Compilação de Assis - Capítulos 71-80

Nenhum sub-capítulo encontrado

Capítulo 71

1 Certa ocasião, quando estava muito doente no mesmo palácio, os frades rogavam e animavam para que comesse.

2 Mas ele lhes disse: “Meus irmãos, não tenho vontade de comer, mas se tivesse um pouco do peixe que chamam de Lúcio, talvez eu comesse”.

3 Quando acabou de dizer isso apareceu alguém trazendo uma cesta em que havia três grandes lúcios bem preparados e pratos de camarões, que o santo pai comia com gosto, e tinham sido enviados por Frei Geraldo, ministro de Rieti.

4 Os frades ficaram muito admirados, considerando a sua santidade, e louvaram ao Senhor que satisfez seu servo com coisas que eles então não podiam proporcionar-lhe, principalmente porque era inverno e não podiam ter peixes daqueles.

Capítulo 72

1 Certa vez, o bem-aventurado Francisco ia com um frade espiritual de Assis, que era de uma família grande e poderosa.

2 O bem-aventurado Francisco, como era um homem fraco e doente, montava num burrico.

3 O frade, cansado da viagem, começou a pensar consigo, dizendo: “Não podiam comparar-se os parentes desse aí com os meus, mas agora ele vai montado e eu, cansado, tenho que ir atrás dele, tangendo o animal”.

4 Assim que ele pensou isso, o bem-aventurado Francisco desceu do burrico, dizendo-lhe: “Irmão, não é certo nem conveniente que eu vá montado e tu vás a pé, porque foste mais poderoso e nobre do que eu no século”.

5 E o frade, estupefato e envergonhado, lançou-se chorando aos seus pés e confessou seu pensamento, dizendo-se culpado por causa disso; e ficou muito admirado com a santidade dele, por conhecer imediatamente o seu pensamento.

6 Quando os irmãos se apresentaram em Assis para rogar ao senhor papa e aos cardeais que canonizassem o bem-aventurado Francisco, o frade testemunhou isso diante do papa e dos cardeais.

Capítulo 73

1 Certo frade, homem espiritual e amigo de Deus, morava no lugar dos frades em Rieti.

2 Um dia, levantando-se, foi com grande devoção ao eremitério dos frades em Grécio, onde morava nesse tempo o bem-aventurado Francisco, pelo desejo de vê-lo e de receber sua bênção.

3 O bem-aventurado Francisco já tinha comido e tinha voltado à cela onde orava e dormia.

4 Como era quaresma, não descia da clã a não ser na hora da refeição, e logo voltava para a cela.

5 O frade ficou muito triste porque não o encontrou, pondo a culpa em seus pecados, principalmente porque teria que voltar naquele mesmo dia ao seu lugar.

6 Como os companheiros do bem-aventurado Francisco o consolassem e ele já estivesse afastado do lugar na distância de uma pedrada, para voltar a seu lugar, o bem-aventurado Francisco, por vontade do Senhor, saiu fora da cela, chamou um de seus companheiros, que ia com ele até a fonte do lago, e lhe disse:

7 “Dize a esse frade que olhe para mim”. Quando voltou sua face para o bem-aventurado Francisco, este o abençoou fazendo um sinal da cruz.

8 O frade, com alegria interior e exterior louvou o Senhor que cumpriu seu desejo e ficou ainda mais consolado porque considerou que foi por vontade de Deus que o abençoou sem ser por pedido seu ou pela palavra de outra pessoa.

9 Pois os companheiros do bem-aventurado Francisco e os outros frades do lugar ficaram admirados, achando que tinha sido um grande milagre, porque ninguém falou com o bem-aventurado Francisco sobre a vinda daquele frade;

10 porque nem os companheiros do bem-aventurado Francisco nem nenhum outro frade ousava ir até ele e não os tivesse chamado;

11 e não só lá, mas onde quer que o bem-aventurado Francisco ficava em oração, queria ficar tão afastado que ninguém fosse a ele sem ser chamado.

Capítulo 74

1 Certa vez, um ministro dos frades foi ao bem-aventurado Francisco, que estava então no mesmo lugar. Para celebrar a festa do Natal do Senhor com ele.

2 E aconteceu que, quando os frades do lugar estavam preparando uma mesa festiva no próprio dia do Natal por causa do ministro, com bonitas toalhas brancas que tinham adquirido e copos de vidro para beber, o bem-aventurado Francisco desceu da cela para comer.

