Frei João de Penna e sua conversa com um anjo.
1 Frei João de Penna, um dos luminares da província das Marcas, quando ainda era menino no mundo, foi chamado de noite por um menino muito bonito que dizia: 2 "Ó João, vai a Santo Estevão onde um dos meus frades vai pregar. acredita na doutrina dele e presta atenção nas palavras, pois fui eu que o enviei. Terás que fazer um longo caminho e depois virás a mim”.
3 Ele se levantou imediatamente e sentiu admirável mudança na alma; e indo ao lugar indicado,encontrou ali grande multidão de homens e mulheres que de diversas regiões se reuniram para ouvir a palavra do Senhor. E aquele que devia pregar se chamava Frei Filipe que, levantando-se, pregou não com palavras doutas da sabedoria humana, mas na virtude do espírito (cf. 1Cor 2,4.13) de Cristo, anunciando o reino de Deus. E o mesmo Frei Filipe era quase dos primeiros frades que chegaram à Marca de Ancona, e ainda eram poucos os lugares recebidos nas Marcas. 4 E, terminada a pregação, o predito Frei João foi ter com Frei Filipe e disse: “Pai, se te aprouver receber-me na Ordem, de bom grado eu gostaria de fazer penitência e servir ao Senhor Jesus Cristo bendito”. 5 E ele, como que era homem santo e iluminado, vendo que o moço tinha admirável inocência e prontidão de vontade, disse-lhe: “Vem ter comigo tal dia na cidade de Recanati, e eu farei com que sejas recebido. Pois lá devia ser celebrado o Capítulo.
6 O moço, como era muito puro, pensou em seu coração, dizendo: “Esta vai ser a grande viagem que me foi revelada, que devo fazer e depois ir para o céu”. Portanto, ele foi e, recebido imediatamente à Ordem, acreditou que ia para Deus. 7 No entanto, o ministro disse no Capítulo: “Quem quiser ir para a província da Provença, eu o enviarei pelo mérito da santa obediência”. E Frei João, quando ouviu estas coisas, desejou ir, pensando em seu coração que talvez fosse aquela a grande viagem que devia fazer; mas por timidez tinha vergonha de dizê-lo a alguém. 8 E, confiando em Frei Filipe que fizera com que ele fosse recebido, dirigiu-se a ele, dizendo: “Rogo-te, pai, que me obtenhas esta graça: que eu possa ir para a província da Provença para morar”.
9 Os frades naquele tempo optavam por dirigir-se às províncias estrangeiras para serem peregrinos e forasteiros (cf. 1Pd 2,11) neste mundo e cidadãos dos santos e familiares de Deus (cf. Ef 2,19) no céu. 10 Então Frei Filipe, vendo a pureza e santa intenção dele, obteve para ele a licença de ir para a predita província. E Frei João acreditava que, terminada aquela viagem, iria para o céu. 11 Esteve, no entanto, na dita província por vinte e cinco anos, vivendo na maior e mais exemplar santidade; e todo dia esperava que se cumprisse o prometido. 12 E ao crescer em toda honestidade de costumes e no cume da santidade e ser querido e amado em toda aquela província, tanto pelos irmãos quanto pelos seculares, não pôde absolutamente ver cumprir-se o seu desejo.
13 Certo dia, rezando e chorando diante do Senhor pelo fato que o seu exílio, como lhe parecia, se prolongava (cf. Sl 119,5) muito, eis que lhe apareceu o Cristo bendito; na presença dele, derreteu-se sua alma. 14 E Cristo disse: “Filho, pede-me o que quiseres!” Ele respondeu: “Meu Senhor, não sei o que direi! Porque não quero outra coisa, senão a vós; mas, peço-vos somente isto, que me poupeis e que perdoeis todos os meus pecados e me concedais a graça de ver-vos novamente, quando eu tiver maior necessidade”. 15 E o Senhor disse: “A tua oração foi atendida” (cf. At 10,31). E o desapareceu de seus olhos; e ele ficou totalmente confortado no Senhor.
16 Finalmente, os frades das Marcas, ouvindo sua fama, fizeram, com o geral, que ele voltasse para as Marcas. Ele, quando viu a obediência, pensou em seu coração, dizendo: “Esta é a longa viagem, terminada a qual, irei para Deus”.
