Actus beati Francisci et sociorum eius - Capítulo 62

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Como foi revelado a São Francisco que Frei Eli­as devia apostatar da Ordem.

1 Como Frei Francisco e Frei Elias estavam vivendo em família em um pequeno lugar, foi revelado a São Francisco que Frei Elias estava condenado, devia apostatar da Ordem e morrer fora dela; 2 por isso, São Francisco passou a ter grande displicência com ele, de modo que não queria falar nem conviver com ele; 3 e, se acontecesse alguma vez que Frei Elias se dirigisse a ele, se desviava logo para outro lado. Como isso aconteceu muitas vezes, Frei Elias percebeu que São Francisco estava um tanto displicente com ele. Por isso, reuniu-se um dia com São Francisco e, retendo o fugitivo com cortês violência, rogou insistente­mente que lhe aprouvesse explicar porque fugia do seu convívio e da sua conversação. 4 Disse-lhe São Francisco: “Porque me foi revelado que, por tua culpa, deves apostatar da Ordem e morrer fora dela; e, além disso, foi-me revelado pelo Senhor que tu estás condenado!”

5 Respondeu Frei Elias: “Reverendo pai, rogo-te por amor de Jesus Cristo que não me rejeites por causa disso; mas, como bom pastor, a exemplo de Cristo, procura tua o­velha que pereceu; e derrama por mim tuas santas preces ao Se­nhor para que, se for possível, ele revogue a sentença de condena­ção; porque está escrito que Deus sabe mudar a sentença, se o ho­mem souber corrigir o delito. E eu tenho tanta fé em tuas orações que, se eu estivesse lançado no inferno, confiaria que tu rezarias por mim e eu sentiria algum alívio. Então, rogo-te outra vez que recomendes ao Senhor a mim pecador, para que não se esqueça de mim para sempre; mas, quando chegar o fim de mi­nha vida, ele, que veio salvar os pecadores; se digne receber-me na sua misericórdia”. E Frei Elias dizia isso com grande devoção e muitas lágrimas.

6 E São Francisco, comovido por paterna comiseração e en­tranhada piedade, ofereceu-se para rezar por ele; e, ao derramar preces por ele, compreendeu que tinha sido ouvido pelo Senhor quanto à revogação da sentença, a saber, que não estaria condenado no fim, mas com toda certeza apostataria e terminaria a vida fora da Ordem.

7 E assim aconteceu. Pois, como Frederico, rei da Sicília, se tinha rebelado contra a Igreja e por isso o papa o excomungara com todos os que lhe prestavam auxílio e conselho, Frei Elias, que era considerado um dos mais sábios do mun­do, chamado pelo dito rei e indo ter com ele, tornou-se rebelde à Igreja e apóstata da Ordem; por isso foi excomungado pelo papa e privado do hábito de sua religião.

8 E enquanto permanecia assim excomungado, adoeceu gra­vemente. Quando seu irmão de sangue, um irmão leigo que perma­necera na Ordem, de boa vida e de comportamento honesto e louvável, ouviu falar dessa doença, foi visitá-lo; 9 e, entre outras coisas que lhe falou, disse: “Irmão querido, lamento muito que estejas excomungado e morras sem o hábito, fora de tua Ordem. Se vires um meio pelo qual eu possa te libertar de tamanho perigo, de bom grado assumirei o trabalho por ti”. Então, Frei Elias lhe disse: “Meu querido irmão, não vejo outro meio, a não ser que vás ao papa; e roga-lhe que, por amor de Cris­to e do bem-aventurado Francisco, seu porta-bandeira, por cujas admoestações abandonei o mundo, me absolva da excomunhão e me restitua o hábito da religião”. Respondeu-lhe o irmão: “Tra­balharei de bom grado pela tua salvação, se puder conseguir essa graça”.

10 E, dirigindo-se do reino da Sicília ao papa, pediu-lhe hu­mildemente por amor de Cristo e de São Francisco a mencionada graça. E aconteceu que, por disposição da graça divina e com a ajuda da oração de São Francisco, o senhor papa concedeu ao dito irmão que, se encontrasse Frei Elias vivo, de sua parte o absolvesse da excomunhão e lhe restituísse o hábito.

11 E o predito frade, saindo da cúria, tomou às pressas o cami­nho para o reino da Sicília para absolver a Frei Elias, como se diz mais acima; e com a operação da virtude divina e pela súplica da oração de São Francisco, o irmão encontrou-o vivo, ele que dei­xara Frei Elias padecendo quase nas últimas. E, recebida. a absol­vição papal e restituído também o hábito, migrou para o Senhor. Acredita-se que esse benefício lhe foi conferido no fim pelos mé­ritos de São Francisco, de cujas orações o próprio Frei Elias tanto se alegrara.

Para o louvor de Nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.