3 Quando viu a mesa elevada e tão curiosamente preparada, foi em segredo e levou o chapéu de um pobre, que lá chegara nesse mesmo dia, e o bastão que levava nas mãos.

4 Chamou em voz baixa um de seus companheiros, e saiu fora da porta do eremitério, sem que soubessem os frades da casa.

5 Nesse meio tempo, os frades entraram para a mesa, principalmente porque era costume do santo pai que, às vezes, quando não vinha logo na hora de comer, quando os frades queriam comer, queria que os frades entrassem para a mesa para comer.

6 Seu companheiro fechou a porta, ficando perto dela do lado de dentro.

7 O bem-aventurado Francisco bateu à porta e o frade logo abriu-a para ele, que veio com o chapéu nas costas e o bastão na mão, como um peregrino.

8 Quando chegou diante da porta da casa onde os frades comiam, clamou como um pobre, dizendo aos frades: “Por amor do Senhor Deus, daí uma esmola a este pobre peregrino e doente”.

9 E o ministro e os outros frades conheceram-no imediatamente.

10 E o ministro respondeu-lhe: “Irmão, nós somos igualmente pobres e, como somos muitos, temos necessidade das esmolas que comemos, mas, por amor daquele Senhor que invocaste, entra na casa que te daremos das esmolas que o Senhor nos deu”.

11 Quando entrou e ficou em pé diante da mesa dos frades, o ministro deu-lhe a escudela em que comia e igualmente do seu pão.

12 Tomando-a ele sentou no chão perto do fogo, diante dos frades que estavam sentados à mesa, no alto, e, suspirando, disse aos frades:

13 “Quando vi a mesa preparada de maneira honrosa e rebuscada, achei que não era a mesa dos pobres religiosos, que vão todos os dias de porta em porta.

14 Pois assim convém a nós, mais que aos outros religiosos, seguir o exemplo de humildade e pobreza, porque a isso fomos chamados e isso professamos diante de Deus e dos homens.

15 Por isso, acho que agora estou sentado como um frade”.

16 Os frades ficaram envergonhados com isso, pois consideraram que o bem-aventurado Francisco estava dizendo a verdade, e alguns deles começaram a chorar forte, vendo como estava sentado no chão e como quis corrigi-los tão santa e cuidadosamente.

17 Também dizia que os frades deviam ter mesas tão humildes e simples que, por isso, os seculares pudessem ficar edificados; e se algum pobre fosse convidado pelos frades, pudesse sentar-se com eles, não o pobre no chão e os frades lá em cima.

18 Por isso o senhor papa Gregório, quando era bispo de Óstia e foi ao lugar dos frades em Santa Maria da Porciúncula, entrou na casa dos frades e foi ver o seu dormitório, que havia nessa casa, com muitos cavaleiros, monges e outros clérigos, que tinham vindo com ele.

19 Quando viu que os frades dormiam no chão e não tinham por baixo a não ser um pouco de palha, sem travesseiro, com algumas cobertas pobrezinhas, rasgadas e gastas, começou a chorar muito diante de todos, dizendo:

20 “Vejam aqui como dormem os frades; mas nós, miseráveis, usamos tantas coisas supérfluas para tudo. Que vai ser de nós?”.

21 Pelo que ele e os outros ficaram muito edificados com isso.

22 Não viu lá nenhuma mesa, porque os frades comiam no chão.

23 E embora aquele lugar, desde o começo, quando foi edificado, fosse frequentado por longo tempo pelos frades de toda a Religião mais do que qualquer outro lugar dos frades, porque todos os que vinham para a Religião eram ali revestidos, sempre os frades do lugar comiam no chão, fossem poucos ou muitos,

24 e enquanto viveu o santo pai, por seu exemplo e vontade, os frades desse lugar sentavam-se no chão para comer.

25 Pois o bem-aventurado Francisco, vendo que aquele lugar dos frades em Grécio era simples e pobre, e que as pessoas daquele castro, embora pobrezinhas e simples, agradaram mais ao bem-aventurado Francisco entre os daquela província.

26 Por isso descansava muitas vezes e ficava morando naquele lugar, principalmente porque ali havia uma cela pobrezinha, bem afastada, onde o santo pai ficava.

27 Por isso, por seu exemplo e pela pregação dele e de seus frades, graças ao Senhor muitos deles entraram na Religião, muitas mulheres guardavam sua castidade, permanecendo em suas casas, vestidas do pano da Religião.

