Actus beati Francisci et sociorum eius - Capítulo 56

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Como Frei João do Alverne foi arrebatado ao abismo da divindade

1 O mencionado Frei João do Alveme, tendo renun­ciado completamente às consolações transitórias deste mundo, era solícito em consolar-se unicamente em Deus. Por isso, quando chegavam as principais solenidades de Nosso Senhor Jesus Cris­to bendito, a graça divina infundia nele novas consolações e ad­miráveis revelações.

2 Aconteceu que, aproximando-se o Natal do Salva­dor, como ele esperasse com toda certeza uma consolação sobre a humanidade de Cristo bendito, 3 O Espírito Santo que sabe, como ele quer, dispensar os dons de acordo com o lugar e o tempo, não atendendo ao propósito do homem que quer ou que corre, mas à sabedoria de Deus que tem miseri­córdia (cf. Rm 9,16), 4 concedeu ao mesmo Frei João não a con­solação que esperava sobre a humanidade do Cristo bendi­to, mas tão fervoroso amor sobre a caridade de Cristo que lhe pareceu que a alma era arrebatada do corpo; 5 pois, seu cora­ção e sua alma ardiam cem vezes mais do que se ele estivesse na fornalha. Por causa desse ardor, ele ficava ansioso, ofegava e, in­tensamente aflito, gritava; porque, diante do demasiado fervor do amor e do excessivo ímpeto do Espírito Santo, não podia deixar de gritar

6 E naquela hora em que sentia tão grande ardor de amor, a es­perança da salvação o robustecia tão fortemente que acreditava que, se então morresse, não passaria pelo purgatório. 7 E este amor tão grande, embora de maneira intercalada, durou meio ano, e o ardor durou mais do que um ano, de modo que por alguma hora lhe parecia exalar o espírito.

8 Depois daquele tempo, teve inúmeras visitas e conso­lações, como eu mesmo muitas vezes vi como testemunha ocular e muitas vezes outros constataram freqüentemente. Como, pela de­masia do fervor e do amor não podia ocultar as visitas; foi ar­rebatado muitas vezes, estando eu a ver. 9 Além disso, numa noite, foi elevado a Deus em tão admirável luz que viu todas as coisas criadas no Criador, tanto as celestes quanto as terrestres, e todas ordenadamente distintas em seus graus: 10 a saber, como abaixo de Deus estão os coros dos espíritos beatos, o paraíso da terra e a bem-aventurada humanidade de Cristo; pôde ver também as ha­bitações dos seres inferiores; e via e sentia que todas representa­vam o Criador.

11 Depois, Deus o elevou acima de toda criatura, de modo que sua alma foi assumida e absorvida no abismo da divindade e da claridade e sepultada no oceano da eternidade e da infinitude di­vina, 12 uma vez que nada de criado, nada de formado, nada de imagi­nável, nada de visível, nada de compreensível e outras coisas deste gênero que seu coração podia pensar ou a língua hu­mana falar. 13 E aquela alma estava absorvida naquele oceano e abismo da divindade e dilatada como a gota de vinho na imensi­dão do mar, 14 que, como nada encontrou em si a não ser o mar, assim sua alma nada via, a não ser Deus em todas as coisas, so­bre todas as coisas, dentro de todas as coisas e fora de todas as coi­sas; e assim sentiu três pessoas em um único Deus e um só Deus em três pessoas.

15 E sentiu a caridade eterna que fez o Filho de Deus encarnar-se por obediência ao Pai, pela qual se encarnou; e por esta via da encarnação e da paixão do Fi­lho de Deus, meditando-a, carregando-a e derramando lágrimas, chegou às luzes indizíveis; 16 e disse que não há nenhum outro ca­minho pelo qual a alma possa entrar em Deus, a não ser por Cris­to, que é o caminho, a verdade e a vida (Jo 14,16).

17 Foram-lhe mostradas também na mesma visão as coisas que foram feitas por Cristo desde a queda do primeiro homem até à entrada de Cristo na vida eterna: Ele que é cabeça e príncipe de todos os eleitos que existiram desde o início do mundo, que exis­tem e existirão até ao fim do mundo, como foi anunciado pelos santos profetas.

Para o louvor e glória de Nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.