Actus beati Francisci et sociorum eius - Capítulo 8

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O que Deus disse a São Francisco através de Frei Leão

1 Quando nosso bem-aventurado pai Francisco, no princípio da Ordem, estava com Frei Leão em um pequeno lugar, onde não tinham livros para rezar o ofício, chegando a hora de Matinas, São Francisco disse ao companheiro:

2 “Caríssimo, nós não temos breviário em que possamos rezar Matinas, mas vamos usar o tempo para o louvar o Senhor. Vais dizer do jeito que eu te ensinar. E cuidado para não dizer diferente nem mudar as palavras. 3 Eu direi assim: Ó Frei Francisco, tu fizeste tantos pecados no século que és digno do inferno. E tu, Frei Leão, responderás: É verdade que mereceste um profundíssimo inferno”.

4 Frei Leão, puríssimo, respondeu com a simplicidade de uma pomba: “De boa vontade, pai. Começa, em nome do Senhor”. E São Francisco começou a dizer: “Ó Frei Francisco, tu fizeste tantos pecados no século que és digno do inferno”.

5 E Frei Leão respondeu: “Deus fará por ti tantos bens, que irás para a o Paraíso”.

6 Então São Francisco disse: “Não digas isso, Frei Leão. Quando eu disser: Ó Frei Francisco, tu fizeste tantas obras iníquas contra Deus que mereces ser amaldiçoado, tu responderás assim: És digno de ser contado entre os malditos”. E Frei Leão disse: “De boa vontade, pai”.

7 E São Francisco, com muitas lágrimas, suspiros, batidas no peito e um grande clamor, dizia: “’O Senhor do céu e da terra, eu cometi tantas iniquidades contra ti que sou digno de ser inteiramente amaldiçoado”.

8 Frei Leão respondeu: “Ó Frei Francisco, Deus te fará tal que entre os benditos serás especialmente abençoado”.

9 E São Francisco, admirado porque ele sempre respondia o contrário, corrigiu-o dizendo: “Frei Leão, porque não respondes como eu te ensino?”. 10 Eu te mando pela santa obediência que respondas de acordo com as palavras que eu vou te dizer. 11 E direi assim: "Ó Frei Francisco, malvado, achas que vais ter misericórdia de Deus se cometeste tantos pecados contra o Pai das misericórdias e o Deus de toda consolação (cfr. 2Cor 1,3) que não mereces encontrar misericórdia. 12 E tu, Frei Leão, ovelhona, responderás: “De modo algum és digno de encontrar misericórdia”. E Frei Leão respondeu: “Vamos, pai, porque vou falar como mandaste”. E São Francisco, com o rosto alegre no céu e com as mãos erguidas para Deus e os joelhos dobrados, dizia, chorando muito: “Ó Frei Francisco, grande pecador, Frei Francisco mauzinho, crês que Deus vai ter misericórdia de ti, que cometeste contra o Pai das misericórdias e o Deus de toda consolação tantos pecados que não és digno de obter misericórdia”? E Frei Leão respondeu: “Deus Pai, cuja misericórdia infinita é maior do que o teu pecado, vai ter contigo uma grande misericórdia e, além disso, te dará muitas graças”.

13 Então São Francisco, docemente irritado e pacientemente perturbado, disse a Frei Leão: “Frei Leão, por que tiveste essa presunção contra a obediência e já respondeste tantas vezes o contrário do que foi proposto?”.

14 E, então, Frei Leão respondeu ao santo pai com reverência e muito humildemente, dizendo: Deus sabe, pai caríssimo, que eu me propus a responder sempre como mandaras; mas Deus me fez falar de acordo com o beneplácito dele e não segundo o meu propósito”.

15 Admirado com isso, São Francisco disse a Frei Leão: “Eu te peço, caríssimo que, desta vez, digas, quando eu me acusar como antes, que não sou digno de misericórdia”. E sempre impunha essas coisas a Frei Leão com muitas lágrimas.

16 Frei Leão respondeu: “Podes dizer, pai, porque desta vez eu vou responder como quiseres”. E São Francisco, clamando com lágrimas, dizia: “Ó Francisco malvado, achas que Deus vai ter misericórdia de ti?”.

17 Frei Leão respondeu: “Sim, pai, Deus vai ter misericórdia de ti, e até vais receber uma grande glória de Deus, teu Salvador. Ele vai te exaltar e glorificar para sempre, porque todo que se humilha será exaltado (Lc 14,11). E não posso dizer outra coisa, porque Deus fala pela minha boca”.

18 E ficaram em vigília até a aurora, nessa humilde contenda, com lágrimas de compunção e até com a divina consolação.

Para o louvor de nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.