17 Tendo retornado à província, não foi reconhecido por nenhum dos consanguíneos. E ele, dia após dia, esperava a misericórdia de Deus e que se cumprisse a promessa que lhe fora feita. Mas a sua viagem ainda foi prolongada, pois viveu bem por trinta anos depois de sua volta às Marcas; e, neste tempo, exerceu o oficio de guardião; e o Senhor operou por ele muitos milagres, e ele teve, entre muitos outros dons, o espírito de profecia. 18 Pois, numa ocasião, quando esteve fora do lugar, um noviço seu foi atacado pelo demônio para que apostatasse da Ordem; e consentiu com o tentador contanto que, quando Frei João voltasse ao lugar, ele tomaria imediatamente o caminho da saída. 19 Quando Frei João voltou, chamou logo o dito noviço, dizendo-lhe: “Ouve-me, filho, primeiramente quero que te confesses”. Quando ele ia indo, Frei João disse: “Ouve-me primeiro, filho”. E então, relatou-lhe toda a sua tentação.
20 E disse: “Porque me esperaste e não quiseste partir sem minha bênção, Deus te concedeu esta graça: que nunca sairás da Ordem e nesta Ordem com a bênção do Senhor morrerás”. 21 E então, o noviço foi confirmado na boa vontade e tomou-se um santo irmão. E o próprio Frei João relatou-me a mim, Hugolino, todas estas coisas.
22 Frei João, no entanto, estava sempre de ânimo tranqüilo e sereno e raramente falava. Era também homem de grande oração e devoção e, especialmente depois das Matinas, nunca voltava para a cela.
23 E enquanto numa noite, depois das Matinas, estava em oração, apareceu-lhe o anjo do Senhor e disse: “Frei João, completou-se a tua caminhada que aguardaste por tão longo tempo. 24 Então te anuncio da parte de Deus que peças a graça que desejas. Além disso, que escolhas para ti ou um dia natural no purgatório ou sete (cf. 2Sm 24,12.13) dias de aflição neste mundo”.
25 Depois de haver escolhido sete dias de aflição, de repente adoeceu com diversas enfermidades; pois era torturado por febres, bem como por dores e gota nos pés e nas mãos, cãibras dos lados e contrações das vísceras, e muitas outras doenças. 26 Mas, o pior do que todas estas enfermidades, é que um espírito maligno estava diante da sua face e tinha um grande cartaz escrito com todas as suas culpas e defeitos; e dizia-lhe: “Por causa destes males que pensaste, disseste e fizeste, estás condenado”. 27 E o próprio doente se esquecera de todo o bem que fizera e não se lembrava de que estava na Ordem ou de que um dia nela estivera; mas se julgava condenado, assim como o espírito maligno dizia. 28 Então, quando alguém perguntava como estava respondia: “Mal, porque estou condenado!”
29 E os frades, ouvindo isso, mandaram procurar o velho Frei Mateus de Monte Rubbiano que foi homem muito santo; este amava intimamente a Frei João. Veio a ele no sétimo dia de sua tribulação e, saudando-o, disse: “Como estás, caríssimo?” 30 Ele respondeu: “Mal, porque estou condenado!” Mas Frei Mateus disse a Frei João: “Não te recordas que muitas vezes te confessaste a mim e eu te absolvi integralmente? Não te recordas também que por muitos anos serviste a Deus na Ordem? 31 Além disso, não te recordas que a divina misericórdia é maior do que todos os pecados do mundo e que Cristo, nosso bendito Salvador, pagou por nós um preço infinito? Por isso, confia com segurança que serás salvo e não condenado”.
32 E então, como estava concluído o prazo da purificação, a tentação se afastou, e veio a bênção; e, com grande alegria, ele disse: “Frei Mateus, porque te fatigaste e já é hora de descansar, peço-te que vás repousar”. 33 E, como Frei João tivesse ficado sozinho com aquele que o servia, eis que Cristo lhe apareceu com grande luz e um perfume suave como lhe tinha prometido que ia aparecer de novo em tempo oportuno.
34 E ele, juntando as mãos e dando-lhe graças, uniu-se eternamente, como membro eleito, à sua cabeça, o seu Senhor Jesus Cristo, que ele sempre amara e sempre desejara; e assim, repleto de alegria e consolado, passou para o Senhor; e repousa no lugar de Penna de São João.
Para o louvor de Nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.