Actus Beati Francisci et sociorum eius - Capítulo 2

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A humildade e aobediência de São Francisco e de Frei Bernardo.

 

 

1 O devotíssimoservo de Cristo crucificado, o bem-aventurado Francisco, por causa do rigor dapenitência e do pranto contínuo, tinha ficado como um cego, de modo queenxergava pouco. 2 Numa ocasião, saiu do lugar onde estava e foi para o lugaronde morava Frei Bernardo, para conversarem juntos sobre as coisas divinas.Frei Bernardo estava no bosque, em contemplação divina, todo atraído e unido aoSenhor. 3 Então São Francisco foi ao bosque e chamou Frei Bernardo, dizendo:“Vem, fala com este cego!”. Mas Frei Bernardo, como era um homem de grandecontemplação e estava suspenso com a mente para Deus, não respondeu a SãoFrancisco nem foi ter com ele.

4 Quando FreiBernardo falava de Deus, tinha uma graça especial, como São Francisco jáexperimentara muitas vezes, e por isso queria falar com ele. 5 Por isso,passado certo tempo, chamou-o de novo pela segunda e pela terceira vez,repetindo a mesma coisa, isto é: “Vem, fala com este cego!”. E Frei Bernardonão o percebeu nenhuma das vezes, de modo que nem foi nem falou com SãoFrancisco. 6 Daí, São Francisco foi embora um pouquinho desolado, estranhando ecomo que se lamentando dentro de si porque Frei Bernardo, três vezes chamadopor ele, não quisera ir.

7 Mas São Francisco,enquanto ia pelo caminho, pensando assim e se afastando, disse a seucompanheiro: “Espera-me um pouquinho!”. 8 E quando estava entregue à oração emum lugar solitário, veio a ele a resposta divina, dizendo: “E por que teperturbas, homenzinho? Por acaso o homem tem que deixar Deus por uma criatura?9 Pois Frei Bernardo, quando tu o chamavas, estava em união comigo: por issonão podia nem ir a ti e nem te responder. Então não te admires de não terpodido falar contigo, pois estava tão fora de si que não pôde perceber nada doque dizias”.

10 Compreendendoisso, São Francisco voltou na mesma hora a Frei Bernardo, com passo apressado,para se acusar humildemente do pensamento que tivera. Mas Frei Bernardo,verdadeiramente santo, foi logo ao encontro de São Francisco e se lançou aosseus pés. 11 Encontraram-se (cfr. Ps 84,11) então a humildade de São Franciscocom a caridade e a reverência de Frei Bernardo. Contando a repreensão divinaque tivera, São Francisco mandou a Frei Bernardo que fizesse por obediênciatudo que lhe ordenasse.

12 Mas ele, temendoque lhe impusesse alguma coisa exagerada, como costumava, querendo escapar dapiedosa obediência, disse: “Pai, estou preparado para fazer a vossa obediência,contanto que também me prometais obediência nas coisas que eu vou dizer”. 13São Francisco respondeu: “De acordo”. Então Frei Bernardo disse: “Dizei, pai, oque quereis que eu faça”. 14 São Francisco disse: “Eu te mando pela santaobediência que, para punir a presunção e a ousadia do meu coração pises, quandoeu estiver deitado no chão, calcando com um de teus pés a minha garganta,ficando com o outro em cima da minha boca, de modo que passes três vezes porcima de mim, de um lado para o outro, pisando-me com os teus pés na garganta ena boca. 15 Quando passares desse jeito, dir-me-ás impropérios dizendo: “Ficaaí, rústico filho de Pedro de Bernardone”! E me farás muitas outras injúrias,ainda maiores, dizendo: “De onde te vem tanta soberba, criatura vilíssima”?

16 Ouvindo isso, foiduro para Frei Bernardo ter que faze-lo. Mas, por obediência, fez o que pôde,cumprindo-o com cortesia. Feito isso, São Francisco disse: “Agora, FreiBernardo, manda o que queres que eu faça, porque eu te prometi obediência”. 17Então, Frei Bernardo disse: “Eu te mando pela santa obediência que, todas asvezes que estivermos juntos, tu me corrijas de meus defeitos e me repreendasmais asperamente”.

18 Quando ouviuisso, São Francisco ficou muito espantado, porque Frei Bernardo era tão santoque São Francisco tinha por ele a maior reverência. 19 Por isso, daí em diante,São Francisco cuidava de não ficar muito com ele para que não acontecesse que,por causa da obediência, tivesse que impor alguma correção a uma alma tão santae tão divina. 20 Mas, quando desejava ver Frei Bernardo ou ouvi-lo falar deDeus, tratava de se despedir dele rápida e sucintamente.

21 Era admirável verisso: como no reverendo pai e no seu primogênito Frei Bernardo, a obediência ea caridade, a paciência e a humildade dos dois travavam alguns combates e atéiam de encontro (cfr. Sl 84,11) uma com a outra.

Para louvor e glóriade nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.