela voltou e entrou em casa, encontrou o marido em casa, como lhe dissera o bem-aventurado Francisco.

13 E o marido lhe disse: “De onde vens?”.

14 E ela: “Venho do bem-aventurado Francisco, que me abençoou, e em suas palavras minha alma ficou consolada e alegre no Senhor”.

15 Além disso me disse que, de sua parte, eu te dissesse e rogasse que em nossa casa salvemos nossas almas”.

16 Quando disse isso, na mesma hora a graça de Deus desceu sobre ele, pelos méritos do bem-aventurado Francisco.

17 Ele lhe respondeu com muita bondade de mansidão, tão rapidamente mudado e renovado pelo Senhor: “Senhora, agora vamos fazer como te aprouver o serviço de Cristo e vamos salvar nossas almas, como disse o bem-aventurado Francisco.

18 E sua esposa lhe disse: “Senhor, eu acho bom que vivamos em castidade, porque é muito grata ao senhor e é uma virtude de grande remuneração”.

19 Respondeu-lhe o marido: “Senhora, se te agrada, a mim agrada”.

20 Pois nisso e em outras boas obras quero unir minha vontade à tua vontade”.

21 E a partir daí viveram muitos anos em castidade, fazendo muitas esmolas aos frades e aos outros pobres, de modo que não só os seculares mas também os religiosos se admiravam de sua santidade, principalmente porque aquele homem era muito mundano e se tornara rapidamente espiritual.

22 E tendo perseverado em tudo isso e em todas as outras obras boas, morreram os dois com diferença de poucos dias.

23 Por causa deles houve uma grande lamentação, pelo odor da boa vida, que deram durante todo o tempo de suas vidas, louvando e bendizendo ao Senhor, que lhes deu graças, candor e concórdia a vida a seu serviço;

24 e não foram separados na morte, porque morreu um depois do outro.

25 Pois até o dia de hoje conta-se a sua memória como de santos, pelos que os conheceram.

Capítulo 70

1 No tempo em que ninguém era recebido na vida dos frades sem licença do bem-aventurado Francisco, veio com outros, que queriam entrar na Religião, o filho de um nobre segundo século, de Lucca ao bem-aventurado Francisco, que estava doente e permanecia no palácio do bispo de Assis.

2 Quando os frades apresentaram-nos ao bem-aventurado Francisco, o filho do nobre se inclinou diante do bem-aventurado Francisco e começou a chorar fortemente, rogando que o recebesse.

3 O bem-aventurado Francisco, enxergando dentro dele, disse: “Ó homem miserável e carnal! Porque mentes ao Espírito Santo e a mim? Tu choras carnal e não espiritualmente”.

4 Dito isso, imediatamente chegaram a cavalo seus parentes, fora do palácio, querendo pegá-lo para levar de volta para sua casa.

5 Quando ouviu o rumor dos cavalos e olhou por uma janela do palácio, viu seus parentes, logo se levantou e saiu ao encontro deles, voltando com eles para o século, como tinha conhecido o bem-aventurado Francisco pelo Espírito Santo.

6 Ficaram admirados os frades e outros que lá estavam, e engrandeceram e louvaram a Deus em seu santo.