Como a morte de São Francisco foi revelada a dona Jacoba de Settesoli, e ao próprio bem-aventurado Francisco foi revelada a certeza da salvação eterna.
1 Quando o bem-aventurado Francisco, alguns dias antes da morte, jazia enfermo no palácio do bispo de Assis, cantava freqüentemente por devoção os louvores de Deus com alguns de seus companheiros. E se não podia cantar ele mesmo, por causa da doença, mandava muitas vezes que os companheiros cantassem. 2 Mas os assisienses, com medo que acontecesse que tão precioso tesouro caísse nas mãos de alguém fora de Assis, faziam com que o palácio fosse guardado solicitamente, dia e noite, por muitos homens armados.
3 Quando o homem santo já estava aí acamado por muitos dias, um dos companheiros lhe disse: “Pai, tu sabes que as pessoas desta cidade têm muita confiança em ti e te julgam um homem santo. Por isso podem pensar que, se houvesse em ti santidade, como todos dizem, deverias pensar na morte, pois estás gravemente enfermo, e mais chorar do que cantar. 4 Pois este canto de louvores, que aqui cantamos, é ouvido por muita gente, porque este palácio, por tua causa, está sendo guardado por uma enorme multidão de homens armados, de modo que eles poderiam ter um mau exemplo. 5 Por isso eu acho que seria bom nós sairmos daqui e voltarmos todos para Santa Maria dos Anjos, porque aqui não estamos bem entre pessoas seculares”.
6 São Francisco respondeu a quem lhe dizia isso: “Caríssimo, tu sabes que dois anos atrás, quando estávamos em Foligno, o Senhor te revelou o termo de minha vida. 7 Revelou também a mim que, dentro de poucos dias, isto é, nesta doença, esse termo vai acabar. E na mesma revelação Deus me assegurou da remissão de todos os pecados e da felicidade no paraíso. 8 Até aquela revelação, eu chorei por minha morte e meus pecados; mas, depois que me foi feita essa revelação, fiquei cheio de tanto gozo, que nosso posso mais chorar: fico sempre na alegria. 9 Por isso eu canto e vou cantar a Deus, que me deu os bens da graça (cfr. Ps 12,6) e me certificou sobre os bens do paraíso. Quanto a sair deste lugar, estou de acordo: preparai-vos vós para me levar, porque, pelas doenças, não posso andar”.
10 Por isso os referidos frades levaram-no em seus braços e foram com uma grande comitiva até Santa Maria dos Anjos. 11 Quando chegaram ao hospital que há no caminho, São Francisco perguntou se ainda estava ali, porque ele mesmo, com os olhos enfraquecidos pela penitência e o pranto passado, não podia enxergar bem.
12 Quando ficou sabendo que estava junto do hospital, fez com que o pusessem no chão e disse: “Virai-me na direção de Assis”. 13 Parado no caminho, com o rosto voltado para a cidade, abençoou-a com muitas bênçãos, dizendo: “Abençoada sejas pelo Senhor, porque por ti muitas almas se salvarão, e em ti vão morar muitos servos do Altíssimo, e de ti muitos serão escolhidos para o reino eterno”. Dizendo isso, mandou que o carregassem como antes.
14 Quando chegaram a Santa Maria e o colocaram na enfermaria, chamou um dos companheiros e lhe disse: “Caríssimo, o Senhor me revelou que, nesta doença, até tal dia, vou morrer; e sabes que dona Jacoba de Settesoli, devota caríssima de nossa Ordem, teria uma tristeza bem inconsolável se soubesse da minha morte e não estivesse presente. 15 Por isso, para que não se perturbe, vamos fazê-la saber que, se quiser me ver vivo, venha imediatamente para Assis”. Ele respondeu: “Está certo, pai, porque, pela grande devoção que tem por ti, seria muito inconveniente que ela não estivesse presente na tua morte”.
16 Então, o bem-aventurado Francisco disse: “Traz-me papel e pena, e escreve o vou te dizer”. E ele começou a escrever: “A dona Jacob, serva do Altíssimo, Frei Francisco, pobrezinho de Cristo deseja saúde e a união do Espírito Santo no Senhor Jesus Cristo. 17 Saibas, caríssima, que o Cristo bendito, por sua graça, revelou que logo vai chegar o termo de minha vida. Por isso, se me queres encontrar vivo, quando ler esta carta venha depressa para Santa Maria dos Anjos. 18 Porque se não chegares até tal dia, não poderás me encontrar vivo. E traz contigo um pano de cilício para envolver meu corpo, e velas para a sepultura. 19 Peço também que me tragas daquelas comidas que costumavas dar-me quando estive doente em Roma”.
20 Mas, enquanto essas coisas estavam sendo escritas, foi anunciado a São Francisco que dona Jacoba vinha vindo a ele e trazia consigo tudo que dissemos. 21 Então disse imediatamente para o que escrevia: “Não escrevas mais, porque não é preciso, e guarda a carta”. Todos ficaram admirados porque ele não deixou terminar a carta.
22 E eis que, passado um pouco de tempo, dona Jacoba tocou à porta. Quando o porteiro chegou lá, encontrou a referida dona Jacoba, nobilíssima romana, com dois filhos senadores e a maior comitiva de soldados, que vinha ver São Francisco. 23 E levava consigo todas aquelas coisas que São Francisco tinha escrito na carta. Pois o próprio Deus revelara a dona Jacoba, quando estava orando em Roma, tanto a morte próxima de São Francisco quanto aquilo que pedia na carta. 24 Levou, além disso, tantas velas que serviram não só para a sepultura mas também nas missas e sobre o corpo do santo por muitos dias, com abundância.
25 Mas quando a referida senhora entrou onde estava São Francisco, ainda vivo, perceberam que tinham tido a maior consolação por causa das mútuas visões. 26 Quando ela se prostrou diante daqueles pés marcados pelos sinais divinos, recebeu aí enorme consolação, graça e abundância de lágrimas, 27 que, como a Madalena lavou com lágrimas os pés do Senhor, abraçou-os com toda devoção, beijando repetidamente por todos os lados, como se fossem os pés de um outro Cristo (cfr. Lc 7,44-45), imprimindo seus lábios fiéis de modo que os frades não conseguiram afasta-la.
28 Finalmente, levantada e interrogada sobre como tinha vindo assim prevenida, respondeu que, quando estava orando em Roma de noite, ouviu uma voz do céu que dizia: “Se queres encontrar São Francisco vivo, vai imediatamente para Assis, sem demora, 29 e leva contigo aquelas coisas que costumavas dar-lhe quando estava doente e também as que vão ser necessárias para o sepultamento”.
30 Dona Jacoba ficou até que São Francisco migrou e demonstrou admirável honra por seu corpo. Depois de algum tempo, por devoção ao santo, veio para Assis, 31 e aqui acabou seus dias, em santa penitência e virtuoso comportamento, e fez com que a sepultassem na igreja de São Francisco. Amém.