Actus beati Francisci et sociorum eius - Capítulo 64

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Como Deus abriu a Frei Tiago de Massa a por­ta de seus segredos.

1 Frei Tiago de Massa, a quem Deus abriu a porta de seus segredos, que Frei Egídio de Assis e Marcos de Monti­no não conheciam nem imaginavam maior do que ele no mundo, e com quem estavam de acordo Frei Junípero e Frei Lúcido 2 foi aquele a quem me esforcei por ver, sob a direção de Frei João, companheiro de Frei Egídio. Pois esse Frei João, quando o interroguei a respeito de algumas questões de edifi­cação, me disse:

“Se queres instruir-te nas coisas espirituais, apressa-te em ter uma conversa com Frei Tiago de Massa, 3 por­que Frei Egídio desejava ser iluminado por ele, e às suas palavras nada se pode acrescentar ou diminuir”; pois a mente dele chegou aos arcanos, e as palavras dele são palavras do Espírito Santo; e não há homem sobre a terra a quem eu tanto desejasse ver.

4 Esse Frei Tiago, no início da administração de Frei João de Parma, foi uma vez arrebatado e ficou três dias insensível, tanto que os irmãos começaram a duvidar que tivesse morrido. Fo­ram-lhe dados, por revelação divina, a ciência e inteligência das Escrituras e o conhecimento das coisas futuras.

5 Eu lhe pedi, dizendo: “Se é verdade o que ouvi dizer sobre ti, não o escondas de mim, Pois ouvi dizer que, naquela hora em que jazeste como morto por três dias, entre outras coisas Deus te mostrou o que vai acontecer na reli­gião”. 6 Pois Frei Mateus, então ministro da província das Mar­cas, depois daquele arrebatamento, chamou-o a si e mandou pela santa obediência que lhe manifestasse as coisas que vira. 7 Pois Frei Mateus era homem de admirável mansidão, santidade e simplicidade; e, em seus colóquios, dizia frequentem ente aos ir­mãos: “Conheço um irmão a quem Deus revelou tudo o que há de acontecer na religião, e coisas maravilhosas e arcanas que, se fo­rem ditas, não digo que não poderiam ser entendidas, mas dificilmen­te acreditadas”.

8 Este Frei Tiago, entre outras coisas, me manifestou e disse uma coisa bem estupenda: que depois de muitas coisas que lhe haviam sido mostradas sobre o estado da Igreja militante, 9 viu uma árvore bela e muito alta, cuja raiz era de ouro, o tronco com os ramos de prata, e as folhas de prata dourada. Os frutos da árvore eram homens, e todos eles eram frades menores. E o número dos ramos principais era distinto, de acordo com o número das províncias; e cada ramo tinha tantos frutos quantos eram os irmãos naquela província. 10 E soube o número dos irmãos de toda a Ordem e de cada uma das províncias, e os nomes, rostos, ida­des, características, ofícios, graus, dignidades, pecados e graças deles. E viu Frei João de Parma que estava na parte mais alta do ramo do meio da árvore, 11 e no alto dos ramos que esta­vam ao redor do ramo do meio estavam os ministros das diversas províncias.

12 E depois disso, viu São Francisco enviado com dois anjos por Cristo que estava sentado sobre um trono muito grande e belo; e foi-lhe dado um cálice cheio do espírito da vida e foi-lhe dito: “Vai e visita teus irmãos, dá-lhes de beber do cálice do espí­rito da vida (cf. Ap 11,11); porque o espírito de Satanás se insurgirá e se precipitará contra eles, e muitos deles cairão e nem tentarão levantar-se”.

13 E São Francisco veio ministrar o espírito da vida aos seus irmãos segundo o que lhe foi mandado. E, começando por Frei João, deu-lhe o cálice cheio de espírito da vida; este, tendo rece­bido o cálice da mão de São Francisco, bebeu-o todo com pressa e devoção; 14 e, depois de beber, ficou todo luminoso como o sol. E, logo depois dele entregava a todos o cálice do espírito da vida; e eram muito pou­cos os que o recebiam com a devida reverência e o bebiam todo.

