Como a B. Virgem apareceu a um irmão enfermo no lugar de Soffiano.
1 Na Marca de Ancona, num lugar deserto chamado Soffiano, houve antigamente um frade menor de cujo nome não me recordo, de tão admirável santidade e graça que parecia todo divino; e muitas vezes era arrebatado em Deus. 2 Uma vez em que ele estava todo absorto e elevado em Deus, pois tinha a graça de notável contemplação, vinham aves de diversas espécies e pousavam-lhe familiarmente sobre a cabeça, ombros, mãos e braços, entoando cantos maravilhosos.
3 Quando voltava de sua contemplação, ele vinha com tanta alegria da mente que parecia um homem, ou melhor, um anjo de outro mundo, porque então sua face resplandecia maravilhosamente por participar da conversa divina, de modo que causava admiração e espanto nos que o viam. 4 Ele, permanecendo sempre solitário, falava muito raramente; quando era interrogado sobre algo, respondia como se fosse um anjo do Senhor; e era simpático para com todos, e sua palavra era sempre temperada com o sal divino. E nem de dia nem de noite cessava a oração divina e a contemplação, nem relaxava o ânimo invicto das meditações da luz sempiterna, a saber, de Cristo. 5 Por isso, os frades, por causa da graça divina que nele refulgia, veneravam-no com carinhoso afeto como a outro Moisés. E, consumando em tão louvável esforço o curso de uma vida virtuosa e celeste e perseverando ardentemente em Deus, chegou ao fim.
6 Quando estava doente para morrer, de modo que não podia tomar nada nem exigia nenhum remédio do mundo, pois só confiava em Jesus Cristo bendito: o pão vivo que desceu do céu (cf. Jo 6,33) e que só com a palavra restaura tudo, ele mereceu por divina clemência ser consolado admiravelmente pela beatíssima Virgem Maria.
7 Por isso, certo dia, deitado sozinho, preparando-se com todas as forças para a morte, eis que a gloriosa Senhora, a beatíssima Mãe de Cristo, lhe apareceu com grande multidão de anjos e santas virgens, aproximando-se com admirável claridade do leito do enfermo. 8 Ao vê-Ia, consolado e alegre no espírito e no corpo, ele pedia à rainha de misericórdia que impetrasse junto a seu Filho que o tirasse, pelos méritos da própria Mãe, da prisão da carne tenebrosa. E enquanto pedia isto com muitas lágrimas, respondeu-lhe a Bem-aventurada Virgem, chamando-o pelo nome e dizendo: “Não temas, filho (cf. Tb 4,23), porque tua oração foi atendida (cf. At 10,31). Pois vi tuas lágrimas; mas vim a ti para que te confortes um pouquinho, antes de partires”.
9 E vinham com a beatíssima Virgem três santas virgens que traziam nas mãos três píxides de eletuário de tão admirável odor e suavidade que não daria para explicar facilmente com palavras. 10 E tomando a Bem-aventurada Virgem uma daquelas píxides, logo que a abriu, encheu tudo de odor. E, tomando uma colher em suas mãos gloriosas, ofereceu ao enfermo uma pequena quantidade do primeiro eletuário celeste. 11 Quando ele o saboreou, sentia tanta graça e doçura que não lhe parecia que a alma pudesse estar no corpo; e dizia à Bem-aventurada Virgem: “Basta, ó suavíssima Mãe e Senhora bendita; basta, ó médica bendita e salvadora do gênero humano; não mais, porque não posso suportar mais tanta suavidade”.
12 E aquela piedosíssima Mãe e benigníssima consoladora, exortando o enfermo e oferecendo-lhe mais vezes daquele eletuário, esvaziou toda a primeira píxide. 13 E, tendo esvaziado a primeira píxide ou pote, a Bem-aventurada Virgem tomou a segunda. Ao percebê-lo, o doente disse: “Ó beatíssima Mãe de Deus, se minha alma derreteu (cf. Ct 5,6) quase totalmente só com o perfume e a suavidade do primeiro eletuário, como poderei suportar o segundo? Rogo-vos, ó bendita acima de todos os santos e anjos, que não me ofereçais mais!” Respondeu-lhe a Mãe e bem-aventurada Virgem: “Filho, prova um pouco deste segundo”.
14 E, tomando, deu um pouquinho do segundo, dizendo: “Já tens quanto te pode ser suficiente. Conforta-te, filho, porque depressa virei e te conduzirei ao reino de meu Filho, pelo qual sempre anelaste, sempre desejaste”.
15 E, despedindo-se dele, desapareceu-lhe dos olhos. E ele ficou em tanta doçura de espírito por causa daquela confecção trazida da farmácia do paraíso e ministrada pelas mãos da beatíssima Virgem Maria que ficou todo iluminado interiormente, e os olhos de seu espírito se abriram com tanta serenidade da divina luz que viu claramente no livro da vida (cf. Fl 4,3; Ap 13,8) eterna todos os que deveriam salvar-se até ao dia do juízo; e foi refeito com tanta saciedade por aquele eletuário de doçura — pois não era um medicamento terrestre, mas celeste — que por muitos dias permaneceu revigorado sem o alimento do corpo. 16 E no último dia de sua vida, falando e alegrando-se com os irmãos, com grande alegria do espírito e júbilo do corpo, migrou para o Senhor.
Para o louvor e glória de Nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.