Actus beati Francisci et sociorum eius - Capítulo 21

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Como Deus falou ao bem-aventurado Francisco e como São Francisco fez crescer o vinho na vinha em que não havia uva.

1 Como São Francisco sofria gravemente dos olhos, o senhor Hugolino, cardeal protetor da Ordem, que o amava intimamente, mandou dizer-lhe que fosse a Rieti, onde havia ótimos oculistas. 2 Quando o bem-aventurado Francisco recebeu a carta do senhor cardeal, foi primeiro a São Damião, onde estava Santa Clara, devotíssima esposa de Cristo. Pois se propusera, antes de partir, fazer uma consolação a Santa Clara e depois ir a Rieti.

3 Quando foi a São Damião, ficou tão doente na primeira noite que nem podia ver a luz. 4 Por isso a bem-aventurada Clara fez para ele uma pequena cela de esteiras, onde São Francisco pudesse morar mais retirado. Lá ficou cinqüenta dias, com tanta dor nos olhos e o tormento de muitos ratos instigados pelo demônio, que não conseguia descansar nem de dia nem de noite. 5 Então São Francisco, reconhecendo o flagelo era do Senhor, começou a dar graças a Deus, e a louvá-lo com todo o coração e a boca. E do íntimo de seu interior clamava que merecia aquelas enfermidades e angústias, e até muito mais. 6 E assim rogava, dizendo: “Senhor Jesus Cristo, bom pastor, que por nós indignos puseste tua digníssima misericórdia em duras angústias, concedei a mim, tua ovelhinha, a graça e a virtude, para que em nenhuma tribulação, angústia ou dor eu me afaste de Vós”.

7 Quando disse isso, ouviu a voz de Deus, do céu (cfr. Jo 12,28), dizendo: “Francisco, responde-me: se toda a terra fosse ouro e todos os mares, rios e fontes fossem bálsamo; e todos os montes, colinas e rochas fossem pedras preciosas; 8 e tu achasses um outro tesouro, mais nobre do que tudo isso quanto o ouro é mais nobre do que a terra, o bálsamo do que a água, as pedras preciosas mais do que os montes e rochedos, e te fosse dado esse tesouro tão mais precioso por causa desta tua doença, não deverias ficar muito alegre?”.

9 São Francisco respondeu: “Senhor, eu não sou digno de tão precioso tesouro”. E o Senhor lhe disse: “Alegra-te então agora, Frei Francisco, porque se trata do tesouro da vida eterna, que eu reservei para ti, e desde agora a ti confio; e esta enfermidade e aflição é a garantia desse feliz tesouro”.

10 Então São Francisco, muito alegre, chamou seu companheiro, dizendo: “Vamos ao senhor Cardeal”. E, consolando antes Santa Clara com palavras doces e divinas, e saudando-a humilde, como costumava, começou a viagem para Rieti. 11 Mas, quando se aproximou de Rieti, confluía tamanha multidão para junto dele que, por isso, não quis entrar na cidade, mas desviou-se para uma igreja que ficava talvez a umas duas milhas de Rieti.

12 Os cidadãos, sabendo que ele estava naquela igreja, acorreram a ele em tamanha multidão que a vinha do padre daquela igreja ficou toda destruída e, ainda por cima, devorada, porque era o tempo da vindima. 13 O padre, considerando o prejuízo, sofria muito e se arrependia de ter permitido a São Francisco que entrasse na igreja.

14 São Francisco, compreendendo isso pelo Espírito Santo, mandou chamar o senhor sacerdote e lhe disse: “Pai caríssimo, quantas cargas vinho produz esta vinha, quando te rende mais?”. Ele respondeu: “Doze”.

15 Disse-lhe São Francisco: “Eu te rogo, padre, que suportes com paciência que eu more nesta tua igreja, por causa do sossego que encontro em todos os lugares, e permite que todos recebam as uvas por amor de Deus e de mim pobrezinho. E eu te prometo, da parte de nosso Senhor Jesus Cristo bendito, que colherás vinte cargas neste ano”.

16 São Francisco fazia isso por causa da grande salvação das almas que o Senhor lá operava; pois via que muitos dos que vinham estavam inebriados de amor e esquecidos do mundo, convertidos para os desejos celestes. 17 Por isso achava que era mais útil que a vinha material fosse destruída do que tornar-sea vinha do Senhor Sabaoth (cfr. Is 5,7) estéril de vinho celeste.

18 O sacerdote, confiando nas promessas do santo, deixou que a vinha servisse livremente de alimento para os que chegavam. É certamente admirável que a vinha ficou toda destruída e foi devorada pelos que vinham, sobrando apenas alguns cachinhos verdes.

19 Quando chegou o tempo da vindima, o sacerdote, confiando na promessa do santo, colheu aqueles poucos bagos de uva e os colocou na prensa de costume, e colheu, de acordo com a promessa de São Francisco, vinte cargas de ótimo vinho. 20 Neste milagre, mostra-se claramente que, assim como pelos méritos de São Francisco a vinha despojada de uvas foi ainda mais fértil em vinho, assim o povo cristão, pela doutrina de São Francisco passou da esterilidade do pecado para os frutos mais férteis da penitência.

Para o louvor de nosso Senhor Jesus Cristo, que é bendito pelos séculos. Amém.