15 No entanto, aqueles poucos que devotamente o consumiam todo se revestiam todos da claridade do sol; e os que o der­ramavam todo se convertiam em trevas; e tornavam-se escuros, deformes, muito feios, horríveis de se ver e semelhantes a demônios. 16 E alguns bebiam uma parte e derramavam outra parte; e segundo o que cada um bebia ou derramava do espírito da vida­ que lhe fora entregue no cálice por São Francisco, de acordo com a mesma medida revestia-se de luz ou de trevas.

17 Entretanto, mais do que todos os que estavam na árvore, resplandecia de luz Frei João que, todo voltado a contemplar o abismo infinito da verdadeira luz, compreendeu o turbilhão da tempestade que ha­veria de insurgir contra a árvore; 18 e, retirando-se da parte mais alta daquele ramo em que estava, omitindo todos os ramos, escondeu-se no lugar mais sólido do tronco da árvore. 19 E en­quanto cuidava de si próprio todo vigilante, a Frei Boaventura, que subira ao lugar de onde ele descera e que bebera parte do cá­lice que lhe fora dado e parte derramara, foram dadas agudas unhas de ferro como fio das navalhas dos que cortam pêlos. 20 Este, movendo-se do seu lugar com ímpeto, queria precipitar-se contra Frei João. Vendo isto, Frei João clamou ao Senhor; e Cris­to, ao clamor de Frei João, chamou São Francisco 21 e deu-lhe uma pedra afiadíssima, que chamam de pederneira e orde­nou-lhe, dizendo: “Vai e corta, sobre a pedra viva, as unhas de Frei Boaventura, com as quais ele quer dilacerar Frei João; de modo que não possa feri-lo”.

22 São Francisco veio e cortou as unhas de ferro de Frei Boaventura; e Frei João, brilhando como o sol, ficou em seu lugar.

23 Depois destas coisas, levantou-se veemente turbilhão e pre­cipitou-se contra a árvore; e os irmãos caíam da árvore; e caíam primeiro da árvore os que tinham derramado todo o espírito da vida. 24 Frei João e todos os que tinham consumido todo o es­pírito da vida, pela virtude divina, foram transladados para a re­gião da vida, da luz e do esplendor; mas os tenebrosos e os que caíam nos lugares de trevas e de miséria eram transportados pe­los ministros das trevas.

25 Aquele que tinha a visão compreendia de modo particula­rizado o que via, de modo que discernia claramente e reti­nha fixamente nomes, pessoas, regiões, idades e ofícios das duas partes, tanto da luz quanto das trevas. 26 Todo aquele turbilhão, tempestade cruel mas justamente permitida, durou até que a árvore, arrancada pela raiz, desabou por terra; e, dissipada e enfraquecida pelo turbilhão, a tempestade desapare­ceu dispersa em todos os ventos.

27 E cessando aquele turbilhão e tempestade, da raiz de ouro brotou uma plantação toda de ouro que produziu flores, folhas e frutos de ouro. Sobre a extensão, profundidade, altura, odor, bele­za e virtude desta árvore é melhor calar do que falar.

28 Eu só quis uma coisa do que o contemplador desta verdadeira vi­são contava, porque foi muito notável aos meus ouvidos: “Não haverá, disse ele, uma maneira semelhante de re­formar a instituição: vai ser completamente diferente: 29 porque a operação do espírito de Cristo escolherá os jovens sem guia e sem erudição, os simples, e as pessoas abjetas e desprezíveis, sem modelo e sem doutor, e até mesmo contra o ensinamento e costume dos que ensinam, e os encherá de santo temor e do purís­simo amor de Cristo. 30 E quando os multiplicar em muitos nos di­versos lugares, então lhes enviará um pastor e guia todo divino, todo santo, inocente e conforme a Cristo”.

Para o louvor e glória de Nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.