Actus beati Francisci et sociorum eius - Capítulo 58

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Frei João de Penna e sua conversa com um anjo.

1 Frei João de Penna, um dos luminares da província das Mar­cas, quando ainda era menino no mundo, foi chamado de noite por um menino muito bonito que dizia: 2 "Ó João, vai a Santo Estevão onde um dos meus frades vai pregar. acredita na doutrina dele e presta atenção nas palavras, pois fui eu que o enviei. Terás que fazer um longo caminho e depois virás a mim”.

3 Ele se levantou imediatamente e sentiu admirável mudança na alma; e indo ao lugar indicado,encontrou ali grande multidão de homens e mulheres que de diversas regiões se reuniram para ouvir a palavra do Senhor. E aquele que devia pregar se chamava Frei Filipe que, levantando-se, pregou não com palavras doutas da sabedoria humana, mas na virtude do espírito (cf. 1Cor 2,4.13) de Cristo, anunciando o reino de Deus. E o mesmo Frei Filipe era quase dos primeiros frades que chegaram à Marca de Ancona, e ainda eram poucos os lugares recebidos nas Mar­cas. 4 E, terminada a pregação, o predito Frei João foi ter com Frei Filipe e disse: “Pai, se te aprouver receber-me na Ordem, de bom grado eu gostaria de fazer penitência e servir ao Senhor Jesus Cristo bendito”. 5 E ele, como que era homem santo e iluminado, vendo que o moço tinha admirável inocência e prontidão de vontade, disse-lhe: “Vem ter comigo tal dia na cidade de Recana­ti, e eu farei com que sejas recebido. Pois lá devia ser celebrado o Capítulo.

6 O moço, como era muito puro, pensou em seu coração, di­zendo: “Esta vai ser a grande viagem que me foi revelada, que devo fazer e depois ir para o céu”. Portanto, ele foi e, recebi­do imediatamente à Ordem, acreditou que ia para Deus. 7 No en­tanto, o ministro disse no Capítulo: “Quem quiser ir para a pro­víncia da Provença, eu o enviarei pelo mérito da santa obediên­cia”. E Frei João, quando ouviu estas coisas, desejou ir, pensando em seu coração que talvez fosse aquela a grande viagem que de­via fazer; mas por timidez tinha vergonha de dizê-lo a alguém. 8 E, confiando em Frei Filipe que fizera com que ele fosse recebi­do, dirigiu-se a ele, dizendo: “Rogo-te, pai, que me obtenhas esta graça: que eu possa ir para a província da Provença para morar”.

9 Os frades naquele tempo optavam por dirigir-se às provín­cias estrangeiras para serem peregrinos e forasteiros (cf. 1Pd 2,11) neste mundo e cidadãos dos santos e familiares de Deus (cf. Ef 2,19) no céu. 10 Então Frei Filipe, vendo a pureza e santa intenção dele, obteve para ele a licença de ir para a predita pro­víncia. E Frei João acreditava que, terminada aquela viagem, iria para o céu. 11 Esteve, no entanto, na dita província por vinte e cin­co anos, vivendo na maior e mais exemplar santidade; e todo dia espe­rava que se cumprisse o prometido. 12 E ao crescer em toda honestidade de costumes e no cume da santidade e ser querido e amado em toda aquela província, tanto pelos irmãos quanto pelos seculares, não pôde absolutamente ver cumprir-se o seu desejo.

13 Certo dia, rezando e chorando diante do Senhor pelo fato que o seu exílio, como lhe parecia, se prolongava (cf. Sl 119,5) muito, eis que lhe apareceu o Cristo bendito; na presença dele, derreteu-se sua alma. 14 E Cristo disse: “Filho, pede-me o que quiseres!” Ele respondeu: “Meu Senhor, não sei o que direi! Porque não quero outra coisa, senão a vós; mas, peço-vos somente isto, que me poupeis e que perdoeis todos os meus pecados e me concedais a graça de ver-vos novamente, quando eu tiver maior necessidade”. 15 E o Senhor disse: “A tua oração foi atendida” (cf. At 10,31). E o desapareceu de seus olhos; e ele ficou totalmente confortado no Senhor.

16 Finalmente, os frades das Marcas, ouvindo sua fama, fizeram, com o geral, que ele voltasse para as Marcas. Ele, quando viu a obediência, pensou em seu coração, dizendo: “Esta é a longa viagem, terminada a qual, irei para Deus”.