28 Mas mesmo que cada uma ficasse em sua casa, vivia vida comum honestamente e afligia seu corpo com jejum e oração, de modo que, às pessoas e aos frades seu comportamento não parecia ser entre os seculares e seus parentes mas entre pessoas santas e religiosas que estivessem servindo Deus havia muito tempo, embora fossem muito jovens e simples.

29 Por isso o bem-aventurado Francisco falava muitas vezes com alegria entre os frades dos homens e mulheres desse castro: “De uma cidade grande não se converteram tantos para a penitência como em Grécio, que é um pequeno castro.

30 Pois, muitas vezes, quando os frades estavam louvando a deus à tarde, como os frades costumavam fazer em muitos lugares naquele tempo, as pessoas daquele castro, grandes e pequenas, saíam para fora, ficavam em pé na rua na frente do castro, respondente aos frades em voz alta: “Louvado seja o Senhor Deus!”.

31 De modo que mesmo as crianças que ainda não sabiam falar bem, quando viam os frades, louvavam o Senhor Deus como podiam.

32 Mas tinham, nesse tempo, uma tribulação muito grande, que sofreram por muitos anos: porque grandes lobos devoravam as pessoas e o granizo devastava todos os anos seus campos e vinhas.

33 Por isso, um dia que lhes estava pregando, o bem-aventurado Francisco disse:

34 “Eu vos anuncio, para honra e louvor de deus que, se cada um de vós se emendar de seus pecados e se converter a Deus de todo coração, com o propósito e a vontade de perseverar,

35 confio no Senhor Jesus Cristo que, por sua misericórdia, ele vai afastar agora de vós esta peste dos lobos e do granizo, que vós sofreste tanto tempo, e vai fazer com cresçais e vos multipliqueis nas coisas espirituais e nas temporais.

36 Também vos anuncio que – que assim não seja – se voltardes ao vômito, essa praga e peste vai voltar sobre vós e com elas outras tribulações muito maiores”.

37 E aconteceu que, pela graça de Deus e pelos méritos do santo pai, acabou toda tribulação desde aquela hora e daquele tempo.

38 Até, o que é um grande milagre, quando o granizo chegava e devastava os campos de seus vizinhos, não tocava os seus campos, que estavam ao lado.

39 Desde então, começaram a multiplicar-se e ter abundância nas coisas espirituais e temporais por uns dezesseis ou vinte anos.

40 Depois começaram a se ensoberbecer pela gordura, a se odiar uns aos outros e até a ferir-se com espadas até a morte, a matar animais ocultamente, a roubar e a furtar de noite, a fazer muitos outros males.

41 Quando o Senhor observou que suas obras eram más e que não estavam observando o que lhes tinha sido anunciado pelo seu servo, indignou-se seu zelo sobre eles e afastou deles a mão de sua misericórdia.

42 E voltou sobre eles a praga do granizo e dos lobos, como lhes dissera o santo pai, e muitas outras tribulações piores do que as antigas caíram sobre eles.

43 Pois todo o castro foi queimado pelo fogo, e eles escaparam sozinhos, tendo perdido tudo que possuíam.

44 Por isso, os frades e outros que tinham ouvido as palavras do santo pai, como lhes predissera condições prósperas e adversas, ficaram muito admirados de sua santidade, vendo tudo realizado à letra.

Capítulo 75

1 Certa ocasião, o bem-aventurado Francisco pregava na praça de Perusa, com grande ajuntamento de povo.

2 E eis que cavaleiros de Perusa começaram a correr pela praça, brincando, de armas na mão, de modo que impediam a pregação.

3 E embora fossem repreendidos pelos homens e mulheres que estavam prestando atenção na pregação, não pararam por causa disso.

4 Virando-se para eles, o bem-aventurado Francisco disse, com fervor de espírito: “Ouvi e entendei o que o Senhor, por mim seu servo vos anuncia, e não digais que este é um assisiense”.

5 O bem-aventurado Francisco disse isso porque havia um ódio antigo entre pessoas de Assis e de Perusa.

6 Por isso, disse o seguinte: “O Senhor vos exaltou e voz fez grandes acima de vossos vizinhos; por isso deveis reconhecer até mais o vosso Criador, e deveríeis humilhar-vos mais não só diante do próprio Deus Onipotente mas também dos vossos vizinhos.

