Actus beati Francisci et sociorum eius - Capítulo 3

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Sobre Frei Bernardo, quando um anjo fez com que atravessasse um rio.

1 No princípio da Ordem, quando havia poucos frades e ainda não tinham assumido lugares, São Francisco foi visitar Santiago, levando consigo alguns companheiros, um dos quais era Frei Bernardo. 2 Como iam juntos, em um lugar encontraram um doente. São Francisco ficou com pena dele e disse a Frei Bernardo: “Filho, quero que fiques para servir a este doente”. 3 Ele, de joelhos e com a cabeça inclinada, recebeu na mesma hora e com reverência a obediência do santo pai. São Francisco, porém, deixando Frei Bernardo com o doente, foi para Santiago com os outros companheiros. 4 Quando estavam rezando em Santiago, foi-lhe revelado por Deus na mesma igreja que tomasse lugares pelo mundo, porque sua Ordem devia estender-se em uma grande multidão. Por isso, a partir daí, por ordem de Deus, começou a tomar lugares em toda parte.

5 Quando São Francisco ia voltando pelo mesmo caminho, encontrou Frei Bernardo e o doente a ele confiado, perfeitamente curado. Então São Francisco concedeu que Frei Bernardo fosse a Santiago no ano seguinte. 6 Nesse meio tempo, São Francisco voltou para o vale de Espoleto. Ficaram em um lugar deserto, ele, Frei Masseu, Frei Elias e mais alguns.

Certo dia, São Francisco estava em um bosque, a orar. 7 Seus companheiros, que tinham uma grande reverência para com ele, temiam impedir sua oração de alguma forma, por causa das grandes coisas que Deus lhe fazia na oração.

8 Aconteceu que um jovem muito bonito, vestido com roupas de quem ia viajar, chegou à porta e bateu com tanta precipitação e insistência, que causou estranheza. 9 Frei Masseu foi à porta, abriu-a e disse ao jovem: “Filho, não creio que já estiveste à porta dos frades, porque não sabes bater com moderação”. 10 E respondeu: “Como se faz?”. E Frei Masseu disse: “Bate três vezes, espaçadamente, uma vez depois da outra. Depois espera até que o frade complete um Pai-nosso e venha a ti. Se não vier nesse ínterim, bate outra vez”. 11 Mas o moço respondeu: “Eu estou com muita pressa, por isso bato assim, pois tenho que fazer uma longa viagem. Vim aqui para falar com São Francisco, mas agora ele está em contemplação no bosque, e não quero atrapalhá-lo. 12 Mas vai e me manda Frei Elias, pois ouvi dizer que é muito sábio; por isso quero fazer-lhe uma pergunta”.

13 Mas quando Frei Masseu disse a Frei Elias que fosse ter com ele, Frei Elias levou a mal e não quis ir, soberbo e irado. 14 Frei Masseu ficou sem saber o que fazer. Se dissesse que ele não podia ir, estava mentindo; mas se dissesse que ele estava perturbado, temia dar um mau exemplo. 15 Como ele custava para vir, o jovem bateu de novo, como antes. Afinal, o frade voltou para a porta e disse ao moço: “Quando bateste não observaste minha regra ou o que te ensinei”.

16 Aquele moço era um anjo do Senhor, que, antecipando a resposta de Frei Mateus, disse: “Frei Elias não quer vir a mim; mas vai a Frei Francisco e dize que me mande Frei Elias”. 17 Então Frei Masseu foi a Frei Francisco, que estava orando no bosque, com o rosto levantado para o céu e lhe disse tudo que o jovem pedira e a resposta de Frei Elias. 18 São Francisco não saiu do lugar nem desviou o rosto do céu, mas disse: “Vai e dize a Frei Elias que vá ter com ele agora mesmo, por obediência”.

19 Então Frei Elias foi à portaria, tão perturbado que, quando abriu a porta com ímpeto, fez um estrondo e um barulho forte, dizendo ao moço: “Que é que tu queres?”. 20 O moço disse: “Cuidado, caríssimo, pareces perturbado e a ira atrapalha o ânimo para não poder enxergar a verdade”.

21 Então Frei Elias disse: “Dize o que queres!”. E ele disse: “Eu te pergunto se é lícito aos que observam o santo evangelho comer de tudo que lhes for servido, como Cristo ensinou (cfr. Luc 10,8); e pergunto se é lícito a algum homem impor aos que observam o santo evangelho o que for contrário à liberdade evangélica?”.

22 Mas Frei Elias respondeu com soberba, dizendo: “Isso eu sei bem, mas não quero te dizer. Vai cuidar da tua vida”. O jovem respondeu: “Eu saberia melhor do que tu responder a esta questão”. 23 Mas Frei Elias, indignado, fechou a porta abruptamente e foi embora. Pensando consigo mesmo sobre a questão, hesitava e não sabia resolver. 24 Pois ele mesmo, sendo vigário da Ordem, presumira dar ordens para além do evangelho e da regra, e já fizera uma constituição segundo a qual nenhum frade da Ordem podia comer carne. Por isso, a questão era totalmente contra ele.

25 Por isso, não sabendo esclarecer a si mesmo, pensando na modéstia do jovem e que dissera que poderia esclarecer aquela questão melhor do que ele, voltou para a portaria e abriu a porta para pedir ao moço que lhe explicasse a questão. 26 Mas, quando abriu a porta, não encontrou ninguém, e nem pôde encontrá-lo mesmo procurando-o por toda parte. Pois ele era um anjo do Senhor que, por isso, fora embora sem esperar, porque a mente soberba não foi digna de um colóquio angélico.

27 Depois que aconteceram todas essas coisas, São Francisco, a quem tudo tinha sido revelado, voltou do bosque e repreendeu severamente em voz alta, dizendo: “Ages mal, Frei Elias soberbo, que repeles os santos anjos que vêm para nos visitar e instruir. 28 Pois eu te digo que tenho um medo muito grande de que a tua soberba te faça acabar fora desta Ordem”. E foi o que aconteceu mais tarde com ele, como São Francisco tinha predito com espírito profético.

29 No mesmo dia e na mesma hora em que o anjo se afastou do referido irmão, apareceu na mesma forma a Frei Bernardo, que estava voltando de Santiago e tinha parado à margem de um grande rio, que não podia atravessar. Saudando Frei Bernardo em sua própria língua, disse: Bom frade, o Senhor te dê a paz! (cfr. Nm 6,26). 30 E Frei Bernardo, admirado de sua beleza, do fato de conhecer a língua, da saudação de paz e do rosto alegre, perguntou-lhe: De onde vens, bom moço (cfr. Tob 5,6)”?

31 Ele respondeu: “Venho de tal lugar, onde São Francisco mora; fui falar com ele, mas não pude, porque estava no bosque contemplando as coisas de Deus. 32 Nesse lugar estavam com ele Frei Masseu, Frei Egídio e Frei Elias. Frei Masseu me ensinou como bater na vossa porta. 33 Frei Elias, porém, porque fez pouco da questão que lhe apresentei, depois, quando se arrependeu, não pôde me ouvir e me ver” (cfr. Lc 10,24). 34 Dito isso, o anjo perguntou a Frei Bernardo: “Por que, caríssimo estás demorando em atravessar o rio?”. Ele respondeu: “Tenho medo do perigo, porque estou vendo que a água é funda”.

35 O anjo disse: “Vamos passar juntos, não precisas duvidar”!”. Pegou-lhe a mão e, num piscar de olhos, colocou Frei Bernardo incólume na outra margem do rio. 36 Quando Frei Bernardo viu que ele um anjo do Senhor, disse com a maior devoção, reverência e alegria: “Bendito anjo de Deus, dize-me qual é o teu nome?”.

37 Ele respondeu: “Por que perguntas o meu nome, que é admirável?”. Dizendo isso desapareceu e deixou Frei Bernardo muito consolado, de modo que fez alegremente todo aquele caminho. 38 Frei Bernardo tomou nota do dia e da hora em que o anjo lhe apareceu e, depois que chegou ao lugar em que São Francisco morava com os referidos companheiros, contou-lhe tudo direitinho.

39 Por isso perceberam com toda a certeza que o mesmo anjo tinha aparecido para eles no mesmo dia e na mesma hora.

Para o louvor de nosso Senhor Jesus Cristo, que é bendito pelos séculos. Amém.