17 Tendo retornado à província, não foi reconhecido por nenhum dos consanguíneos. E ele, dia após dia, esperava a misericórdia de Deus e que se cumprisse a promessa que lhe fora feita. Mas a sua viagem ainda foi prolongada, pois viveu bem por trinta anos depois de sua volta às Marcas; e, neste tempo, exerceu o oficio de guar­dião; e o Senhor operou por ele muitos milagres, e ele teve, entre muitos outros dons, o espírito de profecia. 18 Pois, numa ocasião, quando esteve fora do lugar, um noviço seu foi atacado pelo demônio para que apostatasse da Ordem; e consentiu com o tentador contanto que, quando Frei João voltasse ao lugar, ele tomaria imedia­tamente o caminho da saída. 19 Quando Frei João voltou, chamou logo o dito noviço, dizendo-lhe: “Ouve-me, filho, primeiramente quero que te confesses”. Quando ele ia indo, Frei João disse: “Ouve-me primeiro, filho”. E então, relatou-lhe toda a sua tentação.

20 E disse: “Porque me esperaste e não quises­te partir sem minha bênção, Deus te concedeu esta graça: que nunca sairás da Ordem e nesta Ordem com a bênção do Senhor morrerás”. 21 E então, o noviço foi confirmado na boa vonta­de e tomou-se um santo irmão. E o próprio Frei João relatou-me a mim, Hugolino, todas estas coisas.

22 Frei João, no entanto, estava sempre de ânimo tranqüilo e sereno e raramente falava. Era também homem de grande oração e devoção e, especialmente depois das Matinas, nunca voltava para a cela.

23 E enquanto numa noite, depois das Matinas, estava em oração, apareceu-lhe o anjo do Senhor e disse: “Frei João, completou-se a tua caminhada que aguardaste por tão longo tem­po. 24 Então te anuncio da parte de Deus que peças a graça que desejas. Além disso, que escolhas para ti ou um dia natural no pur­gatório ou sete (cf. 2Sm 24,12.13) dias de aflição neste mundo”.

25 Depois de haver escolhido sete dias de aflição, de repente adoeceu com diversas enfermidades; pois era torturado por febres, bem como por dores e gota nos pés e nas mãos, cãibras dos lados e contrações das vísceras, e muitas outras doenças. 26 Mas, o pior do que todas estas enfermidades, é que um espíri­to maligno estava diante da sua face e tinha um grande car­taz escrito com todas as suas culpas e defeitos; e dizia-lhe: “Por causa destes males que pensaste, disseste e fizeste, estás conde­nado”. 27 E o próprio doente se esquecera de todo o bem que fi­zera e não se lembrava de que estava na Ordem ou de que um dia nela estivera; mas se julgava condenado, assim como o espí­rito maligno dizia. 28 Então, quando alguém perguntava como estava respondia: “Mal, porque estou condenado!”

29 E os frades, ouvindo isso, mandaram procurar o velho Frei Mateus de Monte Rubbiano que foi homem muito santo; este amava intimamente a Frei João. Veio a ele no sétimo dia de sua tribulação e, saudando-o, disse: “Como estás, caríssimo?” 30 Ele respondeu: “Mal, porque estou condenado!” Mas Frei Mateus disse a Frei João: “Não te recordas que muitas vezes te confessaste a mim e eu te absolvi integralmen­te? Não te recordas também que por muitos anos serviste a Deus na Ordem? 31 Além disso, não te recordas que a divina miseri­córdia é maior do que todos os pecados do mundo e que Cristo, nosso bendito Salvador, pagou por nós um preço infinito? Por isso, confia com segurança que serás salvo e não condenado”.

32 E então, como estava concluído o prazo da purificação, a tentação se afastou, e veio a bênção; e, com grande alegria, ele disse: “Frei Mateus, porque te fatigaste e já é hora de descansar, peço-te que vás repousar”. 33 E, como Frei João tivesse ficado sozinho com aquele que o servia, eis que Cristo lhe apareceu com grande luz e um perfume suave como lhe tinha prometido que ia aparecer de novo em tempo oportuno.

34 E ele, juntando as mãos e dando-lhe graças, uniu-se eternamente, como membro eleito, à sua cabeça, o seu Senhor Jesus Cristo, que ele sempre amara e sempre desejara; e assim, repleto de alegria e consolado, passou para o Se­nhor; e repousa no lugar de Penna de São João.

Para o louvor de Nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.