Actus beati Francisci et sociorum eius - Capítulo 57

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Como Frei João do Alverne viu o Cristo glorioso na hóstia.

1 Com o mesmo Frei João aconteceu algo admirável e digno de célebre recordação, como relataram aqueles que estiveram pre­sentes.

2 Pois, estando o mencionado Frei João no lugar de Molliano, na custódia de Fermo e na província das Marcas, no primeiro dia depois da oitava de São Lourenço, a saber, dentro da oitava da Assunção da Bem-aventurada Virgem Maria, levantou-se antes da hora das Matinas 3 e, com a grande unção da graça com que o Senhor o dotara, rezou as Matinas com os frades. Rezadas as Matinas, ele se dirigiu ao jardim; 4 porque sentia tanta profusão da imensa doçura e suavidade diante da grandeza da graça, que ele saboreava mentalmente naquela palavra do Senhor:Isto é o meu corpo, que emitia clamores e dizia no coração: Isto é o meu corpo (Mt 26,26).

5 Iluminado nessa palavra pelo Espírito Santo, abrindo os olhos do espírito, via o Cristo bendito com a Bem-aventurada Virgem Maria e com uma multidão de anjos e santos; 6 e compre­endia o que foi dito pelo Apóstolo: como todos somos um só corpo em Cristo e todos membros uns dos outros (Rm 12,5); e: para que possais compreender com todos os santos qual seja o comprimento, a largura, a altura e a profundidade (cf. Ef 3,18), 7 conhecer também a caridade de Cristo que sobrepuja todo conhecimento (Ef 3, 19); tudo isto está neste altíssimo sacra­mento que se realiza quando se diz: Isto é o meu corpo (Mt 26,26). 8 E, quando chegou a aurora, assim tomado pela graça, en­trou na igreja no fervor do espírito, com ansiedade, julgando não ser percebido por ninguém; no entanto, estava no coro um irmão que ouvia isto. 9 E como, estando tão ansioso diante da magnitude da graça, não pôde conter-se e deu um grande grito.

10 Assim que chegou ao altar para celebrar a missa, que devia cantar, foi ampliada a sua graça, e cresceu naquele amor; foi-lhe dada, então, uma inefável sensação de Deus, que, com suas pa­lavras, não se podia explicar de modo algum. 11 E temendo que aquela sensação e admirável fervor crescessem tanto a ponto de ser necessário deixar a missa, não sabia que lado escolher: se continuaria ou se esperaria.

12 Contudo, porque já sentira de vez em quando algo semelhante e o Senhor tanto o mitigara que por causa disto não deixara a missa, de qualquer modo confiava poder prosseguir. 13 Não obs­tante, temia que acontecesse o que aconteceu, porque tais infusões divinas não estão no poder do homem.

14 Portanto, depois de ter prosseguido até ao prefácio da Bem-aventurada Virgem, cresceram tanto aquela iluminação e graciosa suavidade que, chegando ao Estando para ser entregue, mal podia suportar tão grande suavidade e doçura. 15 E chegando ao Isto é o meu corpo, repetindo muitas vezes Isto é, Isto é (Mt 26,26), não con­seguia ir adiante, pois sentia a presença divina e uma multidão de anjos e santos, 16 de modo que quase desfalecia diante da grandeza do que sentia na alma. Por isso, o guardião do lugar pôs-se junto dele, socorrendo-o em sua ansiedade, e frade ficou atrás dele com uma vela acesa. 17 Os outros frades olhavam e temiam, com muitos outros homens e mulheres, com os quais estavam algumas importantes da região: todas elas, temendo e esperando, choravam à maneira das mulheres.

18 E o próprio Frei João, como que alienado por beatíssima e suavíssima alegria, parava, não procedendo para completar a santíssima consagração, porque sentia que o Senhor Jesus Cristo não entrava na hóstia, 19 ou melhor, a hóstia não se transubstanci­ava nele, enquanto ele não acrescentasse o meu corpo ao Isto é. E, sendo-lhe mostrado o paraíso do corpo místico de Cristo, ele, não conseguindo suportar tanta majestade da bem-aventurada cabeça, isto é, de Cristo, clamou, dizendo:o meu corpo! (Mt 26,26). 20 E imedia­tamente esvaiu-se a forma de pão, e apareceu-lhe o Senhor Jesus Cristo, Filho bendito de Deus, encarnado e glorificado; e o fez ver a humildade que o fez encamar-se e o faz vir todos os dias às mãos do sacerdote. 21 E tal humildade mantinha.Frei João em tanta doçura, admiração e inefável suavidade que não podia completar as palavras da consagração. 22 Pois tão admiráveis são a humildade e consideração de Deus nosso salvador para conos­co, como disse o próprio Frei João, que não se podem encerrar no coração nem se expressar em palavras: por isso, ele não pudera continuar.

23 E por isso, tendo dito também Isto é o meu corpo (Mt 26,26), sacudido em seguida de modo admirável, caiu para trás; mas foi sustenta­do pelo guardião que estava ao seu lado, para que não ruísse por terra. Acorreram os outros, tanto os frades quanto os outros ho­mens e mulheres que estavam na igreja, e ele foi levado para a sacristia como morto. 24 Pois o corpo dele estava frio como o corpo de um homem morto; e os dedos das mãos estavam tão fortemente contraídos que mal podiam abrir-se ou mover-se; e assim fi­cou deitado, como um exânime, desde a manhã até a grande Ter­ça; pois era verão.

25 E porque eu, que também nisso estive presente, desejava muito saber o que a clemência do Salvador operara nele, aproximei-me dele quase logo depois que voltara a si, pedindo-lhe pela caridade de Deus que se dignasse dizer-me as preditas coisas.

26 E ele, porque confiava muito em mim, narrou-me tudo por or­dem pela graça de Deus; e, além disso, disse que, celebrando e também antes, seu coração estava derretido como cera bem aquecida; 27 e sua carne lhe pare­cia estar sem ossos, de modo que quase não podia levantar nem os braços nem as mãos para fazer a cruz sobre a hóstia; 28 acrescen­tando que, antes de tomar-se sacerdote, fora-lhe mostrado que devia assim desfalecer na missa; mas, porque celebrara muitas missas e não acontecera o que antes lhe fora predito, julgava que se tinha enganado neste ponto. 29 Mas, quase cinquenta dias antes da Assunção da Bem-aventurada Virgem, em que isto lhe aconteceu, novamente lhe foi mostrado que isso devia aconte­cer na proximidade da Assunção, mas se esquecera dessa promessa.

Para o louvor e glória de Nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.