7 Mas o vosso coração elevou-se na vossa arrogante soberba e força, e devastais vossos vizinhos, matando a muitos.

8 Por isso eu vos digo: se não vos converterdes depressa, e derdes satisfação aos que ofendestes, o Senhor, que não deixa nada sem pagar, para voz fazer uma vingança maior e para vossa punição e impropério, vai fazer com que vos levanteis uns contra os outros,

9 e quando moverem a sedição e a revolução, sofrereis tamanha tribulação que vossos vizinhos não vos poderiam causar”.

10 Pois o bem-aventurado Francisco, em sua pregação, não calava os vícios do povo, nas coisas em que ofendiam publicamente a Deus ao próximo.

11 Mas o Senhor lhe dera tanta graça, que todos que o viam ou ouviam, pequenos e grandes, tinham tanto respeito e o veneravam poro causa da graça abundante que recebera de Deus, que por mais que fossem repreendidos por ele, ainda que se envergonhassem, ficavam edificados.

12 Nessas ocasiões, algumas vezes até se convertiam ao Senhor nessas ocasiões, para que rogasse mais atentamente a Deus por eles.

13 E aconteceu que, por permissão divina, depois de poucos dias, surgisse um escândalo entre os cavaleiros e o povo, de modo que o povo expulsou da cidade os cavaleiros.

14 E os cavaleiros, com a Igreja, que os ajudava, devastaram muitos campos, vinhas, e árvores deles, e lhes fizeram todos os males que puderam.

15 Mas o povo também devastou os campos, vinhas e árvores deles, e dessa forma o povo teve uma punição maior do que a de todos os seus vizinhos, a quem tinha ofendido.

16 Por isso, o que fora predito sobre eles pelo bem-aventurado Francisco foi cumprido à letra.

Capítulo 76

1 Quando o bem-aventurado Francisco ia por um certa província, veio ao seu encontro o abade de um mosteiro, que tinha muita veneração por ele.

2 O abade desceu do cavalo e falou com ele sobre a salvação de sua alma, aí por uma hora.

3 Quando quiseram separar-se, o abade pediu ao bem-aventurado Francisco, com toda devoção, que rogasse ao Senhor por sua alma.

4 Respondeu-lhe o bem-aventurado Francisco: “Vou faze-lo de boa vontade”.

5 E quando o abade se havia afastado um pouco do bem-aventurado Francisco, disse o bem-aventurado Francisco a seu companheiro: Irmãos, esperemos um pouco porque quero rezar pelo abade, como prometi”.

6 E orou por ele.

7 Porque era costume do bem-aventurado Francisco, quando alguém lhe pedia por devoção que orasse ao Senhor por sua alma, derramava a oração por ele logo que podia, para não se esquecer depois.

8 E andando o abade por seu caminho, não muito longe do bem-aventurado Francisco, o Senhor visitou-o de repente em seu coração, sentiu um certo calor suave ao redor de seu rosto, sendo elevado no excelso da mente, mas por um pouquinho de tempo.

9 Quando voltou a si, logo soube que o bem-aventurado Francisco tinha rezado por ele.

10 E começou a louvar a Deus e a ter por isso uma alegria interior e exterior.

11 A partir daí teve uma devoção maior pelo santo pai, considerando a grandeza de sua santidade, e teve consigo mesmo esse fato, enquanto viveu, como um grande milagre, e o contou muitas vezes aos irmãos e aos outros como lhe tinha acontecido.

Capítulo 77

1 Como o bem-aventurado Francisco teve durante muito tempo doenças do fígado, do baço e do estômago, e as teve até o dia de sua morte,

2 e desde o tempo em que esteve no ultramar para pregar ao sultão da Babilônia e do Egito, teve a maior doença dos olhos por causa do muito trabalho e do cansaço da viagem, pois indo e voltando suportou o maior calor,

3 mas nem por isso quis ter o cuidado de se fazer curar de alguma dessas enfermidades, ainda que, por seus frades e por muitos, com pena e compaixão dele, tivesse sido rogado a isso, pelo fervoroso espírito que teve desde o início de sua conversão para Cristo:

4 porque, por causa da grande doçura e compaixão que colhia da humildade e dos vestígios do Filho de Deus, tomava e tinha como doce o que era amargo para a carne.

5 Até mais: condoia-se tanto, todos os dias, das dores e amarguras de Cristo, que ele tolerou por nós, e por causa delas afligia-se tanto interior como exteriormente, que nem se importava com as suas próprias.

Capítulo 78

1 Por isso, certa ocasião, poucos anos depois de sua conversão, quando estava andando um dia sozinho não muito longe da igreja de Santa Maria da Porciúncula, ia chorando em voz alta e soluçando.

2 Quando ia passando assim, um homem espiritual, que nós conhecemos e de quem ouvimos isto, que lhe tinha prestado muita misericórdia e consolação antes que tivesse algum frade e também depois, encontrou-se com ele.

3 Movido de piedade por ele, perguntou-lhe: “Que tens, irmão?”.

4 Pois achava que estava com a dor de alguma doença.

5 Mas ele disse: “Assim deveria eu ir chorando e soluçando sem vergonha por todo o mundo a paixão do meu Senhor”.

6 E o homem começou a chorar e a derramar muitas lágrimas com ele.

Capítulo 79

1 Em outra ocasião, no tempo de sua doença dos olhos, como estava tendo muitas dores por causa disso, disse-lhe um dia a um ministro:

2 “Irmão, porque não fazes que seja lida por teu companheiro alguma passagem dos Profetas ou das outras Escrituras? Tua alma se exaltará e tirará daí a maior consolação”.

3 Pois sabia que se alegrava muito no Senhor quando ouvia ser as divinas escrituras.

4 Mas ele respondeu: “Irmão, encontro todos os dias tanta doçura e consolação na minha memória pela meditação dos vestígios do Filho de Deus, que mesmo que vivesse até o fim dos séculos, não me seria muito necessário ouvir ou meditar outras escrituras”.

5 Daí, recordava e dizia muitas vezes aos frades aquele verso de Davi: Minha alma não quer outra consolação (Sl 76).

6 Por isso, como dizia muitas vezes aos frades que ele devia ser a forma e o exemplo de todos os frades, não queria usar em suas enfermidades não só os remédios mas mesmo os alimentos necessários.

7 E como leva em conta isso que foi dito não só quando parecia estar são , ainda que sempre estivesse fraco e doente, mas também em suas enfermidades, era austero com o seu corpo.

Capítulo 80

1 Por isso, certa vez, quando tinha sarado um pouco de uma de suas maiores enfermidades, achou e ficou convencido de que tinha comido um pouco de iguaria naquela doença, ainda que comesse pouco, porque por causa das muitas, variadas e longas enfermidades não podia comer.

2 Levantando-se um dia, como não estava libertado da febre quartã, mandou convocar o povo de Assis na praça para a pregação.

3 Quando acabou a pregação, mandou-lhes que ninguém se afastasse enquanto ele não voltasse.

4 Entrou na igreja de São Rufino para se confessar com Frei Pedro Cattani, que foi o primeiro ministro geral escolhido Poe ele, e com alguns outros frades, e ordenou a Frei Pedro em que tudo que ele quisesse dizer e fazer de si mesmo, obedecesse-o e não o contradissesse.

5 Frei Pedro disse: “Irmão, nem posso nem quero querer outra coisa se não o que te agrada, de mim e de ti”.

6 Tirando a sua túnica, o bem-aventurado Francisco ordenou a Frei Pedro que o levasse com um corda que tinha no pescoço nu diante do povo, e a outro frade ordenou que pegasse uma tigela cheia de cinza e subisse ao lugar onde tinha pregado e jogasse a cinza espalhando-a sobre a cabeça dele.

7 Mas o frade não obedeceu, pela piedade e compaixão que se moveram sobre ele.

8 Frei Pedro levantou-se e o conduziu, como lhe tinha sido mandado, chorando muito; e os outros frades com ele.

9 E aconteceu que, quando voltou assim despido diante do povo ao lugar onde tinha pregado, disse: “Vós e outros, que por meu exemplo deixam o século e entram na Religião e vida dos frades, credes que eu sou um homem santo,

10 Mas eu confesso a Deus e vós que, nesta minha enfermidade, comi um caldo temperado com carne”.

11 Quase todos começaram a chorar de piedade e compaixão por ele, principalmente porque estava fazendo muito frio, era tempo de inverno, e ele ainda não estava curado da febre quartã.

12 E batiam em seus peitos, dizendo: “Se esse santo se acusa de uma necessidade manifesta com tanta vergonha do corpo,

13 e conhecemos a vida dele, que vemos vivo na carne com uma carne já meio morta por causa da superfluidade da abstinência e da austeridade que teve contra seu corpo desde o início de sua conversão a Cristo,

14 que vamos fazer nós, miseráveis, que todo o tempo de nossa vida vivemos e quisemos viver segundo a vontade e os desejos da carne?