Actus beati Francisci et sociorum eius - Capítulo 7

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Como São Francisco ensinou a Frei Leão que só na cruz está a perfeita alegria.

1 Uma vez, no tempo do inverno, São Francisco vinha com Frei Leão de Perusa para Santa Maria dos Anjos, e o frio atormentava-o acerbamente. 2 Chamou Frei Leão, que caminhava um pouco à frente dele e disse: “Ó Frei Leão, ainda que os frades menores, dêem em toda a terra um grande exemplo de santidade e de boa edificação, transcreve o exemplo, isto é, anota que não está aí a perfeita alegria”.

3 Depois de andar um pouquinho, chamou-o de novo, dizendo: “Ó Frei Leão, ainda que o frade menor ilumine os cegos, endireite os encurvados, expulse os demônios, devolva o ouvido aos surdos, o andar aos coxos e a palavra aos mudos e, o que ainda é maior, ressuscite um morto de quatro dias (cfr. Mt 11,4), escreve que aí não está a perfeita alegria”.

4 Chamando-o de novo, dizia: “Ó Frei Leão, se o frade menor soubesse todas as línguas dos povos, todas as ciências e escrituras, de maneira que soubesse até profetizar (cfr. 1Cor 13,2) e revelar não só as coisas futuras mas até as consciências dos outros, escreve que aí não está a perfeita alegria”.

5 Continuando ainda a caminhar, chamou de novo: “Ó Frei Leão, ovelhinha de Deus, mesmo que o frade menor falasse a língua dos anjos (cfr. 1Cor 13,2), e conhecesse o caminho das estrelas e as virtudes das ervas, e lhe fossem revelados todos os tesouros das terras; 6 e conhecesse as virtudes das aves e dos peixes (cfr. 3Re 4,33) e dos animais,dos homens e das árvores, das raízes, das pedras e das águas, escreve, escreve bem e anota diligentemente que aí não está a perfeita alegria”.

7 E, depois de um pouquinho, clamou: “Ó Frei Leão, ainda que o frade menor soubesse pregar tão solenemente que convertesse todos os infiéis para a fé, escreve que não está aí a perfeita alegria”.

8 Esse modo de falar durou por bem duas milhas. E Frei Leão, muito admirado com tudo isso, disse: “Pai, eu te peço da parte de Deus que me digas onde está a perfeita alegria”.

9 São Francisco respondeu-lhe: “Quando chegarmos a Santa Maria dos Anjos tão molhados de chuva e congelados de frio, sujos de barro e aflitos de fome, e batermos na porta do lugar, e o porteiro vier irado, dizendo:

10 “Quem sois vós?”. E nós dissermos: “Somos dois dos vossos frades”. E ele, ao invés, disser: “Vós sois dois velhacos, que dais voltas pelo mundo roubando as esmolas dos pobres!”. 11 E não nos abrir mas nos fizer ficar na neve e na água, no frio e na fome até de noite. Então, se suportarmos pacientemente as injúrias e repulsas, sem nos perturbar e sem murmurar, 12 e pensarmos humilde e caridosamente que o porteiro nos conhece de verdade, e que é Deus que está excitando a língua dele contra nós, ó Frei Leão, escreve que aí está a perfeita alegria.

13 E se nós continuarmos a bater e o porteiro, ficar perturbado como se fôssemos importunos, sair e nos pegar a tapas com muita dureza, dizendo: Ide embora daqui, poltrões ordinários, ide para o hospital. Pois quem sois vós? Aqui não comereis de modo algum!”.

14 E se nós suportarmos tudo isso com alegria e recebermos as injúrias com amor de todo coração: ó Frei Leão, escreve que aí está a perfeita alegria.

15 E se nós, atormentados por todo lado com a fome apertando, o frio afligindo, e ainda mais aproximando-se a noite, batermos, chamarmos e continuarmos a chorar para que nos abra, e ele, afinal, ainda mais arrebatado, disser: “São homens muito atrevidos e impudentes: vou acalmá-los!”.

16 E sair com um cacete cheio de nós, agarrando-nos pelo capuz e nos jogando na neve e na lama, batendo-nos tanto com o cacete que nos encher de feridas, 17 se suportarmos com alegria tantos males, tantas injúrias e pancadas, lembrando que devemos tolerar as penas de Cristo bendito, ó Frei Leão, escreve que aí está a perfeita alegria.

18 Porque, Frei Leão, ouve a conclusão. Entre todos os carismas do Espírito Santo, que Cristo concedeu e concede aos seus amigos, está o de vencer a si mesmo e suportar de boa vontade os opróbrios por Cristo e pelo amor de Deus. 19 Pois não podemos nos gloriar de nenhuma das maravilhas de que falamos, porque não são nossas mas de Deus. Pois o que tens que não recebeste? Mas, se recebeste, por que te glorias como se não o tivesses recebido? (1Cor 4,7). Podemos nos gloriar na cruz da tribulação e da aflição, porque isso é nosso. 20 Por isso, diz o apóstolo: Longe de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo (cfr. Gl 6,14), ao qual seja o louvor pelos séculos dos séculos